- O TRAFICO DE AFRICANOS. - Encontra-se no Ausland o curioso depoimento feito perante os tribunaes da America por um marinheiro que pertenceu á equipagem do Mary E Smith: diz elle -
"Depois de navegar tres annos na pesca da balêa, voltei a Boston, tendo gasto quanto ajuntei, o que nos succede sempre a nós marinheiros, fui obrigado a procurar trabalho e contractei-me como marinheiro a bordo do Mary E Smith.
Disse-me o capitão que deviamos ir para Montevidéo. Mas, logo que estivemos no alto mar, percebi que era falsa aquella asserção. Em vez de tomar para a America, o barco dirigia-se para a costa d'Africa.
Havia a bordo outro marinheiro enganado como eu.
Disserão-nos então, para nos applacarem, que nos darião uma boa paga, isto é 600 dollars a cada um pela viagem da costa d'Africa até Cuba, passagem gratis para nossa patria e dous negros. O que fazer no alto mar? Calamo-nos.
Na travessia preparou-se tudo para a recepção dos negros. Evitava-se qualquer encontro com outros navios.
Chegados á costa, tomou-se o carregamento. Nós dous aproveitamos do momento para desertar, e fomos ter a uma feitoria ou barracão. Foi uma fortuna o termos desertado, porque soubemos depois que o Mary E Smith tinha sido apresado por um navio brasileiro.
A feitoria onde me refugiei era dirigida por um residente, e tive occasião de observar como se faz ainda hoje o trafico. A feitoria estava situada em um ponto que não se podia descubrir, olhando-se do mar, precaução necessaria por causa dos crusadores britanicos e americanos. Compunha-se de dous edificios, um para os negros, outros para as negras e crianças.
O systema para obter negros é o seguinte: Educão-se neste mister pessoas cuja occupação unica é attrahil-os. Trazem-nos ás feitorias, onde lhes dão botões de metal, espingardas velhas, anneis e pulseiras de cobre. O preço regular de um negro bem constituido, nessas occasiões, é de 16$000, e o das negras e crianças, de 6$ a 8$000, pagaveis em mercadorias.
Tal é a paixão destes povos pelos ornatos e pela aguardente, que ás vezes os pais vendem os filhos e os maridos as mulheres.
Emquanto se demorão nos barracões, os negros andão encorrentados em lotes de 8 a 12. Logo que entrão alli, são marcados. Cada feitoria tem o seu signal particular e um lugar especial onde o applica. Ora é n'um braço, ora é nas costas, ora nas pernas, etc. O lugar mais ordinario é o lado direito do peito. O instrumento é sempre o mesmo: um ferro em brasa.
Depois de dous mezes e meio de estar eu naquella localidade, apareceu um barco negreiro, o Altivie de New-York, que comprou quatrocentos negros, pelo preço de 120$000 por cada homem, e de 60$ a 80$000 por cada mulher. Embarquei-me nelle para voltar para a patria.
Durante a viagem, morrêrão no Altivie cem negros, por falta de ar e de alimentação regular. Ao cabo de quarenta dias, desembarcou-se o contrabando em uma ilha perto de Cuba, vendendo-se os negros mais vigorosos a 1:600$000."
Depois disto, incendiarão o Altivie. O marinheiro pôde tomar passagem para New-York, onde fez a sua communicação á autoridade.
Fonte: CORREIO OFFICIAL DE MINAS (Ouro Preto/MG), 26 de Janeiro de 1857, pág. 03, col. 02-03
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