Fonte: Diário de Notícias, 09 de julho de 1958, pág. 10 |
Negro
Miguel foi um salteador que marcou época no Capão do Leão na década de 1950,
por seus roubos e fugas espetaculares na zona rural do município, líder da
trupe criminosa que ficou outrora conhecida como Os Bandoleiros do Cerro das Almas. Sua fama se tornou lendária na
memória dos moradores mais antigos da região e sua saga de delinquências
repercutiu na imprensa da época, chegando mesmo a estampar as páginas de
importantes jornais da capital.
Negro Miguel, cujo nome de
batismo era Miguel Garcia, filho de uma lavadeira e de um trabalhador rural
(que não eram casados), nasceu em 1927 na fazenda São Carlos no distrito do
Pavão. Teve outros irmãos, mas aparentemente nem todos eram do mesmo pai. Na
juventude, chegou a trabalhar em lavouras de arroz com um senhor chamado Donga Caldeira. Nestas empreitadas, em
que se prestava serviço de uma fazenda à outra na mesma temporada, Miguel
começou a praticar pequenos roubos, quase sempre para comer, furtando galinhas e
gêneros alimentícios. Com o tempo, a fama de ladrãozinho se espalhou nas circunvizinhanças e muitos donos de
sítios e chácaras evitavam contratar Miguel para qualquer serviço. A partir
daí, Miguel passou a realizar crimes mais ousados como abigeatos e roubo a
residências rurais.
Em 1949, foi preso pela primeira
vez pela polícia local e levado à Vila do Capão do Leão, onde segundo suas
próprias memórias foi espancado e torturado, o que lhe arraigou um profundo
ódio a qualquer policial a partir de então. Contudo, ainda esteve solto por
alguns anos e se amancebou com uma moça de nome Delmira, filha de um senhor
chamado José que possuía um rancho no Cerro das Almas. Deste relacionamento,
provavelmente teve uma filha.
Todavia, a vida familiar não impediu que Miguel
seguisse com seus crimes que, segundo relatos da época, passaram a acontecer
também na Vila do Capão do Leão. Várias vezes foi apanhado, mas solto por falta
de provas ou após receber um corretivo (surra). Por volta de 1954, incidiu a
agir com alguns comparsas vivendo de forma nômade, onde começou a se criar o
primeiro boato sobre os famigerados Bandoleiros
do Cerro das Almas ou Bandoleiros do
Cerro do Gerivá (alusão a um dos cerros da região em que os criminosos se
abrigavam). Em 1955, foi capturado
por um peão de uma estância no Passo das Pedras quando tentava roubar objetos
de um galpão e entregue às autoridades. Julgado logo em seguida por uma série
de crimes (alguns dos quais não havia cometido, mas curiosamente não fazia
questão de negá-los), Miguel foi condenado a permanecer recluso durante quatro
anos na Colônia Penal Agrícola em São Jerônimo. Porém, fugiu de lá cerca de um
ano depois e seu retorno marcou a época de maior atividade de Miguel e de seu
bando. Destacava-se no grupo de bandidos um cúmplice de apelido Castelhano (Mário Torres González,
uruguaio), ao que parece mais esperto e engenhoso que o próprio Miguel e mais outros
quatro comparsas, dentre eles Lalinho (Eulálio
Celestino Nunes), Camilinho (Camilo
Bento Cardoso) e Juvenal (Juvenal da
Silva Pereira) e mais um jovem ruivo conhecido como Melenudo (cujo nome real não foi conhecido). Não é possível afirmar
até que ponto constituíam realmente uma quadrilha organizada ou agiam em
conjunto somente por ocasião. Consta nos inquéritos policiais que havia muita
rivalidade entre eles e que muitas vezes boicotavam um ao outro, além de agirem
por conta própria em alguns crimes. Aliás, um deles, um tal de Marques (provavelmente um comparsa da
época do início do bando), teria sido
morto numa contenda entre eles.
Em 1958, a prioridade da polícia
leonense era prender Miguel e seu bando custe o que custasse. A fama dos
criminosos se estendeu nos dois últimos anos e aterrorizava a população. Em
março, houve violento tiroteio entre os bandidos e uma patrulha policial
conjunta da Brigada Militar e Polícia Civil formada por cerca de 20 homens no
chamado Cerro do Lombilho, cujas furnas de pedra eram usadas como esconderijos
pelos bandidos. Na ocasião, o capitão da BM Armando Brião esteve na mira fatal
do revólver de Miguel Garcia, que de modo surpreendente, poupou-lhe a vida,
embrenhando-se no meio da vegetação. O delegado Athos Luiz Guedes da Polícia
Civil também escapou de ser morto por Melenudo,
que somente não conseguira efetuar o disparo por ter escorregado numa pedra
úmida.
Logo em seguida, no fim daquele
mês, dois bandoleiros (Lalinho e
Camilinho) foram presos na Vila Freire (atual município de Cerrito) pelo
subdelegado da localidade Pedro da Vara, após assaltarem três casas comerciais
e se esconderam num depósito de trigo. Juvenal
que conseguira fugir com metade do roubo, morreu tragicamente (exaustão e
hipotermia) ao tentar cruzar o canal São Gonçalo a nado, no inverno daquele
ano, após ser expulso a tiros por peões de uma estância em Santa Isabel, no
município de Arroio Grande.
Já o dito Castelhano foi capturado pela polícia numa tentativa malograda de
roubo a uma casa na colônia Santa Áurea, no interior de Pelotas, cerca de
poucos dias depois.
Em maio, Miguel cometeria seu mais bárbaro crime: o
frio assassinato de Felício Rodrigues da Silva, de 62 anos, que tinha o apelido
de Feliz. Nos inquéritos, Miguel
declarou que sangrara Felício porque ele
era pecador. A opinião de Miguel sobre o desafeto tinha motivo sustentado
pelo comportamento dúbio do próprio Felício. Felício teria participado de algumas
atividades criminosas do bando de Miguel, inclusive frequentado várias vezes o
acampamento dos salteadores. Apesar disso, Felício tinha um rancho próprio na
região e agia como homem de bem perante os vizinhos – acusação sustentada pelo
próprio Miguel. Para uns, Miguel vingara-se de Felício por este ter indicado às
patrulhas que estavam em seu encalço o esconderijo do bandoleiro. No entanto,
em seu depoimento Miguel citou motivações particulares para matar Felício,
dentre elas o fato de alegar que o infeliz
chegou até a inventar que eu tinha cortado umas crianças lá para as bandas de
Herval... Mas como eu cortar inocentes? Em criança e em paisano eu não atiro
nem corto. A crueldade do assassinato de Felício reside no fato que o mesmo
foi atado a uma corda (na outra ponta atada à égua rosilha de Miguel) e
arrastado por cerca de uma hora rumo a um cerro da região, onde foi morto a
facadas. Felício morreu agonizando com muita perda de sangue, enquanto Miguel
ao lado do corpo assistia o suplício do infeliz, que durou cerca de vinte
minutos. Depois, o cadáver foi coberto com ramagens pelo algoz.
Miguel Garcia foi finalmente
capturado na tarde do dia 07 de Julho de 1958, quando foi avistado caminhando
pela Estrada do Cerro das Almas por dois homens a cavalo que imediatamente se
puseram em sua perseguição. Ao fugir, Miguel tentou cruzar uma sanga, molhando
sua arma e munição, tornando-o assim indefeso à investida dos dois homens, que
logo foram auxiliados por outros moradores da região que o renderam
completamente. Conduzido pelo capitão Armando Brião ao subdestacamento da
polícia na Vila de Capão do Leão, foi interrogado e revelou o paradeiro do
cadáver de Felício e o esconderijo onde guardava os frutos de seus roubos. Entre
os objetos furtados, foram encontrados desde objetos de uso comum da vida
campeira, como facas e apetrechos de selaria, até alguns mais sofisticados como
três acordeons, um porta-joias de ouro e um gramofone. Mais tarde Miguel seria
levado para Pelotas e conduzido à cadeia municipal. Quando capturado, Miguel
Garcia apresentava um profundo ferimento no pescoço que fora causado por ele
próprio com uma faca durante uma noite em que teve um pesadelo. A ferida era
horrível e exala um mau cheiro característico pela presença de bernes de
moscas.
No início de 1959, um pouco
antes de sua sentença ser pronunciada pela Justiça local, Miguel conseguiu
novamente escapar da prisão. Em 01 de março daquele ano, Miguel Garcia foi
morto em um tiroteio com a polícia em Tupanciretã, na região central do estado.
De seu bando, o único que sobrou foi Melenudo
– jamais identificado com segurança, por isso sem saber-se de seu destino
posterior.
Desde então, a história de Miguel Garcia passou à
categoria de lenda no local e muitas de suas façanhas (reais e fictícias) são
contadas ainda hoje em dia pelos mais velhos em Capão do Leão.
Atualização em 25 de maio de 2007: De acordo com a colaboradora Carolina Blaz, temos a seguinte contribuição:
. A minha avó conta que um dos homens que laçou ele e entregou pra Polícia foi o Miguel pé queimado(miguel Antunes) ele viu o Miguel quando saiu do cerro pra pegar comida na venda da granja e rondou quando ele ia se atirar da taipa de um açude pra fugir deles ele (Miguel Antunes) conseguiu laçar ele e entregar só Brião.
Atualização em 25 de maio de 2007: De acordo com a colaboradora Carolina Blaz, temos a seguinte contribuição:
. A minha avó conta que um dos homens que laçou ele e entregou pra Polícia foi o Miguel pé queimado(miguel Antunes) ele viu o Miguel quando saiu do cerro pra pegar comida na venda da granja e rondou quando ele ia se atirar da taipa de um açude pra fugir deles ele (Miguel Antunes) conseguiu laçar ele e entregar só Brião.
Muito obrigado!