quinta-feira, 20 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte IV

Os Trabalhadores da Pedreira
Inicialmente, foi absorvida mão-de-obra local, visto que já naquela época o Capão do Leão possuía pedreiras em funcionamento, mesmo que de modo ainda artesanal.
Junto com a Companhia Francesa, vieram engenheiros e técnicos franceses. Porém, a Companhia trouxe consigo também trabalhadores europeus de várias nacionalidades, sobretudo italianos[1]. Para a seção ferroviária, entretanto, boa parte era belga – empregados da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Logo, a oferta de trabalho chamou a atenção de gente da região e de todo estado. Junto vieram estrangeiros que chegavam ao Brasil pelos portos de Pelotas e Rio Grande. A demanda de mão-de-obra foi tamanha que pessoas oriundas da agricultura e da pecuária, sem intimidade nenhuma com a pedra, se aventuraram no ofício[2].
Conforme foi aventado, foram encontradas as seguintes procedências dos trabalhadores da Pedreira: Brasil, França, Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Itália, Rússia, Romênia, Hungria, Uruguay e Argentina. Os dois últimos países foram bastante fornecedores de mão-de-obra, especialmente porque possuíam uma tradição reconhecida em serviços de cantaria. A Companhia Francesa chegava a recrutar em seus lugares de origem canteiros para as pedreiras de Monte Bonito e Capão do Leão.
Embora a presença da Companhia Francesa tenha gerado um número expressivo de empregos no Capão do Leão, o quotidiano dos primeiros trabalhadores não era nada fácil...
Ocorreram inúmeros acidentes nos primeiros anos, sobretudo devido à segurança precária da época e à imperícia de alguns (lembre-se que muitos jamais tinham trabalhado em pedreiras). Houve também vários acidentes fatais como soterramentos, esmagamentos, desastres com dinamite, atropelamentos pelo trem e uso incorreto do maquinário, entre outros. Não por acaso, a criação do Cemitério Municipal Santa Tecla (parte velha) ocorrera em 1911.[3]
A jornada de trabalho era rigorosa, com dez a doze horas diárias de lide. No caso da seção ferroviária, trabalhava-se também até quase dez horas da noite. No auge da expedição de pedras para as Obras dos Molhes da Barra, a única folga semanal acontecia nos domingos à tarde.
Tanto no Monte Bonito, quanto no Capão do Leão, jovens eram empregados principalmente como auxiliares e carregadores de ferramentas[4]. Alguns tinham tenra idade como 11, 12 e 13 anos – algo que não era incomum naquele tempo.
Embora existissem médicos[5] e enfermeiros contratados pela Companhia, os trabalhadores acidentados não tinham nenhum tipo de assistência caso ficassem temporária ou definitivamente inválidos.

O Sindicato dos Canteiros
Devido ao trabalho exaustivo, às condições precárias de segurança e ao baixo ordenado, os trabalhadores da Pedreira não tardaram em protestar. Em 1911, ocorreu a 1ª. greve dos canteiros, que foi repelida pela autoridades locais (5º. Posto da Polícia Administrativa de Capão do Leão).
Com o apoio e influência da Liga Operária Pelotense e devido a presença de trabalhadores italianos, espanhóis e portugueses na Pedreira, foi criado, em 15 de Novembro de 1913, o Sindicato dos Canteiros e Trabalhadores em Pedreiras do Capão do Leão. A 1ª. reunião para criação do sindicato sucedeu-se no Largo da Estação Férrea do Capão do Leão (atual Praça João Gomes) e estiveram presentes cerca de 220 trabalhadores, dos quais cerca de 180 prontamente aderiram. Um mês e meio depois, o sindicato já contava com cerca de 250 filiados.
O Sindicato dos Canteiros seguia explicitamente a ideologia anarco-sindicalista, tendo sido filiado à Federação Operária do Rio Grande do Sul, à Federación Sudamericana de Picapedreros e à Associação Internacional dos Trabalhadores. Os líderes do sindicato participaram ativamente de congressos operários no Estado e fora. O Sindicato dos Canteiros mantinha articulações constantes com outras entidades congêneres.  Aliás, certa solidariedade de classe sempre marcou os canteiros em seu ofício. Em 1915, ao chegarem trabalhadores contratados em Tandil, Argentina, estes souberam que ocupariam as vagas de recentes demitidos por ocasião de uma greve, "e partiram no mesmo vapor que os trouxera".
Em 1918, após a eclosão da revolução bolchevique na Rússia, doze trabalhadores da Pedreira embarcaram no Porto de Pelotas em direção aquele país, muito possivelmente para lutarem pelo ideal operário[6]
Embora perseguido e reprimido, o Sindicato dos Canteiros subsistiu até o fim da presença da Companhia Francesa em Capão do Leão (1919). Isso porque não reuniu somente trabalhadores da Pedreira do Cerro do Estado, porém agregou com o tempo outros canteiros de diversas pedreiras no Capão do Leão. Também travou batalhas importantes na época da Companhia Americana (décadas de 1920 e 1930). Declarado ilegal como o Golpe do Estado Novo, em 1937, assim como todas as organizações sindicais brasileiras, o Sindicato veio a ser substituído por uma unidade da Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores nas Indústrias de Rio Grande[7] que funcionou até o início da década de 1950 e tinha como sede a Casa no 34 da Área da Pedreira.

A Saída da Companhia Francesa
A Pedreira de Monte Bonito teve sua exploração de maio de 1911 a janeiro de 1915, enquanto a Pedreira de Capão do Leão continuou seus trabalhos até 1919. O fechamento da Pedreira de Monte Bonito foi ocasionado pela eclosão da 1ª. Guerra Mundial, o que obrigou a Companhia Francesa a reduzir despesas. Ainda em 1915, foram inaugurados os Molhes e o Novo Porto em Rio Grande, o que não cessou a necessidade da exploração de rochas, dado a questão da manutenção permanente do complexo portuário. Curioso é que, aquela pedreira que deveria ter sido “auxiliar” aos trabalhos da Pedreira de Monte Bonito, suplantou a matriz e tornou-se a principal.
                Em 29 de Setembro de 1919, o Estado do Rio Grande do Sul realizava a encampação da Companhia Francesa, incorporando todo o seu ativo ao patrimônio público estadual. A Pedreira do Capão do Leão foi, pois, incorporada à Direção Geral do Porto e Barra de Rio Grande.
A grande maioria dos funcionários da Pedreira foi exonerada e recebera uma indenização pela demissão, além de uma boa parte que simplesmente partira sem deixar rastro. Durante os anos de 1920 a 1925, a produção da Pedreira foi expressiva de igual maneira, porém sem os índices extraordinários da época da Companhia Francesa.



[1] Os italianos possuíam tradição em serviços de cantaria e, segundo dados da pesquisa, é possível intuir que já haviam trabalhado em outros empreendimentos na Europa.
[2] Alguns chegavam, eram contratados, porém não conseguiam ficar mais do que um mês nas obras.
[3] Embora o Cemitério Municipal Santa Tecla tenha sido criado inicialmente para a elite, logo operários mortos na Pedreira passaram a serem enterrados ali, pois o custo do translado de cadáver para Pelotas era muito caro para o trabalhador comum via trem – que era o transporte mais usado na época.
[4] Eram os chamados “bochas”. Esta ocupação existiu na Pedreira do Cerro do Estado até a década de 1960, aproximadamente.
[5] Um destes médicos aqui prestador de serviços à Companhia Francesa era o napolitano Eduardo Olindo Sicca – nome de um logradouro municipal importante.
[6] Esta foi uma das informações mais sensacionais que encontrei sobre o Sindicato. Entretanto, não foi possível identificar se foram estrangeiros ou brasileiros que daqui partiram.
[7] Criada em 1942, a Cooperativa funcionava principalmente como fornecedora de gêneros alimentícios e de primeira necessidade aos trabalhadores da Pedreira, com a vantagem do menor custo. Havia uma caderneta individual onde o trabalhador acompanhava seus gastos, sabendo assim o quanto iria ser descontado de seu ordenado no final do mês.

Um comentário:

B. Farias disse...

Interessantíssimo, Joaquim! Parabéns!
Por acaso você achou alguma coisa nesses registros sobre as benfeitorias no "túmulo do enforcado"?
Abraços

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