domingo, 21 de dezembro de 2025

Os primórdios do movimento anarquista em Pelotas

 



Rezumo historico do movimento anarquista em Pelotas

(...)

1897 - O primeiro companheiro que veiu a Pelotas chamava-se Jozé Saul. Era italiano e tinha o oficio de sapateiro. Viu-se perseguido e em muito más condições de vida. - Ora, o louco, o vizionario! diziam - Um dia o patrão, que admirava muito as suas idéias (!), chamou o á ordem e apoiado nas condições em que Saul se encontrava conseguiu fazer que ele deixasse a cidade... para ir adiante semear a idéia nova. 

A prezença desse camarada constituia uma ameaça latente á dijestão da burguezia. Saul teve ocazião de assistir a uma certa sessão solene onde se encontrou na emerjencia de responder enerjicamente aos discursos bombasticos e socialistoides de varios oradores, comprometendo-se a realizar uma longa serie de conferencias partindo da civilização de muitos anos antes de Cristo até os nossos dias. Infelizmente, não pôde satisfazer o seu compromisso... Um jornalista que então o aplaudiu e que na vizinha cidade do Rio Grande fizera a apolojia de varios atentados anarquistas (!), no dia imediato ao daquela sessão solene atacou o violentamente por um vespertino local, solicitando providencias das autoridades competentes...

Da Liga Operaria, fundada em 31 de março de 1889, vivendo mais tarde sob os auspicios de varios capitalistas, negociantes, etc., fizeram parte alguns homens a quem o epiteto de loucos era ordinariamente atirado pelo fato simplissimo de se dizerem anarquistas e propagadores do anarquismo. E tão consolidada rezistencia contra eles foi organizada, que tiveram de abandonar tal campo de ação. Alguns ainda hoje se conservam refratarios ao meio, si bem que nos auxiliando... Da referida agremiação (cujos estatutos passaram a ter orientação sindicalista desde novembro do ano findo) fez parte o companheiro Saul, tendo levado a efeito na séde da mesma trez conferencias, além de palestras intimas, havendo-se formado um grupo que o admirava e ás suas ideias rebeldes. E este grupo certa vez convocou uma reunião para outro local, o que foi impedido pela policia, sendo então prezos alguns camaradas, incluzive Saul.

1913 - Os bons livros e jornais de propaganda, as influencias da C.O.B. e diversos camaradas emancipados e portanto contrarios ao programa recreativo, tavernista e de tavolagem mantido pela Liga, conseguiram espurgal-a desse mal. Ajitou-se a questão da carestia de vida. Fundaram-se varios sindicatos, ficando constituida a Federação Operaria de Pelotas que, em reprezentação diréta, tomou parte no segundo Congresso Operario Brazileiro. Já o ideal libertario e o sindicalismo revolucionario haviam triunfado em grande parte.

1914 - Composto por operarios, doutores, negociantes, academicos, etc., foi criado o Centro de Estudos Sociais, cuja existencia amorfa, atacada de intelectualismo burguez, acabou como acabam todas as iniciativas mal encaminhadas: em nada.

Ainda na séde da Liga Operaria, realizaram varios doutores (um dos quais se dizia anarquista - o dr. Antonio Gomes da Silva, redator-chefe e co-proprietario do diario burguez local A Opinião Publica) conferencias sobre assuntos sociaes e especialmente... anticlericais.

No mesmo local palestraram tambem os drs Vítor Russomano e Elizeu Coelho, ambos com tendencias acraticas.

Em julho. Falava o cap. J.S. Lopes Neto sobre o tema A.B.C. Uma palestra que, ao que parece, agradou sómente aos amigos e admiradores do ilustre literato e jornalista, redator da folha local O Correio Mercantil... que traz no "espediente": orgam das classes produtoras (horror!). Finda a conferencia, orou o sr. dr. Steffano Paternó, cidadão italiano cooperativista muito nosso conhecido. Enalteceu sobejamente o proletariado e terminou bajulando caudalozamente o povo (o povo ou burguezia?) pelotense. Fala então o camarada Zenon de Almeida, havia pouco chegado do Rio. A impressão dos assistentes foi contraria às palavras de Zenon. Um academico sofisma uma verdade solta pelo nosso camarada. Confuzão. O dr. Gomes, prezidente da meza, á guiza de acalmar, avivou a exaltação dos animos... E tudo terminou com a auzencia dessa jente na nossa caza, de então para cá...e com a ultima sessão do tal C.E.S. A atitude de muitos companheiros, por ocazião dessa afronta da classe inimiga, foi admiravelmente corréta e conciente. Zenon é operario... e anarquista... por isso.

Ainda julho. Surgiu o "Grupo Iconoclasta", de propaganda abertamente anarquista. Rezolveu tomar para no C.A.I., tendo para isso coordenado alguns apontamentos de pouca importancia (que este rezumo vem substituir), os quais foram enviados, juntamente com certa quantia de dinheiro, á comissão encarregada do assunto, em São Paulo, no Centro Libertario.

Organizou o grupo duas conferencias, a cargo de Zenon e que obedeceram aos seguintes temas: "A.B.C. versus A.B.C." (o politico e o revolucionario), sobre a prizão de varios companheiros em Norte América e "A Grande Revolução", sobre a tomada da Bastilha e feita no dia apropriado. Ambas foram bem concorridas.

Agosto. Inaugurou-se o Ateneu Sindicalista Pelotense, sob a atuação libertaria.

Agosto e setembro. Instalou-se o teatro Primeiro de Maio no salão Central da Caza dos Trabalhadores (edificio proprio da L.O.), no qual funciona o "Grupo Teatral Cultural Social", formado por anarquistas e simpatizantes. As peças dramaticas que reprezenta, além de comedias, de episodios comicos, são de carater iconoclasta. Os intermedios sempre fartos...

Durante um grande comicio contra a guerra efetuado pela F.O.P., apoz o rebentar da conflagração européia, distribuiu se um bem elaborado manifesto a proposito.

Varias conferencias de caráter sindicalista e sociologico teem sido efetuadas por Zenon.

A recente, mas de ha muito ventilada, reforma dos estatutos da Liga Operaria deve-se tambem a influencias libertarias.

Ao "G.T.C.S." está anexado o "Grupo Muzical 18 de Março", cujo titulo é em homenagem á Comuna de Paris. Este grupo constitui uma harmonioza orquestra e conta já com elevado numero de componentes.

E a sementeira continúa...

Pelotas, janeiro de 1915.

Pelo "G.I.", o secretario

SANTOS BARBOZA

Fonte: A VIDA (Rio de Janeiro/RJ), 28 de fevereiro de 1915, Ano I, número 04, pág. 63-64



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