terça-feira, 21 de março de 2017

Sesmaria do Pavão



Trecho extraído de: GUTIERREZ, Ester J.B. Negros, charqueadas e olarias: um estudo sobre o espaço pelotense. Pelotas/RS: Ed. Universitária/UFPel, 2001, p. 57-61

"Na estância do Pavão, uma das propriedades do brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, chegaram a funcionar uma charqueada e uma olaria. Conforme informação contida no levantamento realizado em 1785, pelo capitão Antônio Ferreira dos Anjos, a fazenda resultou num somatório de seis sesmarias contíguas, doadas em 1780, e que foram adquiridas pelo brigadeiro Rafael Pinto Bandeira. No momento da compra, a área totalizava nove léguas quadradas [39.204ha].

Em 1807, nos autos da Medição mandada executar pela viúva do brigadeiro, Josefa Eulália de Azevedo, e por seu segundo marido, desembargador Luís Correa de Bragança, a área da propriedade somou 12 léguas e 855 braças superficiais [52.272ha e 4.138m²], sem contar as áreas alagadiças da margem do São Gonçalo e São Tomé, até o sítio da Estiva.  Os limites naturais da estância de Rafael Pinto Bandeira eram o canal São Gonçalo, os dois arroios Pavão, chamados, no início de seu curso, de Contrabandista e São Tomé, ou Padre-doutor, e, pelo interior, o Capão do Boquete, nas imediações do Serro da Buena.

Dos seis campos que formaram a estância do Pavão, cinco foram concedidos pelo governador José Marcelino de Figueredo, no dia 1º de abril de 1780. O terreno restante foi doado pelo governador Sebastião da Veiga Cabral, em 28 de dezembro de 1780, a José Miranda de Oliveira. Esta sesmaria tinha uma légua em quadro [4.356ha] e estava situada entre o arroio Moreira e o Serro.

As cinco áreas concedidas em 1º de abril pertenceram aos seguintes proprietários: alferes Antônio V. Feijó, com uma légua [6.600m] de comprimento, por meia [3.300m] de largura, entre o passo das Pedras e o arroio que dividia a invernada do sargento-mor Roberto Roiz;  Francisco Antunes, com uma légua em quadro [4.356ha], entre o arroio da Estiva e o Pavão; cabo de dragões Manuel Joaquim de Barros, com uma légua [6.600m] de comprimento e meia [3.300m] de largura, situada à direita do passo do Pavão; capitão Joaquim José de Proena, com duas léguas [13.200m] de comprimento e uma [6.600m] de largura, nos fundos do serro Pelado; Leocádia Joaquina de Lima, com duas léguas [13.200m] de comprimento e meia [3.300m] de largura, entre a serra e o sangradouro da Mirim; tenente de dragões Joaquim de Souza Soares, com uma légua em quadro [4.356ha], entre as terras do major Roberto e do reverendo Pedro Pereira. 

No levantamento executado pelo capitão Antônio Ferreira dos Santos, em 1785, na estância do Pavão, Pinto Bandeira possuía os seguintes animais: 6.000 reses; 100 bois; 300 cavalos; 2.000 éguas e 90 ovelhas. No inventário de João Nunes Batista, proprietário da fazenda, charqueada e olaria do Pavão, realizado em 1823, os campos estavam povoados com 8.000 reses de criar; 600 ditas leiteiras; 92 bois mansos; 178 cavalos mansos; 32 [ilegível]; 20 potros; 407 éguas e três mulas velhas.

Alberto Coelho da Cunha, filho do charqueador Barão de Correntes, republicano, abolicionista, funcionário municipal, historiador e pelotense, conhecido pelos pseudônimos de Vítor Valpírio e Jatyr, na Revista do Partenom Literário, escreveu no jornal A Opinião Pública, de 4 de agosto de 1929:

Entregue à Dona Josefa Eulália de Azevedo e às suas duas filhas, os quinhões que lhe vieram a caber, já ficou, por essa ocasião, a grande fazenda retalhada em três. Posteriormente, vendidas, das subdivisões desses quinhões hereditários, formaram-se diversas estâncias.
Essa informação não coincide com as que constam no inventário do português João Nunes Batista, proprietário da charqueada e estância do Pavão. No documento, a área de estância era de dez léguas quadradas [43.560ha]. Foram seus herdeiros a viúva, Joaquina Maria da Silva, e seus oito filhos menores.

Em 1º de outubro de 1810, a viúva de Pinto Bandeira, Josefa Eulália de Azevedo, e seu segundo marido, Luís Correa de Bragança, fizeram doação a João Inácio de Azevedo, respectivamente seu irmão e cunhado, de uma área com 4443100 braças quadradas [91.780ha]. Em 15 de junho de 1825, este vendeu a Joaquim Francisco Ilha. Vinte seis anos mais tarde, quando do inventário de Joaquina Maria da Silva, a área estava reduzida a duas e meia léguas quadradas [10.890ha] de campo da estância do Pavão, incluindo alguns banhados transitáveis; um banhado ainda inacessível, que fazia parte da mesma estância, de aproximadamente meia légua quadrada [21.780ha]. Nos dois inventários, acrescentavam-se três das quatro partes da ilha denominada Pavão, junto à estância de mesmo nome, que tinha a extensão de mais ou menos meia légua [21.780ha]. Com a morte da rio-grandina Joaquina Mª da Silva, a estância foi dividida entre os oito herdeiros.

(...)

O programa de necessidade da estância do Pavão era o seguinte: uma morada de casas de vivenda e cozinha, coberta de telhas e paredes de tijolos, em que vivia o casal, em mau estado; junto a essa, uma outra casa pequena, velha, de tijolos e telhas; perto das casas, um pomar, cercado, com algum arvoredo; dois galpões cobertos de capim e dois potreiros limitados por valos, arrombados em algumas partes. No lugar chamado de Boa Vista, onde morava o co-herdeiro Francisco Gonçalves Vitorino, existiam: dois galpões cobertos de capim, uma mangueira de pedra e uma casa de paredes de pedras, e que na época do primeiro inventário estava coberta de capim, e, quando do segundo, era coberta com telhas de barro.

A charqueada e a olaria foram construídas no mesmo lugar, às margens do arroio do Pavão. Compreendiam um galpão grande coberto de capim; dois menores, também cobertos de capim; uma casa pequena, que servia de residência ao capataz; um forno e galpão de olaria, coberto de capim; uma cancha com duas mangueiras para encerrar o gado de pau-a-pique [mangueira de matança]; uma tafona [para moer sal] e duas mesas de salgar, um potreiro e uma graxeira com dois vapores.
A máquina a vapor foi inventariada no processo da viúva, realizado em 1849, o que não ocorreu no levantamento dos bens de João Nunes Batista, realizado no ano de 1823. Essa foi a grande diferença entre as instalações dos saladeiros do Colla, em 1788, e de João Nunes Batista, em relação à charqueada de Joaquina Maria da Silva.

Com base no que foi descrito nos estabelecimentos charqueadores, foi possível resumir, preliminarmente, um esboço sobre o programa de necessidades, materiais e técnicas de construção utilizados no espaço da produção do charque: a olaria fazia parte da área destinada à atividade charqueadora; os galpões abrigavam a maior parte das funções; desde o início, na charqueada do Pavão, o abate não era feito a campo aberto, mas, em local construído especialmente para esse fim, a mangueira de matança; os materiais e técnicas usadas nas primeiras construções foram a cobertura de capim e as paredes de pau-a-pique e, em menor número de vezes, a alvenaria de pedra; com o tempo, esses materiais foram sendo substituídos por elementos de barro.

Esses materiais foram sendo substituídos por elementos de barro. Telhados e paredes de alvenaria de tijolos foram empregados nas construções importantes, como a residência do charqueador; a morada do proprietário estava localizada no mesmo terreno, mas, em um outro conjunto de construções, afastada do lugar da produção da carne salgada. Esse grupo era formado por um pomar e outros prédios de apoio, como moradia, galpões, potreiros, etc. A presença da máquina de vapor foi um salto na qualificação do processo de trabalho e, conseqüentemente, do produto."



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