quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A expansão portuguesa na Amazônia no século XVIII


"Durante o século XVII ocorre, o que Lia Machado (1989:28) denomina de 'primeiro sistema de controle territorial', baseado na construção de fortins nos locais de concentração de população indígena, com o objetivo de capturá-los e impedir sua aliança com as nações europeias, e na introdução de companhias religiosas com o objetivo de pacificar os indígenas. A área das missões ou 'território das missões' foi dividida entre várias ordens religiosas: carmelitas, franciscanos, mercedários e jesuítas, tendo sido a distribuição territorial das missões entre essas ordens regulamentada pela Coroa a fim de evitar conflitos de jurisdição. Assim sendo, os jesuítas ficaram com o sul do rio Amazonas até a fronteira com as possessões espanholas, abrangendo os rios Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira; os franciscanos da Piedade, ficaram com a margem esquerda do Baixo Amazonas e centro de Gurupá até o rio Urubu; os franciscanos de Santo Antônio, com as missões do Cabo Norte, Marajó e Baixo Amazonas; os mercedários com o vale do Urubu e os carmelitas com o vale dos rios Negro, Branco e Solimões.

'A Carta Régia de 21 de outubro de 1652 dava ao Padre Antônio Vieira ampla autorização para levantar igrejas, estabelecer missões, descer índios ou deixá-los em suas aldeias, tudo segundo julgasse mais conveniente, podendo requisitar dos governadores e demais autoridades quaisquer auxílio'.

Dentre todas as ordens que atuaram no Vale Amazonas, a dos Jesuítas foi a mais poderosa, pois a ela foi entregue a grande parte do poder de gestão da mão-de-obra (escrava) indígena.

Durante o século XVIII foram fundadas 62 freguesias, grande parte delas estabelecidas a partir das missões e aldeias administradas pelos missionários. Com a política pombalina essas missões passam à condição de vilas com a denominação de cidades portuguesas. As vila criadas foram as seguintes: Abaetetuba (1750); Aveiros (1751); Macapá e Ourém (1752); Colares, Maracanã, Muaná, Salvaterra, Soure e Souzel (1757); Acará, Alenquer, Almerim, Chaves, Curuçá, Faro, Melgaço, Monte Alegre, Óbidos, Oeiras, Portel, Porto de Moz e Santarém (1758); e Mazagão (1770), além de outras que foram consideradas povoados, devido à pequena população: Benfica, Monforte, Monsarás e Vila do Conde (1757); e Arrayolos, Alter do Chão, Boim, Esposende, Fragoso, Pinhel, Pombal, Veyros e Vila Franca (1758). A transformação das aldeias e missões em vilas por ordem de Mendonça Furtado, consistiu na mudança de nome, substituindo-se os nomes indígenas pelo de cidades portuguesas.

Foi o Alvará de 7 de junho de 1775, que determinou a conversão das aldeias em vilas e lugares, e segundo SIMONSEN:

'Havia por este tempo no Estado do Maranhão e Grão-Pará sessenta aldeias de índios, das quais cinco administradas por padres das Mercês, onze por Carmelitas, quinze por Capuchinhos e vinte e oito por Jesuítas. Pela simples operação de dar-lhes novos nomes, e mandar na praça do mercado de cada uma erigir um pelourinho, converteu Mendonça Furtado, estas últimas em nove lugares, dezoito vilas e uma cidade. O pelourinho (...) era nas vilas da Península Ibérica um pilar de pedra, de estilo por via de regra burlesco, (...), não pode Mendonça Furtado conter-se que não exclamasse: 'ora vejam com que facilidade de se faz uma aldeia, uma vila'.

'Tal era a configuração territorial do Brasil em 1757 quando no Governo Pombalino, os jesuítas foram expulsos, os seus bens confiscados pela Coroa e a tutela das aldeias arrancadas às Missões, passando aquelas à categoria de vila com as denominações primitivas alteradas para topônimos portugueses'.

Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, foi encarregado pelo governo colonial por reformas como: a execução do tratado de limites (1750); o estabelecimento da Companhia Geral do Comércio do Grão Pará; o estímulo a agricultura de exportação (1755); a declaração da liberdade dos indígenas; o estímulo a miscigenação entre índios e portugueses; a expulsão dos jesuítas e de outras ordens religiosas e a introdução de escravos africanos para servir de mão de obra.

'Nas terras próximas à capital era praticado o cultivo de cana-de-açúcar e numerosos eram os engenhos e as engenhocas destinados à fabricação de aguardente. Entre as novas lavouras estimuladas por Pombal encontravam-se o cacau, o anil, o café, o algodão, o arroz branco, o cravo. Foram inclusive chamados na Europa especialistas em alguns produtos como o anil. Apesar de alguns aperfeiçoamentos técnicos e de algumas inovações, as tentativas não alcançavam resultados duráveis: só a cacauicultura apresentou êxito, principalmente na região de Cametá e Santarém, chegando a se constituir no principal produto de exportação'.

A partir desse momento, configura-se um novo sistema de controle territorial que, 'se apoiava em pelo menos quatro elementos: as fortificações; o povoamento nuclear; a criação de unidades administrativas; e o conhecimento geográfico do território'.

A criação das vilas esteve ligada à política pombalina, de expulsão dos religiosos com confisco de seus bens pela Coroa, tendo sido a tutela dos indígenas retirada das ordens religiosas. É o momento da criação das novas unidades administrativas (em 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, tendo Barcelos como capital) e a incorporação das capitanias privadas à Coroa.

Nas vilas passa a funcionar uma Câmara Municipal, cujos vereadores seriam eleitos entre os indígenas, e que teriam por objetivo estimular o desenvolvimento local. Também visava-se controlar e dar continuidade à exploração do trabalho indígena, além de prever o dízimo a ser pago por cada comunidade sobre o produto da lavoura no valor de 6%, com o objetivo de controlar a renda da produção agrícola:

'...Elevou os antigos aldeamentos de missionários à condição de vila (...), passando a funcionar uma Câmara Municipal, cujos vereadores foram tirados da massa indígena...'

A transformação das antigas missões em vilas foi somente formal, porque de fato o que ocorreu foi a desestruturação da organização produtiva dos religiosos. Em consequência, se verificou o esvaziamento populacional dos núcleos do vale do rio Amazonas e a permanência de uma população residual que subsistia por uma associação de economia de subsistência com a 'economia natural' local.

As iniciativas pombalinas só tiveram êxito no que se refere ao estímulo à agricultura de exportação, principalmente a do cacau. No entanto, se comparado ao Nordeste e Sudeste, o êxito foi modesto. Contudo, permitiu uma expansão das atividades agrícolas no Baixo Tocantins, onde Cametá, se tornou o principal centro de cultivo de cacau."

Fonte: TAVARES, Maria Goretti da Costa. A formação territorial do espaço paraense: dos fortes à criação de municípios. In: Revista ACTA Geográfica, ano II, no. 03, jan./jun. 2008, pág. 60-63


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