terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A origem social dos imigrantes alemães no Brasil


"Há uma polêmica em torno da origem social dos imigrantes. Teriam eles, em sua maioria, vindo das cidades alemãs, teriam eles, em sua maioria, uma origem camponesa, seriam eles, em sua maioria, colonos pobres e sem recursos?

Alguns autores afirmam que a maior parte dos emigrantes alemães que vieram para o Brasil eram habitantes das cidades (WILLENS, 1980, BREPHOL DE MAGALHÃES, 1993). No entanto, uma pesquisa feita em Santa Catarina (SEYFERTH, 1974) mostra que a maioria desses imigrantes eram camponeses que, tendo deixado o campo, se dirigiram para as cidades, onde foram engrossar o proletariado que a fome, o fracasso das revoluções e as guerras sucessivas acabaram forçando à emigração. Confirmando a tese de SEYFERTH, tem-se a pesquisa realizada para Curitiba que aponta pelo menos até a década de 1890, a origem camponesa de grande parte dos imigrantes alemães. (NADALIN, 1988). Isso significaria que grande parte dos alemães era de origem rural, com uma passagem pelas cidades alemãs. Penso que essa polêmica ainda não está resolvida.

Sabe-se que houve, oficialmente, um incentivo, principalmente para os trabalhadores agrícolas, mas, na realidade, a emigração para o Brasil contou com muitos artesãos dos mais diversos ofícios, técnicos industriais e comerciante com iniciativa própria, assim como com alguns profissionais liberais, como farmacêuticos, médicos, professores e pastores.

A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola não teve somente alcance demográfico, mas, principalmente, econômico, cultural, social e, em certo grau, político. Não teve objetivos meramente agrícolas, acompanhando a fundação de vilas e cidades em suas manifestações mais expressivas, principalmente nas três províncias sulinas e no Espírito Santo."

Fonte: RANZI, Serlei Maria Fischer. Alemães católicos: um estudo comparativo de famílias em Curitiba (1850-1919). Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1996, p. 55-56.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Lebre Branca e o Galo Preto

"Havia um homem muito selvagem que tinha uma devoção de rezar todos os dias um Pai Nosso a S. Francisco. Quando esse homem estava para morrer apareceu-lhe um anjo e disse-lhe: 'Se deres três esmolas avultadas, ainda te salvarás'. Passado algum tempo entrou um velhinho na quinta e os cães não lhe fizeram mal. O guarda quando viu o velhinho dirigiu-se até ele e disse-lhe:

- Como é que entrou aqui sem os cães lhe fazerem nada?

O velho respondeu:

- Eles são mansinhos, fiz-lhe umas festas e eles não me fizeram mal.

O velhinho foi visitar o homem que estava para morrer e pediu-lhe uma esmola, o homem vira-se para o criado e diz-lhe:

- Dá-lhe cinquenta alqueires de milho.

- Mas ele não trás saco - diz o criado para o patrão.

- Dá-lhe um saco dos melhores para levar o milho.

- Também não te como transportá-lo - diz o criado.

- Então põe o milho na carroça e vai levá-lo a casa.

O criado assim fez tudo e lá mais o velhinho. Quando já iam a caminho ouviram o sino da igreja tocar. O homem que tinha dado as esmolas ao velhinho já tinha falecido. Nisto passou-lhes por perto uma lebre branca a fugir de um galo preto. O velhinho vira-se para o criado e diz-lhe:

'O teu patrão já morreu, e a lebre branca, que passou, significa que ele se salvou, o galo preto era o inimigo que vinha a correr atrás dele, mas não o apanhou. Aquele que fizer o bem já neste mundo se salvará e tu meu amigo podes levar o milho que eu não preciso' - e dito isto desaparece.

O velhinho, a quem o homem deu a esmola e com quem o criado falou era o Santo a quem o homem rezava todos os dias um Pai Nosso.

Recolha efectuada em Caféde - Concelho de Castelo Branco."

Fonte: MOURA, José Carlos Duarte. Contos, mitos e lendas da Beira. Coimbra/Portugal: A Ar Arte/Associação Cultural Outrem, 1996, p. 10.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Imigração no Oeste Paulista


"A designação de Oeste, quando se trata dessa etapa histórica da cafeicultura, tem como referência notória o Vale do Paraíba. Observando o mapa da Província (depois Estado) verificamos que a lavoura que se expande a partir de Campinas se localiza na verdade na região Leste, orientando-se a seguir no sentido Norte. Ou seja, o Oeste histórico corresponde, grosso modo, ao Leste e Nordeste geográfico. Da mesma forma, o Vale do Paraíba, localizado no Sudeste, era chamado de Norte, também em função do direcionamento do café, em marcha progressiva no sentido Sul, a partir da Província do Rio de Janeiro, para depois contornar para o Oeste.

São extremamente abundantes as evidências de uma discrepância do Oeste com respeito a um modelo rigorosamente escravista, decorrente de fatores diversos que, inclusive, aliaram os fazendeiros dessa área a um incipiente processo de urbanização nas fímbrias da lavoura.

Isso, é claro, não interferia no processo de estruturação do quadro de trabalho da própria lavoura, essencialmente escravista. Sem dúvida, tendo iniciado sua expansão depois da extinção do tráfico - portanto numa etapa já adversa à especulação em escravos - a lavoura do Oeste passa a desenvolver uma tendência a reservar o braço escravo para as funções essenciais, empregando o trabalho nacional livre nas tarefas supletivas ou perigosas. Igualmente, multiplicam-se as tentativas para introduzir colonos europeus, o pagamento de cujas passagens era adiantado pelos fazendeiros. Colocados, porém, em fazendas já organizadas em base escravista, onde recebiam uma remuneração pautada pela rentabilidade do trabalho escravo, originavam-se freqüentes conflitos entre proprietários e colonos, que tornavam desvantajoso o sistema.

Em vista disso, a nova lavoura passa a insistir numa solução que lhe permitisse ao mesmo tempo poupar o investimento em escravos e garantir-se um braço barato: a entrada do trabalho semi-servil de cules (coolies, trabalhadores indianos e chineses) à custa dos cofres públicos.

Mas, enquanto fracassam essas tentativas, prossegue no Oeste, o sistemático suprimento de braço escravo, vindo de outras províncias. Por isso, durante a passagem da lei emancipadora de 1871, que encontra a oposição generalizada da lavoura de todo o país, é exponencial a resistência do Centro-Sul, em geral e especialmente do Oeste paulista.

Uma vez promulgada a Lei do Ventre Livre, porém, tendo sido o próprio investimento servil ferido pela depreciação, começam a se esboçar tentativas para dificultar a corrente de tráfico interprovincial, ao mesmo tempo que a administração passa a promover um programa de auxílio à introdução de imigrantes.

A abertura de uma terceira frente cafeeira provoca uma substancial mudança qualitativa na situação, conduzindo ao rompimento dos quadros restritos dessa política imigrantista. Com efeito, a lavoura mais nova do Oeste da Província de São Paulo, desenvolvida depois da lei de 1871 (quando decresce o interesse pelo investimento em escravos), tendia a se organizar na base do trabalho imigrante, e se voltava para as possibilidade propiciadas pelo surto imigratório italiano.

O colono, até então localizado supletivamente em lavouras já constituídas, passaria a ser empregado no cafezal em formação, vendo o seu salário acrescido com o usufruto das terras intercafeeiras. A introdução de imigrantes em famílias permitiria ao fazendeiro obter um suprimento de trabalho suplementar barato, fornecido pelos membros femininos e infantis, enquanto ao colono se tornava possível, através da cooperação da unidade familiar, um melhor aproveitamento das oportunidades de ganho.

Para o sistema funcionar a contento era, entretanto, necessário respeitar a mobilidade do colono, seja entre as fazendas, seja na direção dos núcleos urbanos. Esse fator, obrigando a uma contínua introdução de novos imigrantes, tornaria impraticável o esquema no caso do financiamento das passagens continuar cabendo aos fazendeiros. Além disso, a transferência dessa despesa para os cofres públicos devia influir favoravelmente sobre a oferta de braços, uma vez que o imigrante estaria liberto da necessidade de reembolsar o preço da passagem, vendo acrescida, portanto, a sua remuneração.

Com o sistema do imigrantismo em grande escala, subvencionado pelos cofres públicos, alterava-se radicalmente o enfoque corrente da matéria. Enquanto as administrações provincial e nacional encaravam o problema em termos de uma concessão de auxílios pecuniários aos fazendeiros para a introdução de colonos, a nova lavoura, ao invés, passava a interpretar a imigração subvencionada como alicerce de um abundante mercado de trabalho estrangeiro, que caberia aos poderes públicos proporcionar.

É à área responsável por essa proposta (área essa correspondente à Alta Mogiana), e cujo porta-voz era o líder imigrantista Martinho Prado Júnior, que chamamos de Oeste novo.

Em carta de outubro de 1877, registra Martinho Prado Júnior seu entusiasmo por São Simão e Ribeirão Preto. À vista da terra roxa, exclama: 'Campinas, Limeira, Rio Claro, Araras, Descalvado, Casa Branca, tudo é pequeno, raquítico, insignificante, diante desse incomparável colosso'.

E, de fato, a região constitui-se em novo centro de atração, a ela afluindo, além de fazendeiros de outros pontos da Província, grande número de proprietários provenientes de Minas Gerais. O distrito que Martinho Prado Júnior representa na Assembléia Legislativa Provincial, em 1882, inclui Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca, Ribeirão Preto, São Simão, Cajuru, Batatais, Franca. Casa Branca seria uma espécie de limite entre o Oeste antigo (Campinas, Limeira, Rio Claro, etc.) e o Oeste mais novo, o primeiro centrado em Campinas e o segundo em Ribeirão Preto.

Com os dois Oestes e mais o Vales, configura-se perfeitamente na Província uma constelação constituída de três áreas sócio-econômicas nitidamente distintas."

Fonte: BEIGUELMANN, Paula. A crise do escravismo e a grande imigração. São Paulo: Brasiliense, 3a.ed., 1982, p. 07-11. (Coleção Tudo é História)


sábado, 27 de janeiro de 2018

General José Antônio Mattos Netto - Zeca Netto


"Nasceu por volta de 1854, no atual 5o. subdistrito de Canguçu, no seio da família Mattos, a qual pertencia sua mãe Rafaela Mattos, mulher afeita às lides guerreiras, viúva de dois militares e no terceiro casamento com Florisbelo Neto, veterano farroupilha, irmão do general Antônio Neto. Era sobrinho do Ten. Cel. GN Theófilo de Souza Mattos que comandaria os canguçuenses na Guerra do Paraguai. Nasceu após a guerra contra Oribe e Rosas. Viveu em Canguçu até cinco ano de seu vilamento.

O Rio Grande já vivia o clima de guerra próxima que ocorreria em 1864-70, quando viveu a parte de sua juventude, dos 14 aos 20 anos.

Foi um autêntico campeiro e tapejara (conhecedor dos caminhos) do Rio Grande. 'Gabava-se de ser capaz de ir a cavalo de Camaquã até Montevidéu sem molhar as patas do seu cavalo'. Criou-se entre os Mattos e os Netos, destacados e tradicionais revolucionários do Decênio Heróico.

Sobre sua vida e obra, além do que já abordamos ao tratarmos da Revolução de 23, em Canguçu, dele escreveu nosso ilustre confrade Arthur Ferreira Filho e veterano dessa revolução do lado governista:

'José Antônio Neto, sobrinho do farroupilha general Antônio de Souza Neto, era abastado fazendeiro no município de Camaquã.'

Na Revolução de 93 comandou um corpo de patriotas castilhistas no posto de tenente coronel. Mais tarde rompeu com o chefe de seu Partido, sendo em 1923 dos primeiros a sair a campo contra o Governo de Borges de Medeiros. Sua coluna que se chamou '4a. Divisão do Exército Libertador', ficou famosa pela rapidez de movimentos com que, em parte, supria a deficiência de material bélico. E graças à grande mobilidade que imprimiu à sua tropa, logrou furtar-se a encontros decisivos com os coronéis Hipólito Ribeiro (filho) e Francelino Meireles que tenazmente o perseguiam.

Bateu-se vantajosamente no Passo do Mendonça, contra o coronel José Lucas Martins, conseguindo livrar-se do cerco que lhe preparava a Brigada Juvêncio de Lemos. Sempre perseguido de perto, o caudilho cruzou durante meses a região de suas proezas, Camaquã, S. Jerônimo, Canguçu, Encruzilhada, Pinheiro Machado, Pelotas, sem nunca de deixar surpreender.

Apenas uma vez, reprimido por Hipólito Ribeiro, viu-se obrigado a lutar em condições desfavoráveis, em Canguçu Velho, sujeitando-se a séria derrota.

Ali perdeu muitas praças e vários oficiais, escapando-se ele próprio a duras penas. Foi quase ao findar da Revolução que Zeca Neto realizou sua maior façanha. Surpreendeu e tomou a cidade de Pelotas, ocupando-a quase totalmente, por algumas horas, não obstante a valorosa resistência oposta pela pequena guarnição republicana. A ocupação de Pelotas não foi propriamente uma vitória militar, não apenas pela desproporção numérica, entre as forças atacadas, como porque fora incompleta e efêmera. A ocupação não alcançou toda a área da cidade, não conseguiu silenciar a totalidade dos pontos de resistência, e durou umas poucas horas, somente.

Mas fora, inegavelmente, um feito útil à Revolução, tanto pela repercussão política favorável, como porque, na rica cidade sulina, onde o caudilho contava com inúmeros simpatizantes, fácil lhe fora se abastecer dos víveres e munições de que carecia com premência.

Ademais, o fato de conseguir atacar a segunda cidade do Estado, sem que a Brigada Juvêncio de Lemos, o impedisse, deve ser levado a crédito de Zeca Neto, velho caudilho de setenta e dois anos, que assim dava provas de uma capacidade de agir e movimentar tropas que só deveria esperar de um fogoso guerreiro de trinta anos. Houve um momento, na Revolução de 1923, em que Zeca Neto, numa de suas meteóricas incursões, chegou a estar à vista da Capital do Estado, na atual cidade de Guaíba, naquele tempo chamada Pedras Brancas.

Registrou-se, então, considerável susto popular em Porto Alegre. As famílias recolheram-se ante a expectativa de um combate. Os estrategistas de cafés revisavam seus cálculos, enquanto os boatos de todas as cores fervilhavam nas ruas.

O velho Largo dos Medeiros manteve seu prestígio, fazendo-se o centro das informações alarmantes.

Já alguns governistas cumprimentavam com mal disfarçada subserviência, certos figurões da oposição, como quem aplaina o terreno para o futuro incerto.

Aníbal estava às portas de Roma.

Entretanto, a aproximação de Zeca Neto era de todo inofensivo, pois, mesmo que não houvesse o rio Guaíba pelo meio, restaria ainda a circunstância decisiva de não possuir o caudilho a menor condição material para atacar uma cidade bem guarnecida, como se achava Porto Alegre naquela ocasião.

Nem Zeca Neto pretenderia mais do que se mostrar à sede do Governo para efeito de prestígio e propaganda. Feita a paz de Pedras Altas, (14-12-1923), Neto voltou às atividades de fazendeiro, dedicando-se também ao aliciamento eleitoral para as fileiras da oposição. Mas, em face de novo surto de rebeldia no Estado, em 1926, não se conteve. Emigrou para o território uruguaio e lá reuniu apreciável grupo de companheiros à frente dos quais cruzou, de regresso, a fronteira rio-grandense, invadindo o Estado em tropel de guerra. Estava, então, com setenta e cinco anos de idade. Seu vigor físico era ainda perfeito, podendo, como demonstrou, montar a cavalo sem se utilizar dos estribos, mas já não encontrou ambiente para repetir as façanhas anteriores. Companheiros de valor, como Dario Crespo e outros da passada campanha, desta vez, não o quiseram acompanhar, e o caudilho se deixou cercar por indivíduos tais como João Castelhano, de tenebrosa memória. À sombra do nome caudilho foram praticados crimes repulsivos, como o degolamento do delegado de polícia de S. Sepé, Capitão da Brigada Militar, homem benquisto por gregos e troianos naquela cidade.

Zeca Neto já não podia conter os impulsos inferiores de seus comandados.

Essa campanha felizmente durou pouco. Depois de algumas escaramuças, o caudilho foi derrotado pelo coronel Hipólito Ribeiro e perseguido, sem quartel, pelo comandante de vanguarda do 'Destacamento Hipólito', tenente coronel Delfino Silveira, sendo obrigado a regressar à República vizinha, desanimado e sem condições para tentar novas aventuras.

Zeca Neto que era homem educado, de feitio aristocrático, gostando de trajar com elegância, deixara crescer a barba, prometendo não a raspar enquanto Borges de Medeiros estivesse no Governo.

Cumpriu a curiosa promessa, mas, para isso, teve que esperar até 1928, quando o estadista republicano venceu o último qüinqüênio.

Com a barba longa e grisalha, um tanto hirsuta, o caudilho apresentava não o aspecto de um bondoso avô, ou de um velho homem da ciência, mas o de um sanhudo veterano da Guerra do Paraguai.

Após a Revolução Constitucionalista, emergência em que o caudilho libertador ficou solidário com a ditadura de Getúlio Vargas, veio a exercer um lugar de direção no partido fundado e chefiado por Flôres da Cunha.

Como o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo, extinguindo os partidos políticos e proibindo qualquer atividade partidária, afastou-se para sempre da vida pública.

Viveu muito ainda. Conservou até o fim uma rara fortaleza de ânimo e acentuado espírito de luta.

Com mais de noventa anos, ainda exercitava, diariamente, no tiro ao alvo.

Aos que manifestavam estranheza, ante o treinamento bélico do general nonagenário, ele respondia com visível convicção:

'Ninguém sabe o que nos reserva o dia de amanhã."

Nota: Zeca Netto faleceu em 1947.

Fonte: BENTO, Cláudio Moreira. Canguçu reencontro com a História: um exemplo de reconstituição de memória comunitária. Barra Mansa/RJ: ACANDHIS/Gráfica e Editora Irmãos Drummond Ltda., 2007, 2a. ed., p. 267-271


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A invasão paraguaia no Rio Grande do Sul em 1865


"O plano original de Solano López foi mantido, sobretudo, no que se refere à invasão ao Rio Grande do Sul, mesmo com a destruição da marinha paraguaia no arroio Riachuelo. Em 10 de junho de 1865, aproximadamente 12 mil soldados paraguaios, comandados pelo tenente coronel Antonio de La Cruz Estigarribia, invadiram a província sulina.

No Rio Grande do Sul, o Império dispunha de 14.000 homens que, sob as ordens dos generais David Canabarro e João Frederico Caldwell, fizeram uma ineficiente resistência. Mesmo com essa relativa facilidade, boa parte dos soldados paraguaios não estariam plenamente alinhados com a operação. O historiador Wagner Jardim abordou sobre esse episódio:

Em 10 de junho de 1885, ao ingressarem em território brasileiro, é crível que morrer em combate era a última coisa que boa parte daquele Exército queria. São muitos os registros da falta de combatividade, de fuga ao confronto ou mesmo da rendição sem dar luta. Parte do Exército estava comprometida com as ordens de López, no entanto, os descontentes não seriam poucos.

Uma das forças, cerca de 3.000 homens comandados pelo major Pedro Duarte, ficou na outra margem do rio Uruguai para acompanhar o avanço da coluna maior do outro lado do rio; a outra, aproximadamente 7.500 combatentes sob a responsabilidade de Estigarribia, entrou no Rio Grande do Sul e partiria para o sul, costeando as águas do rio Uruguai.

O objetivo estratégico de Solano López ao invadir o Rio Grande do Sul era avançar até as proximidades de Porto Alegre, conquistar uma grande vitória e forçar um tratado de paz. Esperava igualmente conseguir mantimentos para abastecer seu Exército e, ao liberar o saque, pretendia consolidar o apoio às suas forças na guerra, já que a impopularidade do conflito era crescente.

A invasão do Rio Grande do Sul em São Borja iniciava o ataque ao Brasil em região de significativa povoação guarani e importantes manadas de gado vacum e cavalar, transportadas para o Paraguai. Ela teria como objetivo tático a destruição das forças de defesa da fronteira oeste, sob o comando geral do brigadeiro David Canabarro (1796-1867) e do comandante de armas da província sulina, o tenente-geral João Frederico Caldwell.

O cônego francês João Pedro Gay, testemunha ocular da invasão à vila de São Borja descreveu a reação da população da localidade com a investida paraguaia:

Seus habitantes, alguns em carretas, vários a cavalo, quase todos a pé se retiraram, quase unicamente com a roupa do corpo, abandonando suas casas, seus trastes e tudo que aí possuíam, julgando-se felizes de não caírem prisioneiros e de salvarem suas vidas. O desejo de cuidar do salvamento das principais alfaias da igreja, dos livros paroquiais e de alguns papéis manuscritos meus de importância, me fez, apesar do perigo, demorar minha retirada. Já choviam balas dentro da vila, já havia rebentado uma bomba ao lado da minha casa, quando já muito tempo depois do meio dia o Sr. Lacerda, juiz municipal, e o Sr. Marcos de Azambuja, encarregado do fornecimento das tropas de São Borja, penetraram no aposento em que me achava e, me conduzindo ambos por um braço, me obrigaram a montar a cavalo e a me retirar, sendo um dos últimos a fazê-lo.

A respeito dos saques na região, o conêgo Gay relatou:

No dia 16 [junho] de manhã e bem cedo chegou a expedição paraguaia à casa de D. Ana Joaquina Lopes de Almeida, viúva do Capitão Fabiano Pires de Almeida, a 7 léguas de São Borja. A casa, como todas aquelas que esta força encontrou na sua passagem, como a do Sr. Coronel Lago, do Tenente João Machado de Almeida e outros, foi completamente saqueada; e os trastes, quase todos quebrados, foram espalhados por baixo das laranjeiras, pela estrada e pelo campo.

As condições climáticas e geográficas da fronteira oeste do Brasil trouxeram inúmeras dificuldades para os soldados que combatiam. O rigoroso e chuvoso inverno de 1865, com temperaturas negativas inclusive, causou baixas nos soldados aliancistas e paraguaios. O militar Dionísio Cerqueira registrou o drama dos soldados sobretudo oriundos do norte do Brasil:

Os recrutas recém-chegados do norte do Brasil, não habituados aos rigores do inverno, excepcionalmente frio no ano de 1865, baixaram aos hospitais em grande número; e as fileiras rarefaziam-se rapidamente. Lembro-me de um luzido batalhão de voluntários paraenses que desapareceu vitimado pela brusca troca de clima cálido de sua terra pelo frio intenso de São Francisco e, provavelmente também, pela mudança de alimentação, quase exclusiva de carne muito gorda com a qual não estavam habituados. A disenteria, flagelo dos Exércitos em campanha, grassava intensamente e fazia inúmeras vítimas.

Na operação paraguaia, as tropas permaneceram alguns dias em São Borja, partindo para a vila de Itaque no final de junho daquele ano, sempre costeando as águas do rio. Entretanto, as instruções do Mariscal não foram seguidas:

O Exército comandado por Estigarribia e Duarte dirigiu-se para Itaqui, onde saquearam moradias e casas comerciais. As ordens de Solano López eram para que esperassem naquela localização suas instruções, já que possivelmente pretendia que marchassem para Alegrete. Descumprindo essas instruções, a coluna seguiu para Uruguaiana, onde entraram, em 5 de agosto, sempre acompanhada, na outra margem, por Pedro Duarte e seus homens, como observadores em maiores detalhes a seguir.

Em outro descumprimento das instruções de López, que havia ordenado, a seguir, apenas o abastecimento das tropas com víveres em Uruguaiana, os homens de Estibarribia, em virtude da parca defesa Imperial feita pelo comandante David Canabarro e o quase abandono da localidade pela população, acamparam no interior da vila:

As tropas paraguais, com fartura de alimento, 'esqueceram-se' das ordens de Solano López e novamente acamparam dentro da vila, uma decisão capital para o destino dos invasores. Após a ocupação da vila, a situação dos paraguaios sitiados começou a comprometer-se. Eram cerca de 7.000 homens para serem alimentados e, aos poucos, os provimentos escassearam, obrigando que matassem 'os bois de suas carretas, os cavalos de suas montarias' para alimentarem-se. Uma situação que tendia a agravar-se dia após dia, caso não chegasse o apoio esperado do Paraguai.

Os soldados aliancistas estavam reunidos na província argentina de Entre Rios, desde junho, na presença do comandante em chefe Bartolomeu Mitre que organizou a reação aos paraguaios. Poucos dias depois chegou o general Flores, com 6.000 homens, metade dos quais eram brasileiros. As forças argentinas também se iam reunindo ali, gradualmente. O general Osório, comandante dos brasileiros, já se encontrava lá, e as tropas brasileiras chegavam continuamente.

(...)

Logo após a vitória dos aliancistas em Yatay, começou as correspondências para negociair a rendição paraguaia em Uruguaiana. Porém, em um primeiro momento, o comandante Estigarribia preferiu morrer em combate que se render. Chegou a organizar uma falsa saída da vila, mas recuou e retornou a Uruguaiana.

Neste dia [19 de agosto], Estigarribia comandou saída de suas forças da cidade em direção à estrada de Itaqui. Foram, no entanto, interceptados pelas precárias forças de David Canabarro, que se encontrava às margens do arroio Imbaá, a cerca de dez quilômetros da cidade. Antonio Estigarribia, que na correspondência aos chefes aliancistas jurava vontade de combater ao invés de se render, voltou a Uruguaiana sem dar combate, jamais verdadeiramente perseguido por Canabarro.

Em Uruguaiana, os aliancistas contavam com aproximadamente 17.000 combatentes entre as três armas; já os paraguaios com cerca de seis mil homens, se encontravam em dificuldades, cercados, tanto por terra como pelo rio. Eles estavam divididos entre render-se ou resistir. As propostas dos aliancistas de rendição chegavam em correspondências seguidamente, sobretudo dos chefes superiores aliancistas e de grupo de legendários paraguaios que faziam oposição ao governo de Solano López de Buenos Aires.

Mais tarde, o comandante Francisco Isidoro Resquín registrou uma dessas correspondências negociando as condições de rendição:

Al siguiente dia [12 de setembro] volvió a intimársele la rendición proponiéndosele a la vez innumerables ventajas, antes de un derramamiento de sangre que seria estéril ante el poder de los aliados. Esta propuesta fue dirigida al comandante Estigarribia por conducto de Juan Francisco Decoud, uno de los jefes del comité revolucionario que como hems dicho funcionaba en la ciudad de Buenos Aires pos algunos paraguayos que se pronunciaron contra el gobierno de su pátria a favor de los intereses de la Tripli Alianza.

O comandante em chefe do Exército aliado Bartolomeu Mitre e Pedro II chegaram a Uruguaiana quando as negociações de rendição já estavam avançadas. A presença de Dom Pedro tem uma representação política e militar singular, pois ele se auto-intitulava o 'voluntário da Pátria número um'.

Em 18 de setembro de 1865, depos de negociar a rendição, as forças paraguaias, já abatidas e sem disposição para guerrear, se renderam. Foram feitos prisioneiros 5.545 militares paraguaios, sendo 59 oficiais, divididos entre os aliados."

Fonte: COUTO, Mateus de Oliveira. Tribunais de Guerra: castigos e punições nas forças imperiais durante a Campanha contra o Paraguai (1864-70). Tese de Doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, PUC/RS, 2016, p. 79-83


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Álvaro José Gonçalves Chaves


Por Fernando Osório

"Nasceu em Pelotas, a 13 de setembro de 1861. Ramo pujante de uma árvore genealógica de vigorosa seiva. De seu ilustrado avô, Antonio José Gonçalves Chaves, de quem, por vêzes, se falou neste ensaio, e de seu pai o Dr. Antônio José Gonçalves Chaves (a cuja memória ilustre foi dada à antiga Rua Jatahy, como homenagem, a denominação - Gonçalves Chaves) herdou nobilíssimas faculdades de trabalho, de espírito e de caráter. 

Formado em Direito pela Faculdade de S. Paulo, em 1883, e lançado na vida pública, o talento forte e singular do jovem pelotense procurou dar forma ao seu ideal de liberdade e humanidade. Nestas condições, foi o fundador do Clube Republicano 20 de Setembro e redator-chefe de 'A República', de S. Paulo; um dos organizadores do Partido Republicano Pelotense, e um dos mais generosos e extremados propagandistas da abolição da escravatura. 

Promotor e membro da comissão que, em 1888, erigiu a Coluna Domingos de Almeida, no Areal, em Pelotas (Costa), considerada o primeiro monumento publicamente, no Brasil, consagrado ao ideal republicano, no regime monárquico. Foi um dos fundadores e redatores de 'A Federação'. Ao lado de Saldanha Marinho foi o verdadeiro reorganizador do Partido Republicano do Rio de Janeiro. Aí, em 20 de agôsto de 1885 fundou, ao lado de seus irmãos, os ilustres Drs. Bruno e José Chaves e de Romaguêra Corrêa, o Clube Republicano Sul-Rio-Grandense, que ao depois foi um dos melhores esteios do abolicionismo, e logo a 'Revista Federal', órgão doutrinário, que sustentou-se cêrca de dois anos.

Excursionou pelo Paraná e pelo interior do Rio Grande levantando a orientação republicana. Achando-se doente, seguiu para a Europa, e em Paris, teve a notícia da proclamação da República no Brasil, e regressou, vindo pela Espanha. Realizou, então, em Madrid, sob auspícios do notável Py y Margall, uma conferência política, memorável.

Recolheu-se ao lar e quando sua capacidade ia ser chamada para a colaboração junto ao novo regime, aqui faleceu em 22 de fevereiro de 1890. Prestou serviços a Pelotas; ainda persiste na lembrança dos contemporâneos o brilho de suas conferências políticas. Morreu muito moço, como se vê, mas teve a felicidade de ver, pouco antes de cerrar os olhos para sempre, realizados os seus sonhos: a abolição da escravatura negra, pela Lei de 13 de maio de 1888 e a redenção dos escravos brancos pela proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Foi uma das mais risonhas esperanças que já floresceram em terras do Rio Grande."

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Feijão de Bolanta do Passo das Pedras


Bolanta é um tipo de habitação móvel encontrada no Rio Grande do Sul, que se assemelha a uma casa de madeira com rodas. Serve como abrigo a trabalhadores rurais (peões) que necessitam se deslocar de um lugar para outro em grandes distâncias. Essa receita recolhida oralmente foi encontrada junto a um "bolanteiro" da localidade de Passo das Pedras, município de Capão do Leão, Rio Grande do Sul. Preferencialmente, é um prato de inverno.

Ingredientes:

Feijão preto (o quanto baste, normalmente a quantidade normal para uma refeição)

Cebola (o quanto baste)

Alho (o quanto baste, mas não demais para não ficar marcado o sabor)

Pimentão (o quanto baste)

Caldo instantâneo de sua preferência

Um pedaço médio de bacon

Abóbora (o quanto baste)

Carne de ovelha assada (o quanto baste)

Sal a gosto

Preparo:

Após deixar o feijão de molho por umas duas horas, inicie o processo normal de cozimento na panela de pressão do feijão temperado somente com sal e alho picado, coberto com água.

Depois de 15 minutos após o início da fervura, retire o feijão do fogo e junte a cebola, o pimentão e o bacon picados ao feijão mais um cubo do caldo de sua preferência. Retorne ao fogo e acrescente um pouco mais de água.

Corte a abóbora em pequenos cubos. Pegue o pedaço de carne de ovelha assada e igualmente corte em pequenos pedaços de sua preferência. Junte a abóbora e o carne de ovelha em picadinho ao feijão. Espere ferver mais uns 15 minutos e está pronto.

O "Feijão de Bolanta" fica melhor acompanhado com uma boa pimenta e pão-d'água (pão francês).

Obs.: recomenda-se usar um pedaço de carne de ovelha relativamente "magro" para não tornar a receita muito gordurosa.




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...