segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Artigo de Paulo Sant"Ana sobre a memorável enchente de 2009 em Capão do Leão

Trecho extraído de: ZERO HORA. Porto Alegre, 30 jan. 2009, p.63

A nossa inundação

Ainda bem que são raros os leitores que reclamam do colunista de que ele se debruça sobre assuntos sinistros, entre eles a grave crise econômica que saiu pelo mundo a devorar empregos e ameaça chegar até nós.
Se há um espaço de atividade que não pode deixar de se ocupar com as tragédias é o jornalismo. Até mesmo porque as tragédias são acontecimentos singulares, elas irrompem no cotidiano e alarmam todos.
Se o jornalismo não for se ocupar de tragédias, irá se ocupar de quê? As notícias boas, os fatos agradáveis, estes são ingredientes de rotina, muitos deles passam até despercebidos.
Enquanto que o desastre é uma forte ruptura da normalidade. Todas as atenções se desviam para ele, tornando-se irrecusável ao jornalismo abordá-lo.

Vejam esta inundação que caiu anteontem e ontem sobre Pelotas, Capão do Leão, Arroio do Padre, Turuçu e São Lourenço.
Uma senhora narrava à Rádio Gaúcha, ontem, que às 20h de anteontem a água batia à soleira de sua porta, em Turuçu, a Terra da Pimenta. Já tinha envolvido a calçada e ameaçava penetrar na casa a enchente.
Pois, 10 minutos depois, a água já estava atingindo o pescoço daquela senhora, que teve de fugir às pressas, deixando o refrigerador, o televisor, o fogão, os colchões, as cobertas, os móveis todos a boiarem pelas peças. Notem a velocidade espantosa da água.
Uma tragédia que atingiu milhares de pessoas nos cinco municípios.

Em Capão do Leão, a fúria das águas atingiu a linha férrea, derrubou um trem de seus trilhos. Ao que constava ontem, o maquinista havia morrido afogado.
Na ponte sobre o Arroio Fragata, entre Pelotas e Capão do Leão, segundo narrativa de uma testemunha, três a quatro veículos, entre eles uma motocicleta, vinham pela estrada e foram acossados furiosamente pelas águas.
Os motoristas calcularam que se atingissem o vão da ponte se salvariam do outro lado.
Só que do outro lado as águas também fustigavam a estrada e a margem da ponte, ficaram encurralados.
Decidiram dramaticamente os motoristas permanecer homiziados em cima da ponte, esperando por melhor sorte.
Só que, se as águas estavam derrubando as duas margens da ponte, inevitavelmente elas acabariam também por derrubar a ponte, se ela estivesse ligada à terra pela estrada.
E tragicamente foi o que aconteceu: a ponte caiu sobre o arroio, levando juntos os passageiros dos veículos.
Até a hora que eu escrevia, ontem, tinham sido recolhidos dois cadáveres por afogamento, um casal que se refugiara dentro de um carro sobre a ponte.
A Defesa Civil estava à procura de outros cinco cadáveres, que estariam também sobre a ponte na hora da queda, inclusive o motociclista, segundo relato de uma testemunha.

Interrompeu-se completamente a ligação da Zona Sul pela BR-116, Capão do Leão ficou ilhada, somam-se aos milhares os desalojados, os desabrigados. Muitos perderam tudo com a inundação.
Como poderia furtar-me, não fosse pelo jornalismo seria pela compaixão, de voltar minha atenção para o drama grave de tantos conterrâneos?
Espera-se que a mesma solidariedade que os gaúchos tiveram recentemente com os catarinenses flagelados se verifique novamente com envio de alimentos, roupas, colchões, cobertas e outros itens para as localidades atingidas.
É muito triste e respeitável a dor dos gaúchos atingidos por esta inundação.
Estendamos as mãos a eles nesta hora.

Antonia Berchon des Essarts Sampaio





Antonia Berchon des Essarts Carvalho, nasceu em 28 de fevereiro de 19l8, na Estância Santo Antônio, hoje município do Capão do Leão. Filha de Jayme de Carvalho e Vera Chaves des Essarts Carvalho, estudou no colégio Felix da Cunha de Pelotas e com onze anos foi para Paris com seu avô. De volta ao Brasil, morou no Rio de Janeiro onde fez o curso de Assistente Social, com prática na escola Ana Nery. Casou com Luiz Raphael de Oliveira Sampaio, nascido em Londres e tiveram três filhas, Maria Rita, Rosa May e Anna Luiza e nove netos.
Durante o tempo em que ainda estava no Rio de Janeiro, participou de inúmeras atividades sociais e culturais de Pelotas, trazendo companhias de ballet cariocas, despertando assim, o gosto pela dança na cidade, revertendo a renda para a Santa Casa de Pelotas. Mais tarde, preocupada com o mau estado dos lindos prédios de Pelotas, trouxe novamente um grande espetáculo de ballet com bailarinos do Teatro Municipal, promovendo assim a reforma do casarão número 06 da Praça Col. Pedro Osório. Com ajuda da filha Maria Rita, que tinha  relações em Brasília, conseguiu o tombamento dos três prédios da Praça e do Teatro Sete de Abril. Também por suas amizades, conseguiu o acervo de roupas antigas para fazer o Museu da Baronesa.
Após ficar viúva, volta à Pelotas em 1970, para assumir suas propriedades, e assim inicia sua atividade rural, cuja presença feminina era rara. Continua com a criação da Raça Devon introduzida no Brasil por Assis Brasil e seu avô Edmundo Berchon, fazendo um grande trabalho de melhoramento genético. Em 1986 tornou-se a maior criadora de Devon do mundo.
Em 1982, divide a administração das Estâncias, com sua filha Anna Luiza, formada engenharia agrônoma, pela Universidade Federal de Pelotas, e mais recentemente em 1994, tornaram-se franqueados do Projeto Montana, incrementando à produção de touros.

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