sábado, 21 de julho de 2018

A Quadrilha de Cornelio Amarillo


"Oxalá, não se junte outra quadrilha com o resto que foi dispersado, como é de presumir, pois os bandidos crescem e se juntam em pouco tempo. São como a solitaria, que, ficando a cabeça, em breve tempo teem o mesmo tamanho ou mais do corpo, que foi separado".
(Diario de Pelotas, 25 de julho de 1874)


Reconstituição feita com base nos jornais Diario do Rio de Janeiro (RJ), Diario de Pelotas (RS), O Constitucional (RS) e Correio da Bahia (BA).

Dentro os vários grupos criminosos, associados ao abigeato ou ao saque em propriedade rurais, que abundaram na Campanha Gaúcha no século XIX, uma característica presente é uma espécie de fraternidade internacional na zona de fronteira, com o aparecimento de bandos formados tanto por brasileiros quanto por uruguaios - orientais na acepção da época. Podia-se encontrar maltas deste tipo tanto atacando no Brasil quanto no Uruguay. Algumas tinham origem aqui e agregavam elementos do país vizinho com o passar do tempo, e o contrário também acontecendo, isto é, bandos que se formavam em terras estrangeiras. É crível afirmar que a fronteira uruguaio-sul-rio-grandense era extremamente fluida naquele tempo, aliás, o que não difere muito hodiernamente.

No biênio 1873-1874, uma quadrilha com origem em Taquarembó, Uruguay, assolou a região da fronteira binacional, causando verdadeiro pânico tanto nas cidades orientais quanto nos grandes municípios em extensão territorial de Bagé e Santana do Livramento. Esta quadrilha ficou conhecida como Quadrilha de Cornelio Amarillo. 

O tal Cornelio Amarillo era um mercenário uruguaio, desde cedo conhecido por suas bandidagens, que tinha a seu dispor um grande grupo de criminosos compatriotas, brasileiros, argentinos e até mesmo imigrantes (documenta-se a existência de um espanhol canário no seu bando). Tinham por preferência o ataque a fazendas e estâncias para saque e roubo, e usavam de muita brutalidade nos seus crimes. Não importava se se tratava de mulheres, crianças ou meros escravos domésticos. Eram também desafiadores às autoridades de ambos os países, pois não raro chegavam a cometer atentados contra forças policiais. O próprio Amarillo tentou matar com uma punhalada o comissário de polícia de Taquarembó, Bonifácio Tapudo, em janeiro de 1874. Outro crime de grande repercussão e ousadia foi o latrocínio de Mariano Alavés, rico comerciante estabelecido nas proximidades de Rivera, em maio de 1874. 

Ziguezagueando de um lado e de outro da fronteira, há um detalhe ímpar que explica possivelmente o revés da quadrilha em julho de 1874. Ao atacarem uma propriedade rural em Livramento, o bando foi surpreendido, perdendo tempo suficiente de se escapar da perseguição da polícia, por causa de um cerco de arame.  O fato é que a cerca de arame não era algo comum no Pampa. Nesta época, ela ainda era cara e estava sendo muito gradualmente introduzida. As fazendas e estâncias no Rio Grande do Sul tinham limites marcados desde o século XVIII por meio de valos, monteiros de terra, ou se valendo de barreiras naturais, como córregos, capões de mato ou aglomerações rochosas. Possivelmente, acostumados a andarem e cavalgarem livremente de uma propriedade à outra devido a essas condições, teriam ficados presos com os novos aramados que começavam a principiar nos campos.

Na dita "Coxilha dos Medeiros", onde aconteceu o fato narrado, a circunstância absolutamente nova aos bandoleiros foi o atestado de óbito de muitos deles. Acuados, ficaram confinados entre a polícia e o aramado e, tentando energicamente resistir, foram massacrados. Três sobreviventes, dentre eles o próprio Amarillo conseguiram escapar. Os demais pereceram do grupo de aproximadamente doze indivíduos.

Desde então não se ouviu falar mais de Amarillo em terras brasileiras, porém há registros que ele foi morto numa pendenga particular no próprio Uruguay. Embora solidária na ação de muitos crimes, a bandidagem da época (tal como hoje) era mais leal aos próprios interesses do que a vaga ideia de uma irmandade meliante.
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