terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O surgimento do mito do gaúcho


"Observa-se que ao longo da História o sentido da palavra gaúcho passou por profundas transformações. Sobre a origem da palavra gaucho Barbosa Lessa afirma que, por volta de 1777, ocorreu o primeiro registro da palavra gauche, documentado pelo doutor José Saldanha em seu diário: 'palavra espanhola usada neste país para designar os vagabundos ou ladrões do campo que matam os touros chimarrões, tiram-lhes o couro e vão vender ocultamente nas povoações'. Mais tarde, conforme Sergius Gonzaga, estancieiros, motivados pela necessidade de mão-de-obra especializada no manejo do gado e na lide campeira, passaram a incorporar esses gauchos nas suas estâncias. Com o passar do tempo, esse vocábulo também passou a ser empregado para designar os demais trabalhadores da estância: peões, diaristas...

Contudo, como afirmam Angelise Silva e Pedro Santos, a modificação radical do significado da palavra gaucho foi obra da literatura, tendo a História servido como um pano de fundo para a criação mítica do personagem gaúcho. Para esses pesquisadores, essa literatura estava muito arraigada em modelos românticos/europeus, criando personagens com inspiração europeia. Prova disso, são os personagens de Caldre e Fião e de Apolinário Porto Alegre, que serviram para modificar o sentido pejorativo do gaúcho e transformá-los em 'monarcas da coxilha', homens corajosos, leais e libertários.

Era um gaúcho que se importava com suas leis, puro de caráter e que não se corrompía a cidade. Esse gaúcho era um homem de palavra, com habilidades no campo, do qual tirava o seu sustento, um homem de vida simples, que herda de seu berço todos esses seus valores. Daí a ideia de 'Monarca'. Essa forma de ver o gaúcho identifica o espírito romântico de quem o descrevia, bem como a oligarquia vigente no sul.

Na visão de Tau Golin, o tradicionalismo deu ainda mais força ao mito do gaúcho, que foi criado pela literatura. A crença de que os Centros de Tradição Gaúcha fossem guardiãs do passado heroico do gaúcho, contribuiu para que esse ser mítico fosse um ser coerente com a história. Essa figura, a qual as pessoas se identificam erroneamente, serve de padrão para construir uma identidade rio-grandense até hoje:

Em todas as áreas, do lazer ao conhecimento, da música às artes plásticas, o ser inventado se impôs como o ser da coerência histórica. O último resquício tradicional, representado pelos campeiros, devido à incultura, acabou por aderir ao padrão citadino de gaúcho. Em um movimento cultural que como tantos poderia ser apenas um embuste, os tradicionalistas foram além e criaram uma cultura em cujo epicentro se posicionaram como os herdeiros protótipos da identidade rio-grandense.

A partir dessa crença que já persiste por tanto tempo, se entende o motivo pelo qual o gaúcho se tornou, conforme balanço de Luiz Marobin, 'uma atitude mental, um esquema psíquico, que atua no subconsciente'. Segundo este autor, os gaúchos, independente de suas diferenças são levados por um sentimento interior de unidade, que os distingue dos demais habitantes do restante do país.

Por outro lado, Antonio Augusto Fagundes chama a atenção para um outro olhar sobre a visão do gaúcho. Esse autor aponta para a crescente expansão do gauchismo, principalmente nos Centros de Tradições Gaúchas, onde 'gente que deixou o campo recriou na cidade o pagus idealizado, não somente no Rio Grande do Sul, mas também no Brasil e no exterior, e mesmo assim, ainda, se desconhece o gaúcho que trabalha no campo, na lide do gado. É necessário chamar a atenção para essa constatação, pois há mais de um século que se criou o 'Monarca das Coxilhas', e, entretanto, é ainda essa imagem mental do gaúcho que ganha projeção na cultura rio-grandense."

Fonte: WAGNER, Claudia Raquel. O Mito do Gaúcho e sua descontração em O Continente: uma análise do personagem Capitão Rodrigo Cambará. In: Revista Desenredos, ano IV, número 13, Teresina/PI, abril/maio/junho de 2012, p.02-03.


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