Recebemos hontem a seguinte carta do Sr. Marianno Porto, ex-redactor do Brasil, de Montevidéo:
"Coincidindo com a narrativa que ha alguns dias fizeram-nos em carta dois importantes estancieiros brasileiros dos departamentos de Paysandú e Tacuarembó, do Estado Oriental do Uruguay, sobre os barbaros castigos pelo celeberrimo coronel Klinger, do exercito d'aquella republica, inflingidos na pessoa do cidadão Bernardino Costa, filho do Estado do Rio Grande do Sul; coincidindo com essa narração, deparamos no periodico O Brasil, de Montevidéo, com algumas linhas de gazetilha que em sua manifesta simplicidade confirmam, sem discrepar uma só circumstancia, tudo quanto em carta nos contaram aquelles nossos compatriotas. La Razon, de Montevidéu, folha oriental, a mesma que no tempo de Maximo Santos constituiu-se acerrima defensora dos cidadãoes brasileiros, crucificados no Paso-Hondo, tambem se incumbiu de estigmatisar o procedimento criminoso do coronel Klinger.
Jamais nos guiaremos, porém, pelos ataques, porém, pelos ataques das folhas de Montevidéo, porque sabemos que ellas, quando se envolvem em questões d'essa natureza, são sempre inspiradas no espirito de opposição aos adversarios politicos.
É phenomeno que não falha, não em um, mas em todos os partidos em que se divide o povo oriental. Não é isso, no entanto, motivo para que não sejamos gratos ao illustrado jornalismo uruguayo. Sempre o fomos, e a prova existe no agradecimento que escrevemos em março de 1888, dirigido á imprensa uruguaya, que, com excepção de duas ou tres folhas, subvencionadas pelo governo, pediu, mesmo implorou, que nos fizesse justiça, quando, incendiado pelo amor patrio, tomámos a defeza do misero pernambucano Leopoldo Marques; e, quanto mais tarde, respondemos a tres julgamentos no departamento do Salto. E, caso singular, e do qual nunca os governos da monarchia fizeram cabedal; eramos absolvido pelos cidadãos jurados e incontenenti condemnado pelos tribunaes do governo!
N'essa época, repetimos, deixámos evidenciada nossa sympathia e gratidão para com a imprensa de Montevidéo.
Nosso intento, hoje, publicando na conceituada e popular Gazeta de Noticias este ligeiro artigo é - chamar a attenção do benemerito jornalismo fluminense para as folhas platinas, cujas columnas, é rarissimo passar-se um mez, que não constatem factos como o que nos foi narrado por dous compatriotas, O Brasil e La Razon.
A diplomacia nem sempre póde agir em taes casos: e, não obstante ser alli nosso ministro o Dr. Ramiro Barcellos, filho do Rio Grande, ainda assim nos aventuramos a consignar que serão totalmente infructiferos os esforços de S. Ex., desde que não seja apoiado sem reservas pelo glorioso governo provisorio. E a este, por sua vez, é indispensavel a palavra do jornalismo da capital federal.
Nós imploramos, em nome da briosa e patriotica communhão brasileira, residente no Estado Oriental do Uruguay, á illustrada imprensa fluminense o seu valioso auxilio, para a divulgação dos repetidos crimes de que são victimas alguns de nossos compatriotas que têm a infelicidade de cahir nas unhas dos Klingers d'aquelle bello paiz.
Si o honrado gabinete do immortal cidadão Deodoro da Fonseca deseja saber quem é o coronel Klinger, quaes os seus actos, passem os Srs. ministros, embora ligeiramente, os olhos por um exemplar do nosso livro - Leopoldo Marques ou o Volpi Patroni Brasileiro. SS. Exas. o encontram em poder do Dr. João Severiano da F. Hermes, a quem tivemos a honra de offerecer o unico volume que possuiamos.
O qualificativo - torturador - com que o mimoseou (ao coronel) La Razon, não ha muito, é propriedade nossa. Ha dous annos, em artigo firmado, o empregámos tratando das correrias de Klinger contra cidadãos brasileiros do departamento de Tacuarembó.
Concluiremos com o novo attentado:
Bernardino Costa, brasileiro, vai todos os annos a Corrales, na qualidade de capataz, levar tropas de gado. N'uma d'essas viagens, ha um mez mais ou menos, Klinger, por meio da força, fal-o sentar praça. Costa pensa em desertar e escreveu uma carta a Klinger, dizendo-lhe francamente que a servir á força ou de qualquer outro modo no exercito oriental preferia fazer o serviço das armas no Brasil, que era a sua patria. Chegada que foi essa carta ao conhecimento de Klinger, este, depois de a ler, mandou chamar Bernardino e perguntou-lhe se era elle o auctor da carta. Bernardino respondeu affirmativamente. Klinger ordenou que por occasião da parada fossem apllicados em Costa TRES MIL AÇOITES!! A ordem foi cumprida á risca. A victima não soubre o numero de açoites, porque perdeu os sentidos! No outro dia tinha o corpo em chaga viva! Klinger foi á enfermaria, dias depois, e perguntou ao praticante:
- Como vá el brasilero? - Responderem-lhe: está bastante machucado. O coronel, com desprezo, disse:
"Déjelo que se jorobe! Si muere hagan un agujero en el monte y métanto adentro y sinó, larquen'o...ya tiene bastante para quejarse en su tierra!"
Não ha commentario digno.
Tenho comprido com estas linhas o pedido dos dous estrangeiros, e o dever de brasileiro patriota. - Marianno Porto.
Sobre esta occurrencia informaram-nos que o governo oriental já tomou providencias, suspendendo de suas funcções o coronel Klinger e mandando abrir inquerito.
Fonte: GAZETA DE NOTICIAS (Rio de Janeiro/RJ), 10 de Julho de 1890, pág. 01, col. 02-03
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