sábado, 29 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte IX

O Novo Potencial da Pedreira
Em 1996, após anos de gradual paralisação das atividades da Pedreira concernentes ao D.E.P.R.C. e as normais aposentadorias, o número de servidores encontrava-se reduzido a 22 trabalhadores. Em reportagem do jornal “Folha da Cidade”, de Rio Grande, é exposto a situação de total abandono do setor e o fato de os funcionários terem que se ocupar com a limpeza e a manutenção do local apenas. Isto é, funções para as quais não foram contratados. Nos dois anos seguintes, através do programa de demissão voluntária do Governo do Estado, o número de funcionários diminui ainda mais. Parte dos que ficaram foram cedidos a escolas estaduais, ocupando-se em serviços de vigilância[1].
O que se tornou realidade é que a Pedreira do Cerro do Estado não iria mais ser explorada por uma autarquia pública. No máximo, os serviços de limpeza e guarda ainda subsistiriam. A partir de então, a Pedreira, por seu incontestável legado cultural, econômico e histórico passou a ser vista pela comunidade através de uma nova ótica: o seu potencial turístico.
A elevação granítica de cerca de 125 metros de altitude possui excelentes paisagens naturais, relevante conjunto patrimonial de valor histórico, além de não estar numa zona deveras afastada do centro municipal. Algumas iniciativas de resgate histórico e de valorização cultural da área foram surgindo a partir do ano 2000. Em 2004, ocorreu a primeira edição da festividade “Sonho de Natal” – evento realizado em dezembro com várias atrações musicais e artísticas, incluindo a encenação de um auto comemorativo. No carnaval deste mesmo ano, o G.R.E.S. Formandos da Pedra (que é oriundo da comunidade do Cerro do Estado) apresentou nos desfiles de Carnaval da cidade um enredo com tema alusivo à Companhia Francesa na Pedreira. Estudos da Faculdade de Arquitetura da UFPel e trabalhos de consultores independentes já apontaram a evidente potencialidade turística do local, bem como atividades de extensão da Emater buscaram desenvolver o trade turístico na comunidade.  O Departamento Municipal de Cultura, Desporto e Turismo propôs a realização de um trilha de trekking aproveitando o antigo traçado da linha férrea entre o Teodósio e o Cerro do Estado. Em 2009, vinte e seis turistas provenientes de Pelotas, Rio Grande e São Lourenço do Sul, em excursão promovida pela Terrasul Viagens visitaram o lugar, em atividade realizada em parceria com a Casa de Cultura Jornalista Hipólito José da Costa, pelo projeto “Agentes Locais de Turismo”. Inúmeras articulações na esfera político-institucional têm sido feitas nos últimos anos, almejando cada vez mais a exploração racional e democrática deste espaço de tanta significância para a História de Capão do Leão.



[1] A Escola Presidente Castelo Branco, no centro do município, foi um exemplo.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VIII

A “Privatização” da Pedreira
A década de 1960 ainda foi marcada por uma boa produtividade média para a Pedreira, porém já começava a se observar sinais de certo sucateamento das instalações e das casas de moradia. Clemente Martins Martinatto, um dos administradores mais marcantes da história da PCL e que exerceu sua função na época concluía num dos seus relatórios (no caso, Anual de 1970):
“E assim procedendo, verificando através de seis anos que aqui estamos e comprovando por observações realizadas em relatórios de outras administrações, a conclusão é pouco lisonjeira, uma vez que aqui é notado o decréscimo metódico da produtividade, salvo em casos esporádicos.”
“No entanto, é bom que se note, também o material humano, que representa a mão de obra, sofreu o declínio sistemático, quer em qualidade como em quantidade.”
Para Martinatto, o descaso com a Pedreira acontecia em parte pelo desinteresse expresso do D.E.P.R.C. e, por outro lado, por uma tendência em transmitir a particulares ou a outros órgãos “frentes de ataque” da área para a exploração de rocha. Algo que, segundo a ótica de autoridades da época, poderia unir menores custos e melhores benefícios em termos de produção. Em 1962, parte da Pedreira foi arrendada ao empreiteiro Marcos José Corcioni[1].
Entretanto, foi durante a década de 1970 que duas empresas envolvidas com iniciativas de grande vulto estabeleceram-se no Cerro do Estado. Em 1971, em função das obras de prolongamento da rodovia BR-116, no trecho Pelotas-Jaguarão, a STERSUL S/A foi autorizada a extrair rochas e pedra britada do local. Em 1974, a SULTEPA S/A passou a operar no Cerro do Estado, com o mesmo propósito de extração de material para construção e manutenção de rodovias.

Avanços e Retrocessos
Paralelamente, a área da Pedreira sofreu alterações importantes. Por ocasião da realização da 5ª. Convenção Brasileira de Administrações Portuárias, em 1968, o Governo Federal em parceria com o Governo do Estado iniciou um grande projeto para modernização dos portos de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Como a Pedreira do Cerro do Estado possui ligação inequívoca com o último e também importante com o penúltimo, a mesma foi contemplada com a retomada de investimentos. A partir de 1972, foram adquiridas máquinas novas, concluiu-se a construção de um Ambulatório (benfeitoria almejada por cerca de dez anos e que teve a relevante ajuda da Associação dos Hidroviários de Rio Grande) e um Engenheiro passou a residir no local, passando igualmente a responder pela administração. No mesmo ano, a antiga Usina Elétrica foi desativada e a energia passou a ser fornecida pela Companhia Pelotense de Eletricidade. Consequentemente, para viabilizar o fornecimento de eletricidade dentro da área de exploração, foi construída a Sub-Estação próxima à Ferraria. Em 1974, nova estrada de acesso à Pedreira foi aberta e também inaugurado novo depósito para combustíveis.
Contudo, esse período fora breve em sua prosperidade. Com um grande número de aposentadorias acontecido no biênio 1975/1976, o quadro geral de funcionários diminuiu consideravelmente. Dos cerca de 80 servidores que a Pedreira contava no início da década de 1970, somente 25 restavam em 1980. Com a criação da Portobrás (empresa pública federal encarregada de manutenção de portos) em 1977, houve a expectativa de melhorias nos anos subseqüentes.
Em 1979, devido à urgente recuperação do Molhe Leste da Barra, o processo de investimentos na Pedreira tomou novo fôlego. Em 1980, chegaram uma carregadeira, um trator de esteiras, um caminhão basculante, um compressor elétrico e uma perfuratriz, todos adquiridos pela Portobrás. Na linha férrea, foram trocados 6.720 dormentes e houve recuperação de uma das locomotivas (paralisada devido a um acidente na região do Teodósio). Em 1981, novamente foram contratados funcionários (dezenove ao todo) – aliás, última vez até então.
Apesar disso, é importante observar que a presença de arrendatários na Pedreira permaneceu constante, tendo a exploração na Pedreira ainda subsistido devido à demanda da manutenção da Barra. Quando esta não existia, ou encontrava-se paralisada, o quotidiano de trabalho na área consistia em atender outras solicitações, oriundas de órgãos públicos. Em maio de 1985, por exemplo, houve problemas no sistema de transbordo de rochas para a 5ª. Secção da Barra, em Rio Grande. Até pelo menos meados do ano seguinte (outubro de 1986), quando este problema foi finalmente resolvido, o movimento de trens rumo à Rio Grande foi praticamente casual.
O sucateamento da autarquia responsável – no caso, o D.E.P.R.C. – foi algo determinante na época. A própria autarquia reconhece, em relatório interno de 1983, que já não tem condições sequer de dar o devido cuidado à manutenção da Barra, apelando à intervenção federal, isto é, a Portobrás. Os reflexos na Pedreira do Cerro do Estado foram evidentes. Em 1987, parte do próprio maquinário da Pedreira é transferida para Rio Grande, seguindo-se esta tendência em anos posteriores. Em maio de 1993, oficialmente é desativada a linha férrea. No mesmo ano, em dezembro, um consórcio de companhias representado pela SULTEPA S/A assume a exclusividade de exploração da Pedreira. O fato de empresas particulares serem responsáveis por tal empreendimento é algo que permanece até os dias atuais.



[1] Especificamente, este foi o 1º. caso de arrendamento na “Era Deprc” da Pedreira.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VII

O Governo Leonel Brizola e o Golpe de 1964
O conseqüente período de prosperidade da Pedreira nas décadas de 1940 e 1950, também foi marcado por uma gradual politização entre os graniteiros, que passaram a estar mais conscientes de sua situação e de seus direitos. Aliás, isso não era exclusividade dos graniteiros, naquela época, principalmente em função do trabalhismo de Getúlio Vargas. Várias categorias assalariadas, como os ferroviários, por exemplo, também estavam se organizando. Lembre-se também, que o ex-4º. distrito de Pelotas, elegeu anos a fio, como seu representante no Legislativo um político[1] com ligações ao PTB histórico.
No tocante aos graniteiros esta politização tomou mais impulso ainda durante o governo Leonel Brizola (1959-1962) no Estado do Rio Grande do Sul. Celebrizado por suas posições progressistas durante o mandato, Brizola arraigou verdadeira legião de seguidores com a sua ideologia trabalhista que pretendia dar continuidade ao legado varguista. Em Agosto de 1961, durante a “Campanha da Legalidade”, vários trabalhadores da Pedreira acompanharam pelo rádio o desenrolar dos acontecimentos, inclusive, diz-se que “muitos estavam dispostos a pegar em armas, se necessário fosse”. O que não aconteceu de fato, mas o clima político do País naquele momento favoreceu que a radicalização política se aprofundasse.
Além de brizolistas, comentava-se também a respeito de “comunistas” na Pedreira. O que não era algo bem identificável, embora houvesse dois ou três comunistas “assumidos” no Capão do Leão. O caso é que, pouco antes do movimento de 31 de Março de 1964, formou-se aquilo que iria ser denominado “Grupo dos Onze” entre os graniteiros.
Com reuniões políticas ora acontecendo na casa de um, na casa de outro, o tal “Grupo dos Onze” tornou-se muito conhecido na Pedreira e na Vila do Capão do Leão. Com o irromper do movimento de 31 de Março de 1964, o grupo passou a ser visto como subversivo pelo novo poder instalado na República. Segundo os antigos contam, no dia 1º. de Abril, tropas do 9º. Regimento de Infantaria do Fragata estabeleceram-se na área da Antiga Sub-Prefeitura (atual terreno do CTG Tropeiros do Sul) e ocorreu uma série de averiguações em todo o Capão do Leão, estendendo-se até o dia seguinte. Temia-se que o “Grupo dos Onze” tomasse de assalto os paióis da Pedreira e provocasse uma explosão ou atentados. O que era mais boato, do que fato, contudo.
No decorrer do ano de 1964, adveio uma verdadeira “caça às bruxas” na Pedreira e na Vila do Capão do Leão. Muitos foram intimados a prestar esclarecimentos junto ao Sub-Prefeito local, isso quando não eram levados diretamente à Pelotas. Do tal “Grupo dos Onze”, três foram presos, já demitidos de suas funções na Pedreira, acusados de serem promotores de uma greve. Os oito restantes também foram demitidos, embora não tenham sido presos. Graças à intervenção de Elberto Madruga, junto ao Governador do Estado, os mesmos demitidos voltariam a ser recontratados, embora agora sob olhar desconfiado das autoridades.



[1] O Sr. Elberto Madruga, evidentemente.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VI

A “Pedreira do Estado”
O termo “Cerro do Estado” vem justamente do fato da área da Pedreira pertencer, sob concessão, ao Estado do Rio Grande do Sul. Com este nome, hoje conhecemos todo o povoado ao seu redor. Embora tenham ocorrido novas concessões a particulares no decorrer do tempo, desde 1939 a presença da autarquia administrativa estadual é constante.
Como foi então a retomada das atividades da Pedreira após a saída da Companhia Americana?
O que pudemos constatar é que as avarias e o sucateamento ocorridos na época dos norte-americanos dificultaram o reinício do trabalho. No Relatório Anual das Atividades da P.C.L. de 1939, percebe-se uma preocupação muito grande dos administradores da Pedreira em conciliar custo e benefício. Além do mais, entre burocratas e operários contavam-se somente 53 funcionários. É pouco se considerarmos que havia as atividades de extração de pedra, administração, manutenção e conservação da linha férrea, carpintaria, ferraria, caldeira, usina elétrica, almoxarifado, trem e oficina.
Em compensação, a década de 1940 vai ser marcada por uma espécie de “era de ouro” na Pedreira. Gradativamente, aumentou o número de funcionários (já se conta 94 em 1945), houve melhoramentos na linha férrea e nas instalações. A produção alcança índices recordes e crescentes, sobretudo em razão da eclosão da 2ª. Guerra Mundial e da entrada do Brasil no conflito. Em 1943, em função das obras da Estrada de Rodagem entre São José do Norte e a Fazenda Petrone, ao que parece possuía um objetivo estratégico, e a preocupação em manter a navegabilidade na Barra do Rio Grande, em razão da vigilância marítima brasileira no Atlântico, a Pedreira irá produzir, no total de remessas, mais de trinta mil toneladas de material. A produção daquele ano não foi superada em nenhum outro momento até os dias de hoje, excetuando obviamente os tempos da Companhia Francesa.
Logo em seguida, surgem melhorias significativas para os trabalhadores da Pedreira. Em 1947, por iniciativa do Sr. Vasco Acunha (administrador), é criada a praça e erguida a capela em honra à Santa Luzia. Funda-se um clube de futebol um ano antes: o Fluminense F.C, sucessor dos antigos Grêmio Americano e Ipiranga. No mesmo ano, estabelece-se o Grupo Escolar Faria Santos – primorosa obra arquitetônica construída com pedras lavradas por graniteiros. Em 1948, ocorre reforma geral das casas de moradia e instalações. Um ano depois, um ônibus passa a atender uma vez por dia aqueles que precisavam se deslocar até a zona urbana de Pelotas[1].
Visando suprir a necessidade de carvão, em 1945, inicia-se a plantação de eucaliptos australianos na área que, até o fim da década, ultrapassará a marca de 60 mil pés da árvore.
A década de 1950 vai ser igualmente prodigiosa para a Pedreira, pois os governos estaduais da época investiram pesado na questão dos transportes. A Pedreira passou a produzir poitas (tipo de pedra destinada a apontar profundidades marítimas) e atender igualmente os portos de Pelotas, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte. Além dos trens, surgem camionetes como meio de transporte.
O crescimento demográfico do Cerro do Estado foi também uma constante, tendo surgido neste período, dois loteamentos importantes: a Vila Gastal (atual Rua João Albuquerque Filho) – empreendimento do Sr. Eduardo Gastal Filho, no início da década de 1950; e a Vila Santa Eloísa (atual Rua Santa Eloísa), em 1968. Um fator que explica o aumento da área urbana na localidade é a presença de grande demanda de comércio e serviços devido ao considerável número de funcionários.



[1] Desde 1929, o Capão do Leão já era atendido por transporte público motorizado terrestre: uma “jardineira” (espécie de veículo aberto nas laterais, assemelhado a um bonde) de propriedade do Sr. José Mendes. Entretanto, a partir de 1947, a Prefeitura de Pelotas autorizou os serviços de uma empresa particular. Em 1949, esta empresa passou a atender o Cerro do Estado. Não foi possível, identificar, todavia, se este serviço permaneceu nos anos subseqüentes.
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