A violência fora do contexto do campo de batalha acompanha as guerras. O Rio Grande do Sul diretamente envolvido com a Guerra do Paraguay é palco de suas consequências. Por isso separamos estes preciosos apontamentos sobre o tema.
Trechos que extraímos da obra de: DOURADO, Maria Teresa Garritano. A História esquecida da Guerra do Paraguai: fome, doenças e penalidades. São Paulo, Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social, Depto de História, USP, 2010.
Interessante a correlação com a Lenda do Baú de Moedas de Ouro publicada neste blog em março de 2010. Leia!
"Provavelmente algumas medidas eram tomadas quando havia reclamação das
pessoas lesadas. É preciso enfatizar que em tempo de guerra não só os soldados praticavam
saques e roubos; a população, de um modo geral quando fugia do invasor, deixava suas casas
abandonadas, sendo estas frequentemente saqueadas por moradores da região. O Padre Gay
relatou casos de saques nas Vilas de Itaqui e São Borja, praticados por paraguaios, mas que
era impossível dizer e saber quais foram os autores de tamanhas desordens. 552 Desertores,
malfeitores e saqueadores brasileiros percorriam estâncias e casas abandonadas roubando e
destruindo tudo que podiam e que foi deixado pelas forças paraguaias. Esclarece o Padre Gay,
que foi determinado o saque de Itaqui, no dia 12 de junho de 1865 sendo feito unicamente
pelo Frade Duarte, que lançava sua bênção à entrada das casas, para purificar as pisadas dos
perros brasileiros e pelo Coronel Estigarribia, que recebeu instruções para entregar as vilas ao
saque de seus soldados, devendo elas ser franqueadas aos oficiais e ao exército somente no
dia 13, sendo preparadas umas 50 carretas para receber os objetos mais preciosos e que foram
levados ao Paraguai.
É interessante observar que, quando os soldados estavam em outro País, o saque, o
roubo, a destruição e o vandalismo eram mais intensos e, de um modo geral, não eram
coibidos, certamente não eram penalizados e posso afirmar até que eram aceitos como atos
normais em situações bélicas. As cartas do Marechal Câmara a sua esposa, Maria Rita, dão
uma ideia de que no território inimigo, quem achasse era dono e podia ser tomado à vontade.
Numa delas, por exemplo, ele comunicou que vai enviar para ela um rosário que estava nas
mãos de uma imagem de Santa Rita e, aos dois filhos Felipe e Alfredo, duas condecorações
encontradas no carro do López. Noutra carta informou que “tenho um Menino Jesus, que
encontrei no acampamento do Galeano, feito de madeira, muito pequenino, que guardarás
para ti.” Numa última carta avisou que “o Juca leva-te uma peça de morim para camisas
dos meninos e umas velas feitas de carvão de pedra, que pertenciam ao López, fabricadas em
Assunção” . (p 173-174)
"Dionísio Cerqueira relembrou detalhadamente o caso de dois soldados brasileiros
que foram castigados com espada de prancha, pelo assalto a um oficial argentino para roubar,
crime para o qual estava prevista a pena capital no 18º artigo de guerra, e que não foram
levados a julgamento pela Justiça Militar. Declarados mortos pelo médico, possivelmente na
tentativa de salvá-los, reapareceram tempos depois para espanto de seus companheiros. O
próprio Cerqueira justificou que os generais comandantes do Corpo do Exército, impedidos
de aplicar a pena de morte, que era uma prerrogativa do Imperador, preferiam a punição
imediata em lugar de deixar a questão a cargo do tribunal que se arrastava em longas
discussões, alegando que a demora na aplicação da justiça enfraqueceria os princípios de
autoridade, disciplina e respeito mútuo entre superiores e inferiores." (p. 177)
"O clima de oposição foi frequente contra os brasileiros, constatado através de uma
tentativa de extermínio contra a Brigada Netto. Os vendedores correntinos Pedro Galazza e
Eloy Medina entraram no acampamento vendendo pão com vidro moído, o que acarretou
graves doenças em todos os soldados que o comeram, sendo medicados pelo 2ºCirurgião da
Brigada, Dr. Ulisses Pontes. Os comerciantes foram presos e enviados para Buenos Aires,
sendo posteriormente soltos porque o Dr. Molina, cirurgião do exército argentino, declarou
que tendo feito experiências não encontrou no pão apreendido nenhuma substância prejudicial
à saúde. Entre a afirmação de um médico e a negativa de outro, salvaram-se os réus." (p 178)
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