sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Major Manoel Thomaz Moreira


Por Fernando Osório

"Digno das bençãos da Pátria, do cimo de uma veneranda velhice - no reduzido número dos veteranos do Paraguai - nesta cidade sobrevive o Maj. Manoel Thomaz Moreira a cada um desses bravos que, em 24 de maio de 1866, a Glória ceifou no campo da honra. Testemunha viva de nosso passado, desde o combate de Paissandu, foi dos que, sorrindo ao perigo, respirou na campanha dos 5 anos, a plenos haustos, a atmosfera da epopeia, que é o ambiente dos heróis. Ele soube bater-se e sofrer e no leito da dor curou as cicatrizes com que, em sangue, os brasileiros lavaram a afronta nacional. E desta distância, ainda animados pela sua memória, sentimos tumultuar os fastos maravilhosos da libertadora, porfiosa e fúlgida jornada, em que se impôs ao estrangeiro audacioso o respeito do povo soberano!

Thomaz Moreira era alferes, com Dyonisio Cerqueira e outros tantos heróis, do 4o. Batalhão de Infantaria de Linha, de bravura indicada à mocidade daqueles tempos. Nesse posto, teve a glória de tomar parte no 'gigantesco combate' da 3a. Divisão do bravo Brigadeiro Antonio de Sampaio, a célebre 'divisão encouraçada', que formava à esquerda da linha dos aliados, colocada aí, na véspera, em escalão, ponto onde foi mais áspera e sanguinolenta a peleja, no dizer dos historiadores e testemunhas da cena. 

Combateu o 4o. de Infantaria sob o comando do Ten.Cel. Pereira de Carvalho e direção imediata do intrépido Cel. Oliveira Bello, comandante da 5a. Brigada, que em sua parte oficial louva a conduta desse batalhão, como 'superior a todo o elogio'. Estendidas as forças aliadas em colunas por aquelas coxilhas a fora e nos albores da manhã de 24 de maio, notando-se o maior silêncio das linhas inimigas, o general-em-chefe brasileiro prevenira o exército para estar disposto a receber o ataque, a qualquer hora. Faxinas diversas continuavam os serviços inerentes à vida dos bivaques. E decidido, de véspera, um reconhecimento às 2 horas da tarde sobre a linha inimiga, estavam atentos todos ao sinal de pegar cavalos e que ao meio-dia, deveria partir do quartel-general. Às 11,30 ouviu-se nos ares a detonação de uma grande bomba, sinal convencionado para o ataque geral paraguaio. Não estando todo o exército aliado sobre as armas, ao toque de sentido, do quartel brasileiro, respondem, de quebrada em quebrada, os demais clarins e cornetas. E, céleres, empunham as armas as legiões, tomando posição na primeira linha da ordem de batalha a Divisão de Infantaria Sampaio. E a avalancha inimiga arrojou-se num furor inaudito e simultaneamente por todos os lados, em 4 colunas de 25 mil homens, ocultos pelos matos onde se apoiavam e protegidos pela cerração que cobria ao longe o campo de batalha, trazendo o ataque até as nossas sentinelas. 

Sobre a 3a. Divisão, três colunas (de Barrios a Dias) inopinadamente 'saídas do banhado' trouxeram rapidíssima carga de flanco. De espadas curvas, lanças sem bandeirolas, blusas de baeta vermelha, bonés cônicos de couro, feios cavalos, arreados, eram treze mil e tantos inimigos a que enfrentou e resistiu só, antes de ser socorrida, a divisão 'encouraçada' de quatro mil homens, quando muito!

Avançara Sampaio com seus batalhões em escalões de quadrado, movimento esse apoiado pelo Gal. Andréa com o 3o. de Artilharia a Pé. Áspera e sanguinolenta peleja! Superior a todo elogio, o 4o. Batalhão do Alferes Thomaz Moreira rechaçou, segundo rezam os documentos oficiais, 'por mais de uma vez as fortes colunas paraguaias que o acometeram, causando-lhes consideráveis perdas e levando-as afinal, por meio dos banhados e alto macegal, em completa desordem, até próximo às suas fortificações onde se refugiaram'. Em dado momento chegara toda a divisão a retroceder uns trinta passos, ao peso da força... Ordena Osório 'sustentar fogo' ao malogrado e bravo Sampaio. E este ferido, três vezes, mortalmente. Achando-o fora de combate, o ajudante de Osório dirige-se ao seu imediato, o valente Cel. Jacintho Machado Bittencourt, que lhe disse ter já perdido a maior parte de seus comandantes e fiscais de batalhas... Surge o general-em-chefe brasileiro, que 'a todos dava com presença e palavras, coração' e tudo transformou-se... Quando ele passava, vivavam-no, 'em voz desfalecida, soldados feridos, levantando-se a meio com a auréola da morte dourando-lhes os cabelos empastados de sangue'.

E nessa linha da 3a. Divisão chegou o general a perder o seu belo cavalo de combate, gateado malacara, comprido e fino, arreado à moda do Rio Grande. Levara, porém, consigo a vitória, acudindo com as reservas da Divisão Argollo (4 batalhões) com que se restabeleceu o combate, sacudindo os corações dos soldados com os brados de - Adiante, adiante! Viva o Brasil! E o choque das massas paraguaias desfez-se em muros de fogo e de baionetas, corpo a corpo, em ação as armas brancas... Dos nossos quadrados de infantaria nenhum logrou o inimigo romper!

Foram as brigadas de Oliveira Bello (a que pertencia o Alferes Thomaz Moreira) e de Jacintho Bittencourt as duas que mais perdas sofreram. Ferido o comandante Pereira de Carvalho do 4o. de Infantaria, logo em princípio - substitui-o o Major Fiscal Antonio José dos Passos, que, louvando o procedimento de seus oficiais e soldados, relata em sua parte oficial: 'Estendido em linha de batalha o 4o. Batalhão na frente de um banhado, o inimigo encoberto por um macegal, e resolvido o ataque a baioneta, coloquei-me à frente, atravessamos o mesmo banhado, com o mais feliz êxito nessa resolução, por termos conseguido pôr o inimigo em completa debandada... 145 mortos, feridos e extraviados teve este batalhão'.

No número desses bravos foi o Alferes Thomaz Moreira atingido gravemente por bala de metralha na axila esquerda e levemente, por balaço, na coxa. Do hospital de sangue, provisoriamente instalado no Passo da Pátria, foi o Alferes Moreira levado para Corrientes, onde o medicou o cirurgião militar Dr. Bilac, pai do insigne legionário da defesa nacional poeta Olavo Bilac. Nessa ocasião falecia, em viagem para Montevidéu, o bravo Gal. Sampaio. Apesar de galardoado com diversas condecorações, entre elas a do 'Hábito de Cristo' e a medalha indicativa dos 5 anos que serviu na Guerra do Paraguai, além das conferidas pela Argentina e pelo Uruguai, nenhuma mais bela orna o peito do então Alferes Moreira do que as cicatrizes dos seus próprios ferimentos, eloquente atestado de que, na gloriosa pugna que a alma do Brasil comemora, derramou sangue em salvação da honra nacional.

Entre os bravos veteranos da Guerra do Paraguai que vivem (1917) nesta cidade (nota nossa: Pelotas), logramos colher os nomes destes dignos brasileiros: Maj. Manoel Marques de Souza, Ten. Luiz Esteves Pinto, Cap. Antonio dos Santos Coimbra, Maj. Thomaz Costa, Maj. Sylvino da Silva França, Maj. Antonio Maria de Souza, Maj. Luiz Ferreira França, Cap. Luiz Alipio de Oliveira, Maj. Manoel Thomaz Moreira, Cypriano Francisco de Oliveira, Seraphim Antonio Barbosa, João José de Freitas Machado, José Joaquim da Rocha, Virgilino Gonçalves Detroyat, Christino Michaela, Claudino dos Santos Victoria. "

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