sábado, 30 de novembro de 2019

Histórico do Município de Cascavel/PR


"Origem Histórica. O núcleo colonial que gerou o atual município de Cascavel foi fundado pelo guarapuavano José Silvério de Oliveira, em 1930. O lugar ficou sendo conhecido como Encruzilhada. No entanto, antes de 1920, residiam na localidade o caboclo Benedito Modesto e a índia Maria da Conceição. Em seguida fixaram-se famílias sulistas na região. Os primeiros a chegar foram os Bartnik, Wichoski, Galeski, Fardoski, Shumoski. Em 1921 se instalou o colono Antônio José Elias, acompanhado da família e grupo de parentes.

Em 1932 o núcleo apresenta vários ranchinhos de pinho lascado, coberto de tabuinhas. Nessa época chega Jacob Munhak e funciona a primeira escola, sendo professores Ozoredo Cordeiro de Jesus e as irmãs Genoveva e Estanislava Boiarski. O Monsenhor Guilherme Maria Thiletzek lança os fundamentos de uma igreja em 1934 e batiza a vila de Encruzilhada de Aparecida dos Portos.

Em 1943, o povoado passa a se chamar Guairacá, mas a vontade popular sempre pendeu para a denominação Cascavel. Segundo a crença popular, a denominação Cascavel remonta ao período da construção da estrada Colônia Mallet a Foz do Iguaçu, quando tropeiros faziam pouso às margens de um riacho (atual Rio Cascavel), certa noite ouviram o som de forte guizo de cobra cascavel, e após localizarem o réptil, o mataram. O local passou a ser chamado de 'Pouso da Cascavel' e emprestou seu nome ao riacho, e dentro de pouco tempo esta denominação percorria os mapas cartográficos estaduais e identificava a localidade.

Pela Lei no. 790, de 14 de novembro de 1951, foi criado o município de Cascavel, com território desmembrado de Foz do Iguaçu. A instalação deu-se à 14 de dezembro de 1952.

Segundo o pesquisador José Carlos Veiga Lopes, 'Cezar Prieto Martinez fez, mais ou menos em 1920, uma viagem ao oeste paranaense, publicado no jornal curitibano O Dia em 1923 e 1924 e no livro Sertões do Iguaçu, em 1925, onde diz: Fizemos boa marcha até o 'Cascavel'... Cascavel é um ponto de encontro da estrada para o porto de São Francisco. Tem apenas cinco casas no caminho. Em uma delas deixamos gasolina para a volta'. O Distrito Judiciário de Cascavel foi criado pela Lei 6.214, de 18/01/1938 e o Administrativo pela Lei 7.3737, de 20/10/1938."

Fonte: FERREIRA, João Carlos Vicente. Municípios paranaenses: origens e significados de seus nomes. Curitiba/PR: Secretaria de Estado da Cultura, 2006, pág. 79-80.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Um caso de escravidão em Itapetininga


"FACTO GRAVE

Escrevem, em 5 do corrente, de Itapetininga á Provincia de S. Paulo:

<<Aproveito a occasião para comunicar-lhe um facto horroroso que se deu hontem n'esta cidade: hontem, ás 7 horas da manhã, o fazendeiro Procopio de Mattos juntamente com um capanga de nome Salvador Romano vieram de Botucatú a esta cidade com o fim de levarem uma escrava de nome Francisca, que estava manutenida em sua liberdade, e encontrando a mesma preta na casa de Pedro Furriel, arrastaram-n'a, passando pelas ruas mais conccorridas da cidade e castigando-a barbaramente.

<<O povo indignou-se e foi no encalço dos mesmos, fazendo-lhes notar que não podiam levar a escrava que estava manutenida em sua liberdade e elles a isto respondiam arrancando pelas garruchas e dizendo que aquelle que se approximasse morreria; foi tal o tumulto, que a força publica foi obrigada a intervir afim de evitar algum conflicto e manter a força moral da autoridade judiciaria.

<<Procopio de Mattos a nada quiz attender, resistindo sempre, o que deu lugar a que o subdelegado Antonio Pereira Mestre lhe désse ordem de prisão, e então Procopio resistindo mandou que seu camarada fizesse fogo sobre os soldados; cumprindo este a ordem dada, matou o soldado de nome Affonso evadindo-se em seguida, sendo preso unicamente Procopio, que continuava a ameaçar a força com a garrucha engatilhada.

<<Ao entrar o preso na cidade quiz o povo esquartejal-o, gritando todos em altas vozes - que não estavam em Botucatú - ; n'esta occasião compareceu o dr. juiz municipal e aconselhou ao povo que confiasse na justiça e que se mostrassem dignos filhos de Itapetininga; acalmando-se os animos, foi o preso recolhido á cadêa."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 20 de Março de 1885, pág. 01, col. 03

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sotaques do Brasil


Vídeo muito interessante sobre os sotaques brasileiros e suas diferentes origens e variações. Disponível no canal da Superinteressante no YouTube.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Conde D'Eu em Santana do Livramento


"O SR. CONDE D'EU EM SANT'ANNA

O Mercantil de Sant'Anna do Livramento, em 17 do passado, assim noticia a recepção que ali teve o sr. conde d'Eu:

<<Chegou ante-hontem a esta cidade, procedente de Alegrete, s.a. o sr. conde d'Eu, acompanhado de sua comitiva.

<<S.a. teve um recebimento frio e puramente official.

<<Acha-se hospedado em casa do sr. Rafael Cabeda e consta-nos que no dia de sua chegada passára até ás 9 horas da noite sem comer, pelo que s.a. não deixou de dar um pequeno cavaco.

<<Nem era para menos: s.a. que havia passado o dia anterior muito mal, apanhando chuva e dormindo ao relento, chegar a esta cidade ao meio dia e passar até as 9 horas da noite sem encostar o estomago, que vinha magoado pelos balanços de seu coche, era mesmo uma crueldade, uns apuros que nem mesmo na guerra do Paraguay s.a. talvez passasse iguaes.

<<É uma recordação indelevel que s.a. levará de Sant'Anna, conjunctamente com o recebimento acanhado que teve.>>"

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 09 de Março de 1885, pág. 02, col. 01

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Histórico do Município de Nova Roma do Sul/RS


"O início de Nova Roma do Sul aconteceu a partir de 1880 quando mais de 200 famílias de eslavos, poloneses, suecos e russos, instalaram-se na região. Em 1888, chegaram os imigrantes italianos, denominando o lugar em homenagem a capital italiana Roma.

Desde que se emancipou, o aspecto cultural, seja no ensino escolar, promoção de cursos e eventos, é uma preocupação constante do Município, surgindo assim: A Semana da Poesia e La Prima Vendemmia, entre outros.

Os caminhos que levam a Nova Roma do Sul são emoldurados por vales, rios e cascatas. A natureza exuberante e ainda intacta é nosso maior tesouro. O cheiro de mato, a romântica travessia de balsa sobre o Rio das Antas, o ar puro da serra e sua inigualável culinária de dar água na boca, soma-se à hospitalidade e a poesia, fazendo a alegria e o prazer de quem vive neste pedacinho de céu.

LOCALIZAÇÃO

Encosta Superior do Nordeste/RS - 'Serra Gaúcha'

Vias de acesso:

Norte - Antônio Prado

Leste - Nova Pádua (travessia de balsa)

Oeste - Vila Flores, Veranópolis

Área - 147 km2

Altitude - 750 m

População - 3099 hab.

Distância da Capital - 165 km

Economia: Agropecuária, Suinocultura, Avicultura, Agricultura, Hortifrutigranjeiros, Fruticultura e Viticultura, Produção de Cebolas, Móveis e Esquadrias, Artefatos de Couro, Escovas e Pincéis."

Fonte: ATLÂNTICO (RS), 26 de Outubro de 1998, pág. 04

domingo, 24 de novembro de 2019

Imigração Árabe no Brasil - Parte 01


"A Imigração Árabe para o Brasil inscreve-se entre aquelas que formaram os contingentes mais recentes, Clark S. Knowlton, um dos primeiros a estudar com profundidade o problema migratório árabe, notou os fluxos modestos ocorridos até 1895, cujo adensamento se daria a partir de 1903. Embora vindos de países ou regiões distintas como o Líbano, Síria, Turquia, Iraque, Egito ou Palestina, a união comum entre esses povos acontecia através da língua ou dos dialetos derivados do árabe. Dessa forma, não se pode falar de uma imigração de um país localizado para o Brasil, como no caso de portugueses ou italianos, mas sim povos com diferentes organizações políticas e um fundamento comum na língua e práticas culturais.

Alguns autores, como Heliana Prudente Nunes, localizam a origem da imigração na chegada ao Brasil de Youssef Moussa, em 1880, originário da aldeia de Miziara, norte do Líbano. Outros pesquisadores, como Jorge S. Safady, remontam esse pioneirismo a chegada dos irmãos Zacarias, no Rio de Janeiro, em 1874, ou mesmo identificam um remoto Antun Elias Lupos, libanês de grandes propriedades naquela cidade, que teria oferecido em 1808 uma quinta em São Cristóvão para moradia de D. João VI, depois transformada no Paço Imperial de São Cristóvão. Seja qual for o marco inicial, ideia de resto pouco significativa para a compreensão do fenômeno, sua importância reside em apontar para a contemporaneidade do processo migratório.

O problema religioso é um dos pilares para a compreensão da corrente migratória árabe. No Império Otomano de fé islâmica, as comunidades cristãs da Síria, Líbano e Egito sofreram perseguições e os autores mais ligados à panegírica da colonização árabe sempre fizeram questão de destacar os sofrimentos passados nos mãos dos turcos. São citados como fatos importantes o massacre de 1860, a extensão do serviço militar obrigatório aos cristãos em 1909, ou a condição de cidadãos de segunda classe dentro do Império. Em Beirute e Trípoli, os cristãos não podiam andar nas calçadas, sendo frequentemente molestados pelos muçulmanos.

O maior contingente de imigrantes portanto é de cristãos, vindos em grande parte do Líbano e da Síria, sendo bem menores as levas saídas de outros pontos do antigo Império Otomano como Turquia, Palestina, Egito, Jordânia e Iraque. Entre 1871 e 1900 apenas 5400 pessoas tinham aportado no Brasil. Até 1892 todos os imigrantes recebiam passaportes turcos, o que para maioria síria e libanesa cristã era uma desqualificação pois os identificavam com o opressor muçulmano. Depois dessa data, os sírios passaram a ter um estatuto próprio, embora o Líbano fizesse parte da Síria até a Primeira Guerra Mundial, quando as grandes potências ocidentais vitoriosas fragmentaram o Império Otomano, que tinha tomado, durante a conflagração, o partido da derrotada Alemanha.

O cristianismo oriental divide-se em quatro grupos: os Maronitas, predominante no Líbano; a Igreja Ortodoxa, presente no Líbano e em maior número na Síria, porém com grande penetração no mundo eslavo; os Melquitas, na Síria, Palestina e Egito e os Coptas, no Egito. Em termos gerais, os Maronitas têm como chefe espiritual o Patriarca de Antióquia, lêem a Bíblia em árabe e estão em união estreita com o Igreja Católica Romana, pois o Patriarca é confirmado por Roma. Os Melquitas estão sujeitos ao Patriarca de Antióquia, estão vinculadas à Santa Sé, mas seguem o ritual bizantino. Os Ortodoxos crêem conservar a doutrina e o ritual dos Apóstolos, daí a denominação, não possuem um Papa nem outra autoridade suprema, mas uma federação de igreja autônomas, que celebram o culto em sua própria língua e costumes. Os Coptas, por fim, acreditam somente na divindade de Cristo, recusando a sua humanidade. Sua linguagem com maiúsculas gregas, sendo uma 'língua morta' só usada em caráter religioso. O chefe espiritual é o Patriarca de Alexandria. Essas diferenças religiosas, presentes em algum grau em 95% dos imigrantes árabes, foram transplantados para o Brasil, tornando-se uma das características da colônia. Vale ressaltar que o grupo islâmico que imigrou sempre foi menor, sendo o número de árabes protestantes pouco significativo.

Um segundo fator importante para a saída de sírios e libaneses das regiões de origem, assinalado por Oswaldo Truzzi, foi a estrutura agrária. A propriedade de pequenos lotes de terra arável, onde o trabalho era feito pelo núcleo familiar, começou a sofrer limites para a partilha entre os filhos, já que o parcelamento chegara ao ponto de não mais suprir o sustento das novas famílias formadas. Diante desta realidade, iniciou-se a emigração. A condição de pequenos proprietários nos seus países de origem também teve reflexos nas escolhas profissionais que fariam no Brasil.

A viagem para a América tinha como ponto de partida os portos de Beirute e Trípoli. Por meio de agências de navegação francesa, italiana ou grega, dirigiram-se para outros portos do Mediterrâneo como Gênova, na Itália, onde às vezes esperavam meses por uma conexão que os levassem para o Atlântico Norte ou Sul (Rio, Santos ou Buenos Aires). Muitos imigrantes com o objetivo de chegarem aos Estados Unidos, destino principal da imigração árabe, acabavam vindo para o Brasil ou Argentina enganados pelas companhias de navegação. Afinal, explicavam, tudo era América. A imigração para os Estados Unidos começou na mesma época, a década de 80 do século passado, acreditando-se que atualmente haja entre 1 e 2 milhões de americanos de origem árabe vivendo naquele país.

Desembarcados no Rio ou em Santos, a opção de trabalho das primeiras levas dirigiu-se ao comércio. O objetivo da maioria dos jovens solteiros era fazer algum capital para poder voltar à aldeia natal. Embora pobres e, em geral, afeitos ao trabalho agrícola, o sistema da grande propriedade era um entrave para o estabelecimento no campo. Poucos foram os árabes que após o desembarque dirigiram-se para a agricultura, havendo histórias de famílias nas quais isso ocorreu após formarem um pequeno capital no comércio, facilitando a compra de fazendas. Além do mais, as condições de trabalho na lavoura tinham horrorizado a muitos. A miséria da população rural e o sistema de compra vinculado ao proprietário da terra fizeram com que muitos repelissem a possibilidade de se ocuparem na agricultura. Zuleika Alvim, citando P. Colbacchini, lembrou o desapontamento de muitos imigrantes italianos com as condições de vida na grande propriedade cafeeira: 'Distante da casa do fazendeiro se estende uma fileira de casinhas, normalmente construídas com barro e cobertas de palha, minúsculas para o número de pessoas que devem abrigar e com portas assinaladas por números progressivos, porque, de agora em diante, cada família, mais do que pelo número da casa onde mora [...]'. Os japoneses, ainda segundo esta mesma autora, chegando '[...] às fazendas, ficavam à mercê dos donos das vendas', onde tinham que comprar mantimentos com os quais era difícil recriar o universo alimentar a que estavam acostumados. Compravam carne-seca e bacalhau que, na falta de quem os ensinasse o preparo, eram comidos assados. Desse modo, não é de estranhar que Knowlton tenha apontado para casos de fuga de trabalhadores árabes do campo para a cidade.

O grosso da imigração dirigiu-se para São Paulo e Rio de Janeiro, localizando-se núcleos menores em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Até 1920, mais de 58 mil imigrantes tinham entrado no Brasil, sendo que o Estado de São Paulo recebeu 40% do total.

Segundo Truzzi, na cidade de São Paulo, em 1934, eles se concentravam nos Distritos da Sé e Santa Ifigênia, ou seja, entre as ruas 25 de Março, da Cantareira e Avenida do Estado; no Rio de Janeiro, um processo semelhante ocorreu com um número significativo de comerciantes instalados nas ruas da Alfândega, José Maurício e Buenos Aires.

A eleição da rua 25 de Março como pólo de atração é melhor conhecida. Em 1893 já há referências a casas de comércio, sendo que 90% dos mascates eram sírios e libaneses. Em 1901, já eram mais de 500 casas comerciais na região. Seis anos depois, um levantamento indicou que de 315 firmas de sírios e libaneses, 80% eram lojas de tecido a varejo e armarinhos. A eclosão da Primeira Guerra Mundial aumentou os lucros do comércio e da indústria com a interrupção da importação dos produtos europeus.

No Rio de Janeiro, o processo de instalação do comércio árabe na área atualmente conhecida como 'Saara' vem sendo pesquisado por Paula Ribeiro. Com a abertura da avenida Presidente Vargas na década de 40, muitos comerciantes foram obrigados a abandonar o quadrilátero próximo à praça da República, mudando-se para a Tijuca. Como na rua 25 de Março, em São Paulo, o comércio da rua da Alfândega é conhecido pelo caráter popular. Em 1962, foi fundada a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega - SAARA, cuja sigla serviu como uma luva para o tipo de comerciante ali estabelecido. O trabalho de mascate pelo qual muitos começaram no comércio já era exercido anteriormente por imigrantes portugueses e italianos, tanto em São Paulo como no Rio. Mas a mascateação que se tornaria uma marca registrada da imigração árabe, foi completamente alterada pelos recém-chegados. Knowlton faz menção ao trabalho inicial com miudezas e bijuterias (terços e joias), expandida com o tempo e o acúmulo de capital para tecidos, armarinhos, lençóis, roupas prontas, artigos que pudessem ser vendidos em lugares isolados ou nos vilarejos, sendo transportados dentro de uma mala ou em baús. O ideal era que cada mascate levasse nas viagens o máximo de artigos que pudesse carregar, citando-se casos em que alguns chegaram a levar 80 quilos de mercadorias.

Para as populações interioranas, principalmente nas fazendas onde vigorava o sistema de compra vinculado ao proprietário, os mascates eram bem-vindos por fornecerem uma alternativa vantajosa em termos de qualidade e preço. Conforme acumulavam os ganhos, os mascates podiam contratar um ajudante ou comprar uma carroça. O passo seguinte era o estabelecimento de uma casa comercial urbana que podia permanecer no varejo ou evoluir para o atacado. O último grande passo era a indústria.

Truzzi destacou o sucesso do comércio da colônia sírio e libanesa como baseada no relacionamento dos agentes envolvidos nos negócios. Os elos eram montados dentro de uma cadeia que começava na chamada e recepção de novos imigrantes, passando por mecanismos de concessão de crédito e mercadorias, acompanhamento dos negócios, até o assentamento do mascate como varejista, atacadista ou industrial, dentro de uma linha de complementaridade de interesses. Entre os decênios de 1940 e 1950 notou que no Estado de São Paulo, embora o número de comerciantes varejistas tivesse caído, o atacado tinha quase dobrado e, os industriais, quintuplicado, mostrando a pujança do capital acumulado, passando do pequeno comércio para posições mais vantajosas na produção e circulação de mercadorias.

Esse mesmo autor, ao contrário de muitos outros que passam com amargor pelo termo pejorativo do 'turco da prestação' surgido com o mascate, destacou a revolução nas práticas comerciais implantadas pelos sírios e libaneses, considerando-os inclusive como criadores do 'comércio popular' no Brasil. Enquanto os mascates portugueses eram muito rígidos nos seus negócios, os italianos foram paulatinamente sendo expulsos pelas novidades trazidas pela concorrência. As inovações apresentadas pelos árabe na mascateação e no comércio varejista encontravam-se na redefinição das condições de lucro, alta rotatividade e alta quantidade de mercadorias vendidas, promoções e liquidações e o interesse pelo consumidor."

Fonte: MOTT, Maria Lúcia. Imigração Árabe: um certo oriente no Brasil. IN: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro/RJ: IBGE, 2007, pág. 179-187

sábado, 23 de novembro de 2019

A escravidão indígena e a escravidão africana no Brasil


"No século XVI, a colonização da América portuguesa foi totalmente dependente da escravidão indígena. Apenas no século XVII a escravidão africana se impôs como a principal forma de exploração do trabalho. Como explicar essa mudança?

Três importantes historiadores procuraram responder a essa pergunta e chegaram a diferentes conclusões. Vale a pena conhecê-las, pois é assim que se desenvolve o processo de produção do conhecimento.

Fernando Novais considera que o tráfico atlântico se tornou um eixo da acumulação mercantilista europeia. Assim, os interesses metropolitanos no tráfico teriam sido fundamentais para a substituição da mão de obra indígena pela africana, enquanto a escravização de indígenas seria uma atividade pouco controlada pela coroa portuguesa.

Visão diferente é apresentada por Luiz Felipe de Alencastro. Para ele, a incapacidade de se estabelecer regularmente o comércio de escravos indígenas no Brasil foi ocasionada, entre outros motivos, pela escassez de capital, pelas dificuldades no transporte terrestre e pela falta de interesse de grupos mercantis e da coroa portuguesa. A íntima ligação que se estabeleceu entre Brasil e Angola no século XVII, via tráfico atlântico, tornou a utilização da mão de obra escrava africana muito mais vantajosa e adequada aos interesses de vários grupos que participaram da expansão do Império português no Atlântico. Além dos senhores de engenho brasileiros, dos traficantes e dos colonos em Angola, destacam-se os jesuítas, cujos interesses econômicos e políticos no Brasil e na África os impeliram a justificar a escravização de africanos para assegurar a liberdade dos indígenas.

Stuart Schwartz propôs uma visão mais diversificada para o processo. Para ele, uma combinação de declínio demográfico indígena, mudança nos níveis de oferta e preços dos escravos indígenas e africanos, a percepção, por parte dos senhores, de uma maior produtividade e habilidade dos africanos para realizar tarefas específicas, além da eficiência cada vez maior do tráfico atlântico, explicariam a substituição.

Entretanto, é sempre bom lembrar que a mão de obra indígena não deixou de estar presente em várias regiões do Brasil ao longo do período da escravidão africana."

Fonte: ABREU, Martha; DANTAS, Carolina Vianna; MATTOS, Hebe (orgs.). O negro no Brasil: trajetórias e lutas em dez aulas de História. Rio de Janeiro/RJ: Objetiva, 2012, pág. 17-19.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O treme-treme na Bahia


"Refere o Diario de Noticias, da Bahia, em seu numero de 9 do passado:

<<Os leitores conhecem perfeitamente a tal molestia que ha tempos para cá tem perseguido a nossa classe pobre e chamada dança de S. Guido, caruára, treme-treme ou que melhor nome tenha.

<<Pois bem: na quinta-feira ultima, dia da lavagem da igreja do Rio Vermelho, foram acommettidas pela tal, em um abrir e fechar de olhos, nada menos de 32 pessoas!

<<E então?

<<Em que ficaram os taes estudos e as taes providencias sobre o treme-treme?>>"

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 07 de Março de 1885, pág. 02, col. 01

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Thomas Cochrane


"Thomas Cochrane influenciou a História pelo desempenho de amplas realizações. Ele se destacou na Marinha inglesa, na qual introduziu inovações na área da propulsão naval que modificariam os rumos do poder marítimo. Além disso, aproveitando uma fase em que estava afastado do serviço, cooperou no movimento pela independência no Chile, Peru, no Brasil e na Grécia. Finalmente, seus trabalhos sobre guerra química fizeram deles um gênio para alguns e um excêntrico para outros, pois são seus os primeiros planos concretos que conduziriam aos ataques com gás na Primeira Guerra Mundial.

Após o nascimento, ocorrido em 1775, em Anesfield, Lanarkshire, ele sofreu a influência do pai, que empobrecera a família com suas experiências científicas, e do tio, um oficial naval. Aos 17 anos entrou para a Marinha como aspirante e em 1800 atingiu o posto de tenente no comando do brigue da Marinha Real Speedy. Com este navio ele fez mais de 50 presas, inclusive a fragata espanhola El Gumo, em 1801.

Sua coragem pessoal e capacidade fizeram-no merecedor do respeito dos subordinados e do louvor do público inglês, mas seu idealismo e sua franqueza provocaram a ira dos superiores e a desconfiança do Almirantado. Em abril de 1809, ele comandou uma série de vitoriosos ataques com navios incendiários contra os franceses em Aix Roads, perto de Brest, mas suas críticas ao comandante da frota por não aproveitar o êxito levaram-no à corte marcial.

Também acabou prejudicando sua carreira militar, com sua eleição, em 1807, para o Parlamento, onde protestou contra o que considerava má administração da Marinha. Por volta de 1814 já granjeara inimigos na Marinha e no Governo, que o detestavam o suficiente para levá-lo a julgamento por fraudes na bolsa de valores. O júri o condenou, embora inocente; expulsou-o da Marinha e cassou seu mandato no Parlamento. Na década seguinte, ele emprestou seus conhecimentos navais a causa revolucionárias. Em maio de 1817 aceitou uma oferta para comandar a Marinha chilena na guerra da independência contra a Espanha. Com uma campanha de bloqueios navais, bombardeios de instalações litorâneas e incursões para desembarque de pequenos grupos, por volta de 1820, ele destruiu o domínio naval espanhol em águas chilenas. No ano seguinte, conduziu seus navios para o Norte, para ajudar José de San Martín a libertar o Peru.

Cochrane permaneceu no Chile como herói do recém-libertado país até, como de hábito, entrar em discussão com o Governo e ficar desencantado com a paz que ajudara a conquistar. Em 1823, novamente assumiu o comando de uma Marinha rebelde, dessa vez no Brasil contra Portugal. Com apenas duas fragatas, fustigou a frota portuguesa de 60 transportes e 13 navios de guerra, ajudando vários e impedindo outros de entrar no porto no Maranhão, para reparos e ressuprimento. Isso obrigou a frota a retornar a Portugal, assegurando a vitória dos brasileiros na guerra pela independência.

Mais uma vez ele se mostrou incapaz de manter bom relacionamento com os superiores, depois do final das hostilidades. Em 1825, aceitou o comando da nascente Marinha grega, mas não conseguiu reunir apoio suficiente do Governo para lançar uma frota de alguma expressão. Frustado, voltou à Inglaterra e, em 1829, limpou seu nome das acusações de fraude. Depois de muitos questionamentos, obteve o perdão do rei e a reincorporação na Marinha Real, em 1832.

Um tanto quanto abrandado pela idade, ele deu seu melhor com seus superiores quando comandou as estações navais americana e das Índias Orientais de 1848 a 1851, sendo promovido a almirante. Nessa época, tornou-se ardoroso defensor da propulsão a vapor e a hélice, empregando caldeiras tubulares, inovações que passou a experimentar pelo restante de sua longa vida. Morreu em Londres, em 30 de outubro de 1860, aos 85 anos."

Fonte: LANNING, Michael Lee. Líderes e Pensadores Militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1999, pág. 415-417.


terça-feira, 19 de novembro de 2019

Histórias Curiosas LXXV

"Construção pelo método barato

A torcida do Brasil de Pelotas - quinto clube gaúcho na Copa Brasil - é uma das mais pobres e humildes do país, mas também uma das mais fiéis e fanáticas. Os exemplos são dados em todos os jogos, quando o clube consegue grandes arrecadações. Nas promoções, os torcedores também não deixam de colaborar. Um fato, tornado público nos últimos dias, revela o grau de fidelidade e fanatismo dos torcedores. Dois meses antes do início da Copa Brasil, os torcedores foram chamados para ajudar o clube na reconstrução do Estádio Bento Freitas. Muitos colaboraram, trabalhando durante as noites no estádio porque de dia precisavam cumprir com suas obrigações habituais. Porém, nem sempre encontravam material para o serviço e tomaram uma decisão: visitar outras obras da cidade para arrecadar material. Só que não se preocuparam em pedir cimento, tijolos, cascalhos e areia, aos donos. Iam lá e pegavam tudo, sem cerimônias.

Mas quando os roubos foram descobertos, nada mais restava a fazer. O estádio já estava praticamente pronto. Não há dúvida que se trata de um método econômico."

Fonte: MANCHETE ESPORTIVA (Rio de Janeiro/RJ), edição 028, 25 de Abril de 1978, pág. 23

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Os facínoras do Rio Purus


"OS FACCINOROSOS DO RIO PURÚS

O Amazonas diz o seguinte sobre os criminosos que desciam, a bordo de uma esquadrilha de vapores, em demanda de Manáos, devendo a maior parte seguir para Belém e Fortaleza:

<<Emquanto a canhoneira Affonso Celso vai subindo o rio Purús, os vapores Japurá, Caquetá, Conde d'Eu, Acará, D. Pedro II, Augusto, Paumary e outros vem descendo, conduzindo entre os passageiros, diversas féras humanas para esta capital, Belém e Fortaleza.

<<Assim é que no Caquetá veio o assassino de José Puerte e passou para o Pará.

<<Não ha quem no Alto Acre não saiba os pormenores d'aquelle crime, pois o homicida, não satisfeito com o sangue da sua victima, apoderou-se da sua esposa, ainda afflicta e dolorosa, prendeu-lhe os pulsos com pesada corrente, ameaçou matal-a como fizera ao marido, e, amedrontada, conseguio trazel-a escravisada muito tempo.

<<Para avaliar-se a quanto sóbe a perversidade d'essa faccinora, basta relatar mais o seguinte facto:

<<Tinha, como escravo seu, a um pobre indio, e, querendo mostrar que nas suas veias gira sangue dos Cortezes, amarrou-o e n'esse estado lhe cortou os pés com uma navalha e com um tiro de rifle o matou!!

<<No Japurá veio o afamado Leonel, caçador de indios, e desceu para o Pará, lugar de seu nascimento.

<<Esse tigre das florestas do Purús tem por companheiros das suas carnificinas o assassino de Puerte e mais um outro individuo do Ceruiny.

<<No Apurinã veio tambem outra féra, com passagem para o Pará.

<<Esse individuo fez parte da comitiva que atacou no Acre, a tiros de rifles, a lancha a vapor de Getulio Orlando de Paiva.

<<N'esse affluente do Purús tem commettido esse monstro diversos assassinatos.

<<No Acará passou para o Pará outro assassino.

<<No Purús deu-se o facto de sahir uma comitiva, da qual fez elle parte, com o fim de tomar de João Cassiano dois indios, e n'essa occasião foi morto um da comitiva. A autoridade policial, tendo conhecimento do facto, procedeu a corpo de delicto e reconheceu os verdadeiros criminosos, mas tudo ficou no archivo da policia!

<<Assim como estes, têm vindo outros assassinos, que aqui visitaram todas as autoridades e até andaram de braços dados com a policia pelas ruas e praças da cidade!

<<Quando remettidos para a cadêa, não lhe faltam aqui advogados, para pôl-os salvos, limpos e puros de pena e culpa, com ordem de habeas corpus!

<<Tal é presentemente o castigo dos máos.>>

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 25 de Fevereiro de 1885, pág. 02, col. 03

domingo, 17 de novembro de 2019

Almas do outro mundo...


"Almas do outro mundo

Começam de novo os jornaes do Rio a noticiar o reapparecimento ali das engraçadas almas do outro mundo, que agora, parece, estão fazendo do cemiterio de S. Francisco de Paula o seu quartel general.

O Diario de Noticias assim refere-se ao facto:

'Ás 2 horas da madrugada de hontem, o sr. tenente Maceió, com praças da 13a. estação policial, marchou para os lados da rua do Itapirú, de onde se ouviam continuados apitos de soccorro.

Perto do cemiterio de S. Francisco de Paula verificou o official que os apitos partiram d'esse lugar, respondendo de continuo aos que de fóra soavam.

Por mais que se investigasse, nada se pôde colher do extranho apitar. Cercado o cemiterio, viram as praças, como por encanto, ás 3 horas da manhã, cair perto do portão central um grande embrulho, contendo uma vela de cera, de um metro de comprimento, um gallo-capão vivo, envolvido em roupas de criança, um chifre de veado, uma oração de S. Marcos e um esqueleto de gato.

A subdelegacia da freguezia do Espirito Santo abriu inquerito sobre o caso extranho.

- Nada tem podido colher, ácerca do extranho acontecimento do cemiterio de S. Francisco de Paula, o subdelegado da freguezia do Espirito Santo.

A despeito de toda a sua actividade, dos muitos interrogatorios já feitos, cousa alguma pôde adiantar ao que foi dito.

Procurámos o sr. José João da Costa, ex-empregado do cemiterio e actualmente estabelecido com armazem de seccos e molhados na rua do Engenho de Dentro, o qual nos relatou o seguinte:

'Que esteve durante muitos annos empregado n'aquella casa mortuaria, e que, apesar de incredulo em cousas de almas de outro mundo, foi forçado a acreditar que estas aproveitam a noite para andar pelas estreitas ruas do cemiterio e até acredita que d'ahi saem, voltando antes de amanhecer o dia.

Quando a alguns jornaes de ante-hontem, nos disse elle, não me espantou terem havido apitos no interior do cemiterio; mais de uma vez os escutei, tendo até certa noite podido certificar-me do lugar de onde saiam os sons.

Marcou bem; era proximo a um mausoléo de um barão; pelo menos na pedra mar norte tinha uma corôa.

Eram 2 horas da madrugada; achando-me deitado, levantei-me sobresaltado com pancadas na janella do aposento a mim destinado e a outros companheiros, do outro lado da casa do administrador.

Abri a janella levemente e vi duas praças, que rondavam as immediações, dizendo que, si não abrissem, mettiam a janella dentro.

Com a consciencia tranquilla, de quem não commette crime algum, perguntei-lhes o que desejavam, e antes que tivessem acabado de perguntar me a causa dos gritos e apitos no cemiterio, ouviram-se dois gritos mais, um após outro, como que saídos da garganta de uma mulher afflicta, e logo em seguida alguns apitos.

Corria a bater na porta do alojamento do administrador e, como este não abrisse, franqueei a entrada ás praças, que se mostravam soffregas de saber o motivo dos gritos e apitos e dispostas a bater o cemiterio. 

Lancei mão de um lampeão e, com os soldados, que haviam desembainhado as espadas, puzemo-nos a caminho.

Já estavamos desanimados das nossas investigações, quando do lugar da sepultura da corôa ouvimos um grito abafado e como que um vulto; corremos então ao ponto designado e nada vimos, parecendo-me comtudo ouvir um baruho, semelhante ao pousar de uma lage.

Olhei estupefacto para todos os lados e depois, perguntando ás praças si nada tinham percebido, responderam-me negativamente.

Fiquei indeciso si seria allucinação minha e por isso procurei esquecer o original movimento.

Nada mais nos cumpria fazer, deixando me as praças já quasi de madrugada.'

Outros successos não menos excentricos e curiosos nos contou o sr. Costa, que reservamos para depois."


Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 13 de Julho de 1892, pág. 02, col. 03

sábado, 16 de novembro de 2019

História do Teatro em Pelotas


"7 de Abril de 1831 foi a data em que o Imperador Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro, ocorrência que para alguns pensadores constituiu o último e decisivo acontecimento que, começando pelo Dia do Fico (9 de janeiro de 1822), passando pelo chamado Grito do Ipiranga, pela capitulação dos portugueses na Bahia (2 de julho de 1823) e pelo reconhecimento da Independência, por parte de Portugal em 1825, tornou finalmente efetiva a nossa separação de Portugal. Pois bem. Desse histórico 7 de Abril restam hoje apenas dois testemunhos 'vivos': o Hino Nacional Brasileiro e o nome do Teatro Sete de Abril, de Pelotas, cidade que se orgulha de possuir a mais antiga casa de espetáculos do Brasil em funcionamento ininterrupto.

O projeto do prédio foi da lavra do engenheiro alemão Eduardo von Kretschmar; e a construção, de José Vieira Viana. A revista O Ostensor, da Corte, classificou sua arquitetura exterior de 'elegante e regular', esclarecendo entre outras descrições que a planta interior continha três ordens de camarotes, em número de sessenta, e trinta bancadas na platéia.

A inauguração desse teatro, a 2 de dezembro de 1833, não foi, todavia, o ponto inicial das atividades cênicas na Princesa do Sul.

Segundo Paulo Duval, antes dessa data já se faziam representações em recinto fechado naquela freguesia de aproximadamente três mil habitantes, pelo menos desde 1832. Com efeito, cita ele palavras de Domingos José de Almeida, relativa às festas lá realizadas a 15 de outubro de 1822, festejando a Independência política do Brasil: 'Outra alguma festividade celebrada de então a hoje, em dita cidade, a excedeu em pompa e concorrência, à exceção da de 7 de Abril que a ela se aproximava e na qual também me coube parte especial pela cessão de um armazém em poucos dias convertido em um Teatro e precursor do que hoje existe, por eu não assentir que suas portas fossem fechadas a alguém (...). Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, 1928. 1o. e 2o. trimestres'. Esse prédio adaptado era então chamado de Teatro Pelotense.

Em Pelotas, cidade que rapidamente prosperou por força de suas opulentas charqueadas, já se praticava o teatro ao iniciar-se a Regência (1831), ainda que a localidade não dispusesse de prédio específico. O atual Teatro Sete de Abril foi inaugurado a 2 de dezembro de 1833. Antes dele, porém, funcionou um Teatro Sete de Setembro, fundado a 12 de abril de 1832, cujas atividades talvez tenham-se desenvolvido em sala adaptada. O Noticiador, da vizinha cidade do Rio Grande, em edição de 19 de setembro de 1833, registrou que essa entidade apresentara, no dia 7 daquele mês, um programa que incluía o drama Patriotismo; e no dia seguinte, a peça Beneméritos da pátria e o entremez Astúcias do gafanhoto.

Nessa mesma noite, noutro local, a Sociedade Sete de Abril oferecia um espetáculo com o drama A escrava de Mariamburgo (sic) e o entremez Corcunda por amor. E na noite de 9 de setembro, no colégio dirigido por João Pedro Ladislau de Figueiredo, os estudantes agrupados na Sociedade Patriótica dos Jovens Brasileiros levaram à ribalta do teatrinho do colégio o drama O patriotismo e a farsa  O casamento por gazeta (O Noticiador, 16 de setembro de 1833).

Outra promoção da Sociedade do Teatro Sete de Abril consistiu na apresentação, a 7 de abril de 1832, em local não especificado, do drama Patriotismo e gratidão, seguido do entremez Irmão sagaz. Festeja-se então o primeiro aniversário da abdicação de Dom Pedro I.

Inaugurado o seu prédio, tal Sociedade passou a monopolizar as atividades cênicas da próspera comuna, de modo que o Teatro Sete de Setembro deixou de funcionar já em 1835. No ano anterior, o viajante francês Arsène Isabelle (1807-1888) expressou seu parecer de que em Pelotas 'há um teatro muito bonito, realmente elegante e cômodo'. E em 1869 o visitante A. Augusto de Pinho assim o descrevia: 'Teatro Sete de Abril, único do lugar, mas edifício vistoso, ornado de colunas no revestimento exterior; a sala dos espectadores é espaçosa e ornada com três ordens de camarotes; o palco está bem colocado e disposto; a pintura, tanto interna como externa, está, porém, muito estragada e a iluminação nas noites de espetáculo é insuportável'.

Guilherme Echenique compulsando e analisando os documentos que lhe chegaram aos olhos, já em nosso século, revela que o nome exato da associação que exigiu o vistoso prédio era Sociedade Cênica do Teatro Sete de Abril; que seus estatutos eram prolixos em suas 22 páginas manuscritas em papel almaço, seus 21 títulos e nada menos de 216 artigos; e deduz que a fundação da Sociedade precedeu a construção do teatro, cujo órgão executor foi uma Junta Fundadora do Teatro. Eram 210 os proprietários dos camarotes e/ou camarotes e/ou cadeiras, tendo 63 deles assinado os estatutos.

A Revolução Farroupilha paralisou, em certo momento, as funções no elegante prédio, o qual passou a servir de abrigo para os soldados do Império, conforme admite o historiador local Paulo Duval.

Já em 1854 foi João Caetano que com seu elenco se demorou por mais de um mês na Princesa do Sul (de 10 de Setembro a 14 de Outubro), oferecendo nove espetáculos com êxito absoluto. A estréia, a 13 daquele mês, se deu com A dama de Saint-Tropez, de Anicet Bourgeios e A. D'Ennery, não sem antes se trocarem derramadas amabilidades verbais: do artista fluminense ao Rio Grande do Sul, uma poesia de cerca de cem versos de Antônio José Domingues e um soneto, do Dr. Trigo de Loureiro, ao glorioso visitante. E ao final da estréia, as atrizes Gabriela da Cunha Vecchy e Josefina Miró viram-se quase mergulhadas num mar de flores naturais. Era primavera no Sul.

Nos dias seguintes eram gerais os encômios ao desempenho dos artistas da Corte. O periódico mais antigo da cidade, O Pelotense, conservou-nos a nominata de outros dramas montados nessa temporada: A gargalhada, de Jacques Arago; Dom César de BazánI, de Philipe Dumanoir e Adolphe D'Ennery; e A câmara da minha mulher. O empresário dessa tournée de João Caetano foi o infatigável dramaturgo rio-grandino Manuel José da Silva Bastos (1825-1861).

Em 1856, segundo O Noticiador, do Rio Grande (edição de 27 de agosto), a Companhia Dramática Provincial, de Porto Alegre, encenou, no mesmo Teatro, o drama O cigano e a comédia Os irmãos das almas, de Martins Pena. Em 1858, segundo a mesma fonte, a Companhia Dramática do Sul submeteu às luzes da ribalta o drama Nani, do brummer Carlos von Koseritz (Dessau, 1830 - Porto Alegre, 1890), e cuja ação se passa na remota antilha de São Domingos; bem como a comédia de Martins Pena, O diletante.

As notícias sobre as funções realizadas nos primeiros decênios da tradicional casa de espetáculos são muito raras, não só pela inexistência de uma imprensa local (até 7 de novembro de 1851, data em que surgiu O Pelotense), como ainda pelo lamentável extravio - tão generalizado em nosso país - dos livros de atas da associação proprietária e mantenedora do Teatro Sete de Abril, relativas aos anos de 1835 a 1868, conforme indica Guilherme Echenique.

A 'Princesa do Sul', uma vez inaugurado o seu fort joli théâtre (Arsène Isabelle) em 1833, entregou-se a uma estirada lua-de-mel, com arte dramática, música e outras manifestações de cultura, que iriam ultrapassar o século. Recursos financeiros não lhe faltavam, propiciados pela indústria saladeiril em apogeu que em certa época abatia anualmente quatrocentos mil bovinos em suas 35 charqueadas. Assim a aristocrática sociedade pelotense se permitia embelezar o noivo - o Teatro Sete de Abril - com reformas ou novos adereços; verbi gratia o novo pano de boca, pintado pelo desenhista e cenógrafo italiano Bernardo Grasseli em 1861; os belos lustres, os azulejos em relevo no salão de entrada, o piso de mármore preto e branco, os espelhos esculturados, o salão superior 'magnificamente alfaiado' que acolheram o Augusto Imperador e a Imperatriz Teresa Cristina em 1864. Cinco anos depois, reformas estatutárias determinaram a mudança do nome 'Sociedade Cênica Sete de Abril' para 'Associação Teatro Sete de Abril', além de trabalhos de remodelação, sob a direção de Pedro Peiruq, concluídos em 1872 e incluindo grades e colunas de ferro, pintura total e bancos para camarotes e platéias.

O livro de atas mais antigo que Guilherme Echenique conseguiu compulsar, arrancava de 1o. de agosto de 1869. Na primeira delas se lê o texto do novo Estatuto (o 2o.) e se registra o número de proprietários de camarotes (61) num total de 168 associados, entre os quais figurava dois barões, dez mulheres e duas firmas comerciais. Previam-se funções anuais em benefício da Santa Casa de Misericórdia, do Asilo de Órfãs Desvalidas e da Sociedade Portuguesa de Beneficência, além de espetáculos em favor da libertação de escravos. Essa Associação foi a principal promotora da constante atividade no Teatro Sete de Abril até o final da Monarquia e além dela. Nem mesmo a Guerra do Paraguai o paralisou, como afirma o Conde D'Eu o qual efetuou uma viagem militar ao Rio Grande do Sul em 1865: 'O teatro de Pelotas é o único na Província que se acha aberto, apesar da guerra'. No ano seguinte o Augusto Imperador aí assistiu à representação do drama O pai, por um grupo de amadores locais.

Alguns dos eventos mais notáveis vistos no Sete de Abril foram: em 1858, apresentação do drama Agiota, de Furtado Coelho, diretor e primeiro ator da companhia chamada Ginásio Dramático Rio-Grandense, da qual era empresário João Ferreira Bastos e que encenou a peça; em 1861, a organização pelo ator Antônio José Areias (Lisboa, 1819 - Rio de Janeiro, 1892) de uma companhia dramática especialmente para trabalhar naquela casa, com um elenco de treze atores ou atrizes, entre elas Rosina Augusta Ribeiro, donde o nome da empres 'Areias & Rosina'; em 1862, em temporada de Furtado Coelho, a presença da atriz Eugênia Câmara, ainda não noiva de Castro Alves; em 1871, as dezessete récitas da Companhia Dramática Simões com a estrela Lucinda Simões (e outras tantas em 1881); nesse último ano os catorze espetáculos proporcionados pela companhia italiana Cuniberti e Millone; em 1883 as apresentações da menina-prodígio Julieta dos Santos, êmula da anterior e ao lado de quem por vezes representou; em 1884 a presença da Companhia Braga Júnior, primeira companhia de operetas em português que excursionava ao Sul; em 1887 as exitosas representações do drama O louco do Ceará, do dramaturgo Manuel José da Silva Bastos. Destaque tiveram também as presenças de Germano de Oliveira, em 1860 e em 1884, quando lá adoeceu gravemente, sendo amplamente auxiliado pela Sociedade Dramática Melpômene; de Florindo Joaquim da Silva que em 1866 lá encenou o drama abolicionista O escravo fiel, de Carlos Antônio Cordeiro; e da Companhia Narizano em 1877 que levou as óperas Fausto, O guarani, La favorita, Ernani, O trovador e Aída. Em 1881 montou-se a comédia do autor local Paulo Marques de Oliveira Filho, Por causa de um chapéu de sol, com grande êxito, como registrou a imprensa da época, e alguma polêmica; e em 1899 a Grande Companhia Dramática Dias Braga apresentou a 20 de setembro um 'grande festival para comemorar o glorioso aniversário do início da Revolução Rio-Grandense de 35, dedicado à União Gaúcha', conforme anúncio no Correio Mercantil.

Nos últimos anos do Império, Pelotas chorou a morte de dois autores conterrâneos: Colimério Leite de Faria Pinto, 1887, autor de cinco dramas e cinco comédias, além de traduções de peças de Alfred de Musset e de outros autores franceses; e no ano seguinte, a de Francisco Lobo da Costa, que compôs um dos dramas mais representados no Rio Grande do Sul de antanho, O filho das ondas.

A partir de 1880 estiveram em ação algumas sociedades cênicas locais, entre elas a Filhos de Talia, a Melpômene e a Recreio Pelotense. A primeira encenou do escritor João Simões Lopes Neto a revista O boato (parceria com José Gomes Mendes), em 1893, e a comédia-opereta Os bacharéis em 1896, já em anos republicanos.

As sucessivas gerações de pelotenses sempre tiveram especial carinho para com o seu Teatro Sete de Abril, o que explica as periódicas reformas que recebeu. Com o estatuto reformado em 1869 e que vigoraria até 1915, operaram-se de 1870 a 1872 importantes obras de reforma. Em 1916 outra remodelação se fez sob a orientação do arquiteto José Torrieri; em 1927 foi construído um prédio de dois andares, aproveitando um terreno corredor vizinho; em 1930 houve uma pintura geral; e mais recentemente, em 1979, o Teatro foi desapropriado pela Prefeitura Municipal, passando então por novas reformas, externas e internas, sob a orientação do renomado cenógrafo Pernambuco de Oliveira, do iluminador João Acir e do cenotécnico Jardel.

Outra importante casa de espetáculos em Pelotas é o Teatro Guarani, inaugurado em 1921 com a Companhia Lírica Italiana Marranti, apresentado a ópera O guarani, de Carlos Gomes. Foi ele fundado por Rosauro Zambrano, Francisco Santos e Francisco Xavier. Com três ordens de camarotes, platéia e geral, a sala comporta três mil espectadores. Por seu palco passaram grandes companhias dramáticas, nacionais e estrangeiras, bem como se fizeram ouvir grandes nomes da música, seja coral, individual ou instrumental. Da restauração que experimentou, em 1970, sob a orientação do artista conterrâneo Adail Bento Costa, nos dá notícia o Correio do Povo, da capital, de 12 de abril daquele ano.

Atividades cênicas se desenvolveram em Pelotas em mais alguns pontos; no Cine-Teatro Coliseu e no Cine-Teatro Politeama, inaugurados em 1910, de propriedade dos Irmãos Petrelli e de Fernandes Silveira, respectivamente; no Teatro Dante Allighieri que passou a chamar-se Teatro da Liga Operária e, em 1914, Teatro 1o. de Maio; no anexo do Colégio São Luís, com capacidade para novecentos espectadores; e no Teatro Talia, no arrabalde do Areal, em prédio do século passado. Já o chamado Teatro Apolo (1925-1076) dedicou-se mais a atividades cinematográficas.

Sobre as incontáveis atividades desenvolvidas principalmente no Teatro Sete de Abril debruçaram-se, entre outros: o escritor Guilherme Echenique em sua monografia Histórico do Teatro Sete de Abril, de Pelotas, no mais abrangente estudo sobre o assunto; o médico Paulo Duval em artigos no Correio do Povo, de Porto Alegre, e no Diário Popular, de Pelotas; e a professora Heloísa Assunção Nascimento, nesse último jornal. Aldo Obino publicou breve síntese seletiva no Correio do Povo de 1o. de setembro de 1950, na seção 'Notas de Arte'. Merece especial menção, por sua cor provincial, a montagem do drama, em quatro atos, de costumes gauchescos, O legado do farrapo, da lavra do ator Dantés e dedicado à sociedade União Gaúcha (V. Diário Popular de 20 e 22 de agosto de 1905).

Enfim, a matéria de Luís Lancetta no Correio do Povo de 8 de junho de 1975, sob o título 'Movimento para reviver o Teatro de Pelotas', alude a diversas iniciativas e instituições como: o Teatro Escola, criado em 1890; a Sociedade de Teatro de Pelotas (STEP), surgida cerca de 1962; o Teatro dos Gatos Pelados, criado em 1963; o Grupo de Teatro da Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFP); o Teatro da Universidade Católica de Pelotas; o Teatro dos Bancários, o Teatro Universitário e outros. O Teatro Escola foi fundado como Grupo Cênico do Apostolado dos Homens, da Catedral, e teve seu auge nas décadas de 1930 e 1950, quando apresentava seis a sete peças por ano.

Como se observa, a sociedade pelotense sempre devotou especial apreço às artes cênicas."

Fonte: HESSEL, Lothar. Teatro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS: Editora da Universidade/UFRGS, 1999, pág. 50-60.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Histórico do Município de Campestre da Serra/RS


"O Município de Campestre da Serra começou sua existência como 3o. distrito de Vacaria, sendo considerado inicialmente como zona de Campos, embora a ele pertencesse toda uma zona de mata que se estendia nas encostas Norte do Rio das Antas seguindo entre o Rio Vieira ao Sudoeste e o Rio Refugiado ao Nordeste até alcançar os altiplanos dos campos e pastagens naturais em cima da Serra.

Como estas matas eram de difícil acesso foram consideradas de pouco valor e cedidas como partes de propriedade aos fazendeiros dos campos limítrofes.

A falta de estradas impossibilitava qualquer pretensão de cultura nestas terras. Mas em fins do século passado, a necessidade de levar o gado de Vacaria aos centros consumidores obrigou a abertura da célebre estrada 'Rio Branco" ligando a Vila Criúva de Caxias do Sul, cruzando o Nordeste do distrito.

A influência do político Cel. Paim fez ainda com que a primeira ponte metálica vinda da Europa para ser instalada no Passo do Zeferino entre Flores da Cunha e Antônio Prado na estrada Júlio de Castilhos, fosse transferida para o Passo das Antas da estrada Rio Branco, ligando assim o Município de Vacaria, no 3o distrito com Caxias - Via distrito de Criúva. Este fato ocorreu em 15/02/1907.

Com a segurança de passagem das tropas pela Estrada Rio Branco, garantida pela nova ponte, surgiu interesse de outros comércios ao longo da mesma. Foi assim que nasceu o primeiro povoado chamado VILA KORFF, pelo sobrenome do primeiro morador.

Situada à margem direita do Rio das Antas Vila Korff cresceu rapidamente, chegando a ter três fortes casas comerciais, um moinho cilindro, que fornecia luz elétrica ao povoado, uma Cooperativa Agricola 'Maurício Cardoso' e oito serrarias para serrar a mata que ninguém queria.

Vista a fertilidade descoberta nesta região da mata que se estendia ao norte do Rio das Antas, entre o Rio Vieira, ao oeste e o Rio Refugiado, ao nordeste, até a borda ddos campos, acorreram logo colonos especialmente de origem italiana vindos de Caxias do Sul, de Flores da Cunha, São Marcos, Antônio Prado, à procura das novas terras - 'terras fortes' como diziam.

Em breve toda a encosta norte do Rio das Antas, entre o rio Vieira e Refugiado, até a borda dos campos estava ocupada pelos colonos italianos.

Esta área colonial do município de Campestre da Serra ocupa aproximadamente 1/3 (um terço) da superfície do município e abriga cerca de 85% de sua população.

Outra estrada que atravessou o distrito foi a estrada Júlio de Castilhos que liga Antônio Prado a Ipê a Vacaria. Esta estrada contudo não teve para o distrito muita influência por passar totalmente no campo, fora da concentração populacional da colônia.

O nome Campestre da Serra originou-se de um Campestre existente no local, isto é, um pequeno campo cercado de mato.

Criado o Município em março de 1992 e com administração própria a partir de 10 de janeiro de 1993 o Município de Campestre da Serra entrou em nova fase de desenvolvimento.

Agora nasceu novo entusiasmo, nova vida, porque nasceu nova esperança com novas perspectivas."

Fonte: ATLÂNTICO (RS), 21 de Dezembro de 1998, pág. 05
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