"Assassinato
Foi assassinada, no 1o. districto do termo de S. Francisco de Paula de Cima da Serra, immediações do lugar denominado Canella, a sra. d. Castorina da Silva Dutra, filha do fazendeiro José Ignacio Dutra e esposa do sr. Juvencio Fogaça.
Uma preta, de nome Bibiana, foi a autora do crime, servindo-se de um martello para pratical-o.
O facto criminoso, que se nos affigura envolto em certo mysterio, vem assim descripto na Reforma de hoje:
<< Achava-se no dia referido em sua casa d.Castorina, acompanhada unicamente da dita preta e de uma sua filhinha (da victima), pois n'esse dia tinha sahido, ainda cedo, para a lida de campo, Juvencio Fogaça. A preta, que, necessariamente, ha muito tempo desejava pôr em pratica a sua pretenção, achando a occasião apropriada para esse fim, por se acharem sós, no momento em que d. Castorina castigava sua filhinha, dirigio-se a ella e com voz aspera lhe disse que não castigasse assim a menina, no que foi attendida. Frustrando-se d'essa forma o meio que ella julgava acertado para revoltar-se, pois não esperava que fallando asperamente fosse attendida, resolveu, entretanto, a todo o transe, saciar o seu desejo de matal-a, e assim, armando-se de um martello, voltou traiçoeiramente ao lugar onde se achava a victima e com essa arma deu-lhe diversas pancadas na cabeça, até que a prostou por terra sem sentidos.
<< Julgando morta a victima, tratou a féra, pois assim se póde dizer, de apagar do chão os vestígios de sangue e mudar de roupa, que se achava tambem bastante manchada, tanto em si como na victima, o que feito lançou mão da filhinha da victima que, innocente, tudo presenciava, e dirigio-se para o quarto afim de adormecel-a, e quando voltou á varanda depois de ter a creança adormecida, achou já d. Castorina sentada, o que causou-lhe surpreza, e amendrontando se julgou mais acertado agradal-a, offerecendo-lhe agoa e agoardente para banhar a cabeça, o que a victima aceitou e perguntou-lhe n'essa occasião - porque a havia assim maltratado? Respondeu-lhe que por ter surrado sua filhinha, o que, até então, não havia feito. Perguntou-lhe ainda a pobre senhora se não a tinha attendido quando pedio e que por isso não precisava maltratal-a tanto. A preta banhou de facto a cabeça da senhora, e depois de o ter feito armou-se novamente da sua arma predilecta e de um canivete e com o mesmo cuidado que havia tido a primeira vez para não ser presentida, arremessou-se sobre d. Castorina e deu-lhe outras tantas pancadas e canivetadas sobre o craneo, derribando-a outra vez quasi morta, e voltou a apagar os vestigios de sangue que haviam, como já tinha feito a primeira vez. Depois de já ter feito esta operação, arrastou a victima para a cosinha e atirou a sobre o fogo. Esta, que ainda se achava com vida, ao sentir-se queimar, tentava fugir do fogo que se achava ateado, mas o seu algoz mais a apertava contra o fogo, até que a julgou morta, pois só, como signal de vida, raras vezes abria a bocca. Fugio então de perto da victima e agarrando a filhinha d'esta dirigio-se á casa de seu ex-senhor Dutra, afim de dar a noticia e pedir soccorro para a filha d'este que, sendo na sua opinião accommettida de um ataque, havia cahido sobre o fogo, queimando-se muito, o que só havia visto quando voltára da fonte onde se achava lavando. A martyr d'aquella féra, vendo-se livre da pressão que sobre ella fazia o seu algoz, pôde afastar-se do fogo, e cobrando os sentidos, agarrou-se pelas paredes e foi para o seu quarto, onde fechou-se e deitou-se em sua cama.
<< Passado algum tempo, cujo periodo não pôde a victima precisar, vio ella que forçavam a porta de seu quarto e immenso foi o seu contentamento quando vio entrar seu marido, pois esperava ainda um terceiro ataque, e diversas pessoas de sua família.
<< O pai da victima, logo que chegou, confessou a referida sua escrava em vista do estado e declaração de sua filha, que narrou o facto como se havia dado, e por ella foi tudo confessado.
<< Tendo immediatamente conhecimento do facto o juiz municipal, primeiro supplente em exercicio, capitão Bento Soares de Oliveira, fez para ali se dirigir o delegado de policia, que procedeu a auto de corpo de delicto e de perguntas á offendida e ao inquerito policial, que teve o destino recommendado por lei.
<< D. Castorina falleceu no dia seguinte.
<< A criminosa acha-se recolhida á cadêa civil d'aquelle termo.
<< Prosegue-se na formação da culpa>>. "
Fonte: A FEDERAÇÃO, 22 de Agosto de 1885, p.01, c.04