sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Zola Amaro


Por Waldemar Coufal (1944)

"Condigna sucessora de uma grande voz de um passado glorioso - que foi a Baronesa do Sobral, amadora para quem Carlos Gomes ouvindo-a na balada do Guarani escreveu uma cadência especial - Zola Amaro, cantora de vocação e coração, já aos 14 anos fazia em Pelotas a sua inesquecível 'Verônica' na 'Procissão do Senhor Morto', dias antes de seu matrimônio. Depois vêm os filhos, e sua voz de ouro ecoa no recinto do lar, em cantigas de ninar; mas aos poucos aparece nas grandes festas sociais, como amadora sem rival. Sua residência torna-se um verdadeiro centro de cultura musical onde são recebidos os 'astros' da cena lírica que chegam a Pelotas. Amelita Galli-Curci e Lázaro, o célebre tenor, atuam em 1915 no veterano Sete de Abril. Recepcionados pela soprano pelotense na hora da arte que então se realizou, cantam, cantando também Zola Amaro, que ouve de Galli-Curci a seguinte frase: 'A senhora será a maior 'Norma' do mundo!' Palavras proféticas.

Como sabem com orgulho os brasileiros, Zola Amaro cantou, depois, no apogeu de sua carreira a 'Norma' na pátria do imortal autor Bellini, em sua própria cidade natal, Catânia, por ocasião do centenário dêsse gênio da música. 'Essas récitas de 'Norma' marcaram uma data e uma lembrança na história do Anfiteatro Gangi', proclamou a crítica jornalística da época. 'Zola Amaro, que tem doçuras de fraseio e de inflexões, não menos louváveis que o ímpeto dramático que a investe, empolga, cantora e atriz na mais alta expressão da dignidade artística, convencendo e comovendo o público, o grande público ligado pela tradição ao culto de Vincenzo Bellini'. Não poderia confirmar-se melhor aquêle vaticínio feito à amadora pelotense. 

No entanto, para decidir-se sua carreira, uma personagem, ainda, devia ser ouvido, pois queriam dar-lhe o prestígio de resolver se a amadora devia se transformar em artista, fazendo ecoar a maviosa voz nos grandes palcos do mundo. Êsse personagem era Caruso. A seu encontro, seguiu Zola Amaro para Buenos Aires, acompanhada do espôso, com sua mãe e com seus filhos para saber da decisão sôbre seu futuro artístico. Fêz-se ouvir, e conta-se que Caruso apenas lhe disse: 'Como está nervosa! Quero ouvi-la novamente amanhã e quero trazer meu maestro para que a ouça também'. No dia seguinte Caruso exclama: 'Que lhe dizia, maestro?' E assim Caruso, o imortal, decidiu que o Brasil teria a sua primeira celebridade mundial na arte do canto, e o mundo conheceria uma das mais lindas e poderosas vozes da história da arte lírica.

Zola Amaro instala-se em Buenos Aires, onde - depois de haver-se iniciado em Pelotas com o maestro Bandeira e o barítono Gambini - começa verdadeiramente seus estudos com o eminente maestro Fatuo. Dois anos depois, é contratada pelo mais renomado empresário da época, Valter Mocchi (o mesmo que lançaria Bidú Sayão) fazendo estrear a soprano pelotense em Baía Blanca com 'Aida', de Verdi, uma de suas maiores interpretações. O sucesso é triunfal, o público delira, e das galerias se ouve: 'Usted es para cantar con Caruso!' Mocchi leva-a, então, para a Itália. Acompanham-na seu espôso e sua filha, de quem ela não queria se separar, e só depois de seus primeiros triunfos na Itália, viria a soprano brasileira cantar para seus patrícios, apresentada ainda por Valter Mocchi, em memoráveis temporadas no Municipal do Rio.

Zola Amaro cantou em Buenos Aires, no Rio de Janeiro, no 'Scala' de Milão, em Roma, em Veneza, Turim, Palermo, Catânia, Trieste, Pezaro, Florença, Bolonha, Udine, Haia, Rotterdam, Amsterdam. Cantou ao lado de Cláudia Muzzio, Gabriela Bezansoni, Gigli, Schipa. Cantou 'Norma', 'Aida', 'Gioconda', 'Don Carlos', 'Trovador', 'Cavalleria Rusticana', 'Tôsca', 'Sóror Angélica', 'Hernani', 'Baile de Máscara', 'Força do Destino', 'Condor', 'Guarani', além de outras óperas. Um de seus maiores triunfos foi no citado 'Festival de Bellini', ao ar livre, sob a regência de Toscanini.

No Rio, o consagrandíssimo crítico Guanabarino, qualificou-a de 'soprano absoluto', tal a prodigiosa extensão de seus registros vocais, realçada pela técnica de autêntico bel-canto, em que esplendiam sonoridades singulares, a par da sentida dramaticidade.

É pois, a mais legítima representante do musicismo pelotense que aqui estamos homenageando, Zola Amaro, aquela que há pouco cerrou os olhos em seu torrão natal, no anoitecer de um domingo do mês de Maria, para ressurgir na saudade eterna de seus conterrâneos."

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