Trecho extraído de: LARANGEIRA, Álvaro Nunes. Mapeamento documental dos anos dourados de Hipólito José da Costa com a coroa portuguesa. In: INTERCOM - SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DE COMUNICAÇÃO, XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Caxias do Sul, 2 a 6 de Setembro de 2010.
"A história da história do Hipólito José da Costa remonta à segunda década do
século 18, quando em 18 de fevereiro de 1718, na Colônia do Sacramento,
desembarcaram 60 casais oriundos da região portuguesa Trás-os-Montes. Portugal
intensificava a colonização daquele protetorado encravado no estuário latino e razão das
freqüentes discórdias com a Espanha. Faziam parte do grupo Vicente Pereira e
Madalena Martins Pinto de Mesquita. Natural de São Pedro de Alfândega da Fé,
freguesia pertencente a Bragança, o casal teve onze filhos, sendo Ana Josefa Pereira de
Mesquita o último.
A caçula dos Pereira nasceu em 5 de setembro de 1741 e em Sacramento mesmo
casou em junho de 1773 com o militar fluminense – natural de Saquarema – Félix da
Costa Furtado de Mendonça. No ano seguinte, em março, dia 25, paria o primeiro dos
quatro filhos do casal, e em homenagem à irmã Luiza Hipólita de Almeida, falecida em
1771, batizou o primogênito como Hipólito. O menino ficou na terra natal por pouco
tempo.
Em 3 de junho de 1777 a Colônia de Sacramento capitulou diante do exército
espanhol. O general Pedro Seballos descumpriu a promessa de enviar todos os
moradores de Sacramento ao Rio de Janeiro e remeteu para Buenos Aires quem não
tivesse dinheiro para pagar a propina da viagem à capital do Brasil. Na capital platina,
dois meses depois, nasceu Felício, o primeiro irmão de Hipólito, e as famílias Costa e
Pereira ficaram sob o julgo espanhol até 1778, quando Portugal e Espanha colocaram
em prática o Tratado de Ildefonso e a delimitação territorial no sul da América. A
Colônia do Sacramento passou em definitivo para a Espanha, restando aos antigos
moradores as terras conturbadas do Continente de São Pedro.
O governo português, para garantir o território demarcado entre Laguna e a
Colônia do Sacramento, concentrou a realocação dos conterrâneos expulsos nas regiões
do rio Camaquã, do canal São Gonçalo e da lagoa Mirim, localizados na parte
meridional do Rio Grande do Sul. A vila de Rio Grande, recém-reconquistada dos
espanhóis, acolheu a maior parte da diáspora da Colônia de Sacramento e por ali e
arredores aportaram as famílias Costa e Pereira, esta constituída pelos irmãos Pedro
Pereira Fernandes de Mesquita (sobrenome por parte da avó materna), Antônio Pereira
Fernandes de Mesquita, Antônia Pinto de Mesquita e Maria Pereira de Mesquita, além
da mãe do Hipólito.
O nascimento de José Saturnino em Rio Grande, em novembro de 1780, e a cessão
de datas de terra em fevereiro de 1781 selaram a permanência do grupo na região.
Obtiveram as porções de terra o pai de Hipólito José da Costa e os dois tios clérigos. O
alferes da infantaria da praça da Colônia do Sacramento Félix da Costa Furtado de
Mendonça recebeu o terreno nas primeira e segunda forquetas do rio São Gonçalo e aos
padres Antônio Pereira e Pedro Pereira foram concedidas propriedades no Rincão de
Pelotas.
A concessão da segunda leva de terras à família teve a participação do agora estudante da Universidade de Coimbra. Preparado para a única universidade do império pelo tio Pedro Pereira, chamado de padre doutor por causa do bacharelado em Cânones obtido em 175211, Hipólito saiu de Rio Grande em direção a Coimbra no início de 1792, realizou os exames de Latim e Filosofia Racional e Moral – exigidos para ingressar na universidade – e em 29 de outubro do mesmo ano ingressou no primeiro ano de Filosofia, procedimento obrigatório para cursar Leis.
Em janeiro de 1793 a Casa da Provedoria da Fazenda Real, em Porto Alegre, recebeu a justificação do pedido de sesmaria por parte de Hipólito José da Costa e mais as do pai e do tio Pedro Pereira. Em 13 de novembro de 1794 foram oficializados os registros de sesmaria. Os três receberam propriedades contíguas na parte setentrional do sangradouro da lagoa Mirim.
A concessão da segunda leva de terras à família teve a participação do agora estudante da Universidade de Coimbra. Preparado para a única universidade do império pelo tio Pedro Pereira, chamado de padre doutor por causa do bacharelado em Cânones obtido em 175211, Hipólito saiu de Rio Grande em direção a Coimbra no início de 1792, realizou os exames de Latim e Filosofia Racional e Moral – exigidos para ingressar na universidade – e em 29 de outubro do mesmo ano ingressou no primeiro ano de Filosofia, procedimento obrigatório para cursar Leis.
Em janeiro de 1793 a Casa da Provedoria da Fazenda Real, em Porto Alegre, recebeu a justificação do pedido de sesmaria por parte de Hipólito José da Costa e mais as do pai e do tio Pedro Pereira. Em 13 de novembro de 1794 foram oficializados os registros de sesmaria. Os três receberam propriedades contíguas na parte setentrional do sangradouro da lagoa Mirim.
A segunda recorrência de Hipólito José da Costa na questão das terras familiares
ocorre em abril de 1801, quando o já bacharel e servidor da coroa solicita ao príncipe-regente D. João ordem para o governador do Rio Grande do Sul confirmar as cartas de
sesmaria dele, do pai e do tio, em função do questionamento da posse “por pessoas que,
em razão da falta de clareza de títulos, que há nas terras de todo aquelle continente,
poderião perturbar a posse das mesmas fazendas”. (p. 3-5)
"O interrogatório seguinte dá-se na prisão do Limoeiro, decorridos dois meses
da detenção, entre o inquisidor e Hipólito, na sessão denominada in genere pelo
Regimento do Santo Ofício19:
“Em que idade começou a estudar?
- Não poderei dizer com certeza.
Fixe ao menos com probabilidade a época em que deixou o mestre de ler e escrever,
para passar ao estudo da gramática latina?
- Seria aos nove anos.
Sabe ou suspeita a razão por que de tão tenra idade o fizeram entrar para o estudo da
gramática latina?
- Não.
O compêndio da gramática latina era o antigo dos jesuítas ou algum dos modernos?
- O Novo Método do Padre Antônio Pereira.
Que línguas mortas estudou além da latina?
- Grega.
Que línguas vivas estudou?
- Todas aquelas que na Europa são mais necessárias...
Que motivos teve para estudar estas línguas?
- O desejo de me pôr em estado de poder aprender as ciências, o que não poderia bem
fazer sem entender os livros que nessas línguas estão escritos.”
A conversa ilustra bem a intenção do interrogador em associar o réu ao
jesuitismo e ao jacobinismo, por meio da educação e da leitura dos livros estrangeiros, e
reforça a formação precoce e consistente do interrogado graças ao privilégio de
conviver com dois tios formados em Coimbra – Antônio Pereira também se formou em
Cânones. Em Rio Grande, por exemplo, Pedro Pereira reservou uma peça na casa e
contratou um professor de Porto Alegre específico para lecionar gramática latina a
quem se interessasse, enquanto o religioso ensinava outras disciplinas aos sobrinhos,
com vistas a Coimbra."
(p. 7-8)