quinta-feira, 29 de março de 2018

Jimbo - o dinheiro não-metálico do Brasil do século XVII

"Há também alusões a unidades monetárias não-metálicas, como no poema em que satiriza um 'clérigo zote', ou seja, um padre imbecil, cujo comportamento é assim descrito:

Ambicioso, avarento,
das próprias negras amigo
só por fazer a gaudere,
o que aos outros custa jimbo.

'Fazer a gaudere' significava fazer por gosto. Quanto a jimbo, o leitor já terá intuído, quer dizer dinheiro. Mas não um tipo comum de dinheiro: jimbo, também chamado de zimbo, é uma pequena concha usada na época como moeda no Congo e em Angola que os escravos, ao chegarem ao Brasil, encontraram no litoral da Bahia, o que lhes permitiu manter a tradição. Não era considerada tão boa quanto a africana, mas servia. 'No zimbo de primeira qualidade, catado na ilha de Luanda, os traficantes tiravam um lucro de 600%, enquanto o zimbo baiano, reputado inferior pelos nativos, rendia 200% por arroba', escreve o historiador Luiz Felipe de Alencastro, no livro O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul. Ao lado da mandioca e da cachaça, então chamada jeritiba - os principais produtos brasileiros de escambo - , o jimbo teve grande impacto 'na amarração da bipolaridade entre as duas colônias do Atlântico', diz Alencastro.

Para a história da moeda, mais relevante é notar que o jimbo brasileiro influenciou os dois sistemas monetários: no Brasil, mitigou os efeitos da escassez de moedas de metal: na África, para onde era exportado, provocou inflação. O jimbo brasileiro cruzava o oceano nos mesmos navios que traziam os negros e lá, na África Central, era largamente aceito no comércio, o que, além de azeitar o tráfico de escravos, quebrava o monopólio do rei do Congo sobre a moeda-concha. O excesso de oferta depreciou o dinheiro africano, demonstrando mais uma vez a aplicabilidade da teoria quantitativa da moeda. A desvalorização do jimbo de Angola em relação ao mil-réis foi de quatro quintos durante a segunda década do século 17, segundo dado citado por Alencastro. No Congo, a pressão também foi sentida, o que levou o rei a adotar uma política anti-inflacionária que consistia, basicamente, em proibir a importação do zimbo brasileiro."

Fonte: PILAGALLO, Oscar. A aventura do dinheiro: uma crônica da história milenar da moeda. São Paulo: Publifolha, 2009, p. 136-137.
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