Do illustre dr. Victorino Monteiro recebeu O Paiz a seguinte carta:
'Transcreveu ante-hontem o Jornal do Commercio, do El-Dia, de Montevidéo, um artigo do sr. Adriano Ribeiro, arvorado hoje em valiente chefe revolucionario.
Não sei o que mais deva admirar, si a fertilidade de sua imaginação monkausiana, si a absoluta falta de discernimento, procurando grosseiramente embair o publico sensato.
Eis a verdade:
Estava a cidade de Alegrete apenas guarnecida por 30 homens civis ao mando do cidadão Lopes, quando foram sacrificados 14 d'elles, sem terem opposto a minima resistencia.
Entre as victimas contam-se os inoffensivos tabellião Luiz Mathias e capitão José Ourives, veterano do Paraguay e já sexagenario.
Ao effectuar-se a impatriotica invasão existiam apenas na arrecadação do 6o. batalhão de infantaria 62 armas Comblain, que foram remettidas para Uruguayana á requisição do general Hyppolito Ribeiro. A munição existente foi conduzida pelo casco do mesmo batalhão, quando, incorporando-se ás 90 praças que guarneciam a cidade de Quarahy, sob o commando do energico e distincto tenente Agnello, fizeram juncção á columna do legendario general Hyppolito.
Não existia, pois, em Alegrete um unico cartucho.
Eis ao que ficam reduzidos os pretendidos 15.000 tiros e 200 Comblain, apprehendidos na intendencia.
Quanto aos pormenores do combate, eis a verdade inteira:
Sabendo que o major Marcellino Pina, á frente de 600 homens, entrára em Alegrete, foi determinado pela auctoridade competente ao brioso e valente official Santos Filho que fosse desalojar o inimigo; Santos Filho, á frente de 1.000 homens civis, armados com 450 Comblain e o resto á lança, partiu de Cacequy a 21 do mez passado.
Essas forças haviam chegado poucos dias antes de Santo Angelo, S. Francisco, Cachoeira e Boqueirão.
Tinham excellente disposição, porém nenhuma disciplina.
É falso que o brioso 3o. regimento de cavallaria houvesse recusado partir; ao contrario, foi difficil contel-o, pois desejava immenso vingar seus companheiros, do 6o. regimento, tão vilmente trucidados em D. Pedrito.
Ás 2 horas do dia 26 encontraram em campos de João Telles, proximo ao Lageado, uma columna inimiga de mais de 1.000 homens, que se destinava a invadir a região serrana, até agora tranquilla e livre da sanha dos invasores.
Traziam numerosa cavalhada, o que demonstra ser falsa a affirmativa de que essa força ia fazer um simples reconhecimento, evidenciando-se isso da parte que o coronel Prestes Guimarães enviou ao general Silva Tavares.
Chegados á distancia conveniente, travou-se o combate, que durou cerca de duas horas, fugindo o inimigo precipitadamente e quasi em debandada, deixando no campo da lucta 18 mortos e algumas armas Remington e Minié.
O bravo militar Santos Filho, sempre tão correcto quanto destemido, fez marchar immediatamente sua columna, que ainda não se havia alimentado durante todo o dia, chegando ás 3 horas da madrugada á chacara da sua mãi, um quarto de legua da cidade.
Ahi acampou, estando seus bravos soldados extenuados pela fadiga e pela fome.
Ao romper do dia 27, quando se ia carnear, foi visto o inimigo, que, em numero superior a 3.000 homens, procurava envolver os bravos commandados de Santos Filho.
É absolutamente falso que a cavallaria fosse commandada pelo bravo e temerario coronel Firmino de Paula, um dos chefes que muito se distinguiram n'essa acção memoravel em que pouco mais de 600 bravos contiveram á respeitavel distancia numerosa força inimiga, que só se encorajou com a retirada de nossa cavallaria.
O coronel Firmino commandava a vanguarda, tendo pelejado durante seis horas á frente da linha de atiradores, que só retrocedeu para o cercado e mangueira do estabelecimento quando escassearam as munições.
Depois de uma lucta ingente, corpo a corpo, em que repelliram o inimigo em diversas sortidas, resolveram abrir caminho por entre os sitiantes, que por todos os lados cercavam o punhado de bravos que tão galhardamente ainda resistia com vantagem.
Tendo á frente Santos Filho, Firmino de Paula e o intemerato tenente-coronal Tristão Vianna, o terror dos adversarios, abriram passagem por entre mortífero fogo e retiraram-se em ordem, guerrilhando valentemente e conservando os perseguidores á respeitavel distancia.
Santos Filho, ferido a legua e meia do campo da acção, recolheu-se a uma casa, onde oppoz energica resistencia.
O official que o perseguia, homem valente e brioso, gritava em altas vozes que cessasse a resistencia, assegurando-lhe garantia de vida, bem como aos poucos companheiros que se tinham deixado ficar com elle.
Toda a munição elevava-se a 40 mil cartuchos e entretanto affirma o sr. Adriano terem sido encontrados no campo da acção mais de 42 mil capsulas!!!
Já haviam chegado a Cacequy, 874 homens quasi todos armados, faltando sómente 24 armas Comblain.
Sabemos que muitos dos soldados que ainda não se apresentaram em Cacequy já estão incorporados ao coronel Firmino de Paula, que, á frente de 1.400 homens, vem estacionar em diversos passos do Ibicuhy, impedindo a passagem do inimigo para a região serrana.
Na parte official diz o coronel Prestes Guimarães que tivera fóra de combate 60 homens, sendo 20 mortos e nessas forças 95.
Entretanto, diz agora o sr. Adriano que attingiram nossas perdas a 300 homens, tendo feito alguns prisioneiros, elevando-se as suas mortes a 27 mortos e 80 feridos.
O que é incontavel é que os prejuizos dos invasores foram consideraveis, ficando fóra de combate mais de 300 homens.
As vanguardas do general Lima e senador Pinheiro, que occuparam ha poucos dias Alegrete, encontraram ali cerca de 90 feridos, mais ou menos graves, e em telegramma ante-hontem publicado e de origem federalista, assegura-se existirem em Quarahy 80 feridos mais ou menos.
Essas noticias são confirmadas por alguns cidadãos chegados ultimamente d'aquella cidade.
É uma verdade contristadora que nenhum dos feridos republicanos conseguiu escapar á sanha infrene da castelhanada mercenaria, que, sequiosa de sangue, degolava infamemente os heroicos republicanos que ainda com vida haviam tombado no campo de lucta. Entretanto, com zelo hypocrita e pharisaico, imputa-nos o articulista a responsabilidade de imaginario assassinato consummado durante o combate. É muita coragem!!!
N'essa época já existiam em armas mais de 9.000 homens civis, sendo os unicos disciplinados os que acompanharam a columna do distincto general João Telles, que então perseguia o inimigo. É, portanto, irrisoria a affirmativa do improvisado chefe da proxima terminação das hostilidades, si porventura não contassemos com o apoio da força federal.
No meu curto passado de homem publico poderá o sr. Adriano beber inspirações de coherencia, altivez e dignidade política.
Estou certo que jámais me perdoarão ter resistido ao assedio de lisonjas em que procuraram envolver-me, quando, em divergencia com meus antigos companheiros, alimentaram a estupenda pretenção de conquistar-me.
Apezar de luctarmos com todos os elementos contrarios á Republica, existentes em nosso paiz e até mesmo no extrangeiro, entretanto, estou certo, esmagaremos os nossos inimigos e seus mercenarios auxiliares, firmando de modo definitivo a tranquilidade de nosso caro Estado e com ella a consolidação da Republica - Victorino Monteiro."
Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 06 de Maio de 1893, pág. 01, col. 03 à 05