segunda-feira, 12 de abril de 2021

A Peste de Atenas

 



O apogeu da Grécia antiga vem em nossas mentes na figura da cidade de Atenas. Templos recebem visitantes, e deuses são cultuados. Fervilham habitantes em suas praças. Os atenienses respiram filosofia, democracia e cultura. Embarcações chegam e partem, alavancando o crescimento comercial e financeiro. Edificações sobem. Esculturas emergem de pedras. Muitos associam o período áureo da cidade com seu ícone máximo, Péricles.

 

Apesar dessa suntuosa imagem do poderio de Atenas, algo muito diferente ocorria no ano de 430 a.C. O poder de Atenas despertara insegurança nas cidades-estados do Peloponeso. Esparta liderara alianças entre cidades dessa península e partira em guerra na direção de Atenas. Transcorrera um ano desde que a Guerra do Peloponeso começara. Agora, em 430 a.C., os atenienses aglutinavam-se dentro dos muros da cidade evitando a poderosa força militar espartana. Algo mais ocorria no interior desses muros, uma epidemia. A pira funerária não se apagava e fumaça ascendia do interior de Atenas. Corpos e mais corpos eram cremados, o que indicava aos inimigos que algo terrível acontecia. Os templos estavam repletos de moribundos acomodados em seu solo. Habitantes disputavam as fontes em busca de água, estavam desidratados pela epidemia. Uma nuvem de calor subia pela cidade febril. Alguns recordavam que a doença viera por embarcação marítima originária do Egito.

 

A doença alastrou-se pela população ateniense. Muitos morriam em uma semana. Os sintomas e sinais amplamente documentados variavam de dores de cabeça, febre, olhos inflamados, vômito, diarreia, tosse com sangue, lesões na pele e dores pelo corpo. Após a tormenta que também matou Péricles, foi computado o número de baixas. A epidemia matou um terço da população da cidade e é conhecida como a peste de Atenas.

 

Desde então, a peste de Atenas permanece um mistério. Muitos acreditam ter sido sarampo ou varíola, devido ao relato de lesões de pele. Porém, essas doenças não explicariam outros sintomas. Aventou-se também que poderia ser a peste transmitida pela pulga do rato. O tifo foi outro candidato. A descrição de diarreia levantou a possibilidade de bactérias intestinais. Até mesmo o vírus ebola foi suspeito por causa dos relatos constantes de sangramentos. A lista das possíveis causas engrossou a cada estudo realizado sobre a peste de Atenas. A descrição dos sintomas não bastaria para sabermos qual microrganismo adentrou os muros de Atenas. Precisaríamos dos avanços da ciência e restos ósseos que testemunharam a epidemia.

 

Os atenienses enterraram alguns corpos em um cemitério próximo à cidade. Talvez tenham improvisado às pressas as valas diante do caos reinante. As vítimas da peste permaneceram sob o solo por séculos, e somente as descobrimos, por escavações, em meados da década de 1990. Emergiram aos olhos da ciência e mostraram a datação de seu enterro coincidente com a época da peste de Atenas.

 

Antes de morrer, seus corpos foram tomados pela bactéria ou vírus da epidemia. O microrganismo misterioso percorreu o organismo e ficou na polpa dos dentes. Novamente, o homem tentaria recuperar o agente infeccioso. Estudiosos racharam os dentes dos esqueletos do sítio arqueológico e pesquisaram a presença de restos de DNA no interior. Buscaram a sequência do material genético de diversos microrganismos suspeitos e um dos testes revelou positividade. Estava presente na polpa dentária o DNA da bactéria da febre tifoide, uma espécie da bactéria da salmonela.

 

A salmonela justifica vários sintomas descritos na peste de Atenas e estaria envolvida em aglomerado humano, em tempo de guerra e ingestão de água e alimentos contaminados pela ausência temporária de condições higiênicas. Permanece a dúvida se houve algum outro agente infeccioso na epidemia. Aventou-se a possibilidade de que, devido às descrições da doença, tenha ocorrido uma associação de epidemias por agentes infecciosos diferentes em um mesmo instante. A ciência do século XXI comprovou a existência da salmonela, resta sabermos se mais algum agente infeccioso acometeu os atenienses naquele fatídico ano de 430 a.C.

 

A espécie de salmonela da febre tifoide está presente apenas nos humanos. Um paciente adquire a bactéria por alimento ou água contaminados por fezes de outro humano. Essa bactéria é um excelente exemplo das diarreias que surgiram na época em que nos tornamos sedentários e agricultores. Acompanhou todos os períodos históricos com epidemias devastadoras.

 

Fonte: UJVARI, Stefan Cunha. A história da humanidade contada pelos vírus: bactérias, parasitas e outros microrganismos...São Paulo: Contexto, 2012, pág. 136-138.

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