domingo, 3 de agosto de 2025

O Caboclo da Praia Grande



EXERCICIO ILLEGAL DA MEDICINA

(...)

Eis a grande força dos curandeiros. O que um medico, isto é, o que um individuo, que cursou uma academia e tem, ou se presume ter, certa somma de conhecimentos, não conseguiu, consiguirá o curandeiro, na opinião do povo. E corre elle pressuroso á casa do especulador que para tirar-lhe o sol da cabeça, curar-lhe a espinhela cahida vai impingindo, em troca de uns cobres, drogas e bentinhos, beberagens e benzeduras, hervas e orações. E volta o povo satisfeito e convencido de que o homem tem partes com Deus.

Não ha talvez medico em todo o Brazil que chegasse a adquirir a reputação e a celebridade do caboclo da Praia Grande.

De quasi todos os pontos do Imperio vinha gente consultal-o. Quando alguem se queixava de uma molestia pertinaz, havia logo quem dissesse: - consulte o caboclo.

Pois, como esse, milhares de caboclos existem disseminados pelo paiz, dando mais factores á mortalidade e concorrendo para o atrazo em que vivemos, causado em grande parte pela ignorancia e pelos abusões que encontram forte reducto no espirito inculto do povo.

(...)

Fonte: GAZETA DE NOTICIAS (Rio de Janeiro/RJ), 01 de Agosto de 1887, pág. 01, col. 04-05


O caboclo das sete pontes - Lê-se no Diario de Noticias, da côrte:

"Raros serão aquelles que não tenham ouvido fallar no caboclo da Praia Grande.

Jesuino José Soares, chamava-se elle, sendo porém, conhecido por Hygino, o caboclo.

Nasceu em S. Gonçalo, de ventre escravo e aprendeu, em pequeno, o officio de carpinteiro.

Mais tarde trocou a officina pelo consultorio; fez-se curandeiro ou se quizerem - hervanario - pois era na flora brazileira que elle buscava medicamentos para cura de todas as molestias.

Diz a chronica que fazia curas maravilhosas. Se realmente as fazia, ou se curava doentes de imaginites, não o sabemos.

O que é facto, é que tinha grande clientella. Do interior de S. Paulo e Minas, por vezes vieram enfermos consultal-o. D'aqui, da Côrte, não fallemos...

Affirma-se que muita gente fina tambem lá foi pedir a Hygino o auxilio da sua sciencia infusa. O certo é que todos os dias lhe paravam carros á porta. Não é, pois, para admirar que tivesse igual procedimento gente de pouco mais ou menos, accrescentando-se que as representantes do demi-monde faziam como toda a gente.

Este facto não podia deixar de mercer a attenção da sciencia.

Effectivamente os clinicos, aquelles que consumiram seis longos annos de vigilias cavando fundo nos aphorismos de Hypocrates, representaram á junta de hygiene.

A intervenção desta não se fez esperar, e Hygino pagou cem mil réis de multas.

Mas nem por isso deixou de exercer a medicina, apezar de não estar para isso autorisado.

Dir-se-hia que as multas eram como os annuncios do Diario de Noticias. Cada multa imposta ao curandeiro trazia-lhe mais uma centena de freguezes.

Dessa perseguição, aliás legal, proveio talvez a ogeriza do curandeiro aos clinicos.

A primeira pergunta que dirigia aos doentes - que medico - ia matando?

Hygino morava em Nictheroy, no alto do morro denominado Sete Pontes, lugar de difficil accesso.

A casa propria, tem uma varanda, onde, n'uma grande cadeira de jacarandá torneado de couro e taxeada, sentava-se o doente para fazer ao soi disant medico a exposição dos seus soffrimentos.

Na ante-sala via-se um oratorio com as imagens de Santo Antonio e Santa Barbara.

Era alli que os doentes depositavam as suas esportulas, talvez, no louvavel intuito de concorrer para a cêra daquelles santos.

E eis ahi em breves traços o typo de Jesuino José Soares, o caboclo das Sete Pontes, que, após ingloria mas fallada existencia, falleceu no dia 1, á noite.

O enterro, que se realisou na manhã de hontem, foi bastante concorrido, o que demonstra a estima e consideração em que era tido.

Affirma-se que entre predios e dinheiro deixou fortuna superior a 50:000$000."

Fonte: JORNAL DO RECIFE (Recife/PE), 13 de Novembro de 1885, pág. 01, col. 06-07

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