sábado, 4 de julho de 2015

Descrição do relevo e geologia da metade sul do Rio Grande do Sul no século XIX

Trecho extraído de: SOARES, Sebastião Ferreira. Notas estatisticas sobre a producção agricola e carestia dos generos alimenticios no imperio do Brazil. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & Companhia, 1860, p. 139-144.

"As terras porém que demorão á esquerda da lagôa Mirim são docemente onduladas, e insensivelmente se elevão no centro da provincia para depois baixarem para o Uruguay. Bellas collinas e amplissimas varzeas existem para o sul da provincia, e nellas se descobre uma frondosa vegetação, e uberrimos pastos, em que retoção milhares de gado de diversas especies. Os matos não formão naquelas localidades serrados bosques, porém grupos dispersos, que se figurão ilhas no centro da terra.
Quem percorre a provincia do Rio-Grande do Sul, a cada instante fica sorprendido pelas bellezas que aos olhos se lhe apresentão a cada passo que marcha!... Aqui descobre campinas sem fim, e observa os fantasticos effeitos da - mirage - figurando-se-lhe ver lagos ondulantes em redor de si!... Acolá vè os hiates navegando pelo meio dos campos sem que descubra os rios que as quilhas sulcão!... Mais adiante avista mansos ribeiros, e tenues regatos de limpidas aguas, que em tortuosas voltas bordadas de luxuriante vegetação fogem a reunir-se aos caudaes rios que alimentão!... Por toda a parte que seus olhos se dirijão descobre, o quanto a vista alcança, quantidade immensa de gados bovino, cavallar, muar e lanigero que pastão ou descansão, e no meio delles os veados e servos em quantidade, bem como os bandos de avestruzes e seriemas, que, como os animaes domesticos, não fogem dos viandantes!...
(...)
Fôra por demais audacia da minha parte fazer a descripção geologica da provincia do Rio-Grande do Sul, porque além de me faltarem os conhecimentos especiaes deste vasto ramo das sciencias naturaes, quando por diversas vezes percorri aquella provincia jamais a observei sobre este ponto de vista senão mui passageiramente; pelo que vou reproduzir nesta parte o que escreveu o sabio naturalista Frederico Sellow, que nada deixa a desejar. Diz elle:
<<A natureza e formação do solo varião conforme as situações: a cordilheira geral do Brazil que reparte esta provincia em duas fachas quasi iguaes, e lá onde principia a mergulhar-se no Uruguay, é encontrada por outra semelhante serrania escalvada, que, partindo das vizinhanças do Salto grande deste rio, separa de um lado aguas para o Daiman e rio Negro, e de outro para o Arapehy e Quarahy: estas serras e todo o territorio ao N. e O. dellas, isto é, quasi todo o districto de Entre-Rios, de Missões, de S. Martinho, da Cruz-Alta, da Vaccaria, Cima da Serra, constão inteiramente de terreno basaltico.
Na parte meridional da provincia, subdividida em oriental e occidental pelas serras do Herval e dos tapes, e pelo Albardão, que acompanha a margem occidental da lagôa Mirim, são primitivas estas montanhas; e são de alluvião as planicies ao nascente das grandes lagôas, e não parecem ter outra base que o mesmo granito, e grés ou cré de que aquellas são compostas; porém a parte occidental é de estructura mais variada. Ao poente das frondosas serras do Herval se encontra o territorio elevado, transversalmente cortado pelo rio Camaquam, composto de granito, de schisto primitivo, alternado com mica-schisto, e coberto de grés-carvoeiro, entre Santa Barbara, Encruzilhada e Caçapava; e depois de granito e grés, sustentando schisto primitivo com gabro, schisto-schlorotico e talcoso, serpentina e calcareo granuloso, no grupo dos montes de Caçapava e S. Gabriel. Os logares mais baixos desta subdivisão, o valle do Guayba, o territorio banhado pelo Vaccacahy e pelo Santa Maria, são cobertos de um formação composta de argila schistosa, calcareo e grés; e toda a fralda meridional das serras basalticas é occupada por um grés de formação terciaria, frequentemente interrompida, ora coberta ora não de basalto.>>
(...)
A' vista do que acabo de transcrever, me parece que fica demonstrado á plena luz que a provincia do Rio Grande do Sul tem os terrenos mais appropriados que se podião desejar para a agricultura de qualquer especie, e principalmente da dos frumenticios, em que ainda em epochas não mui remotas tanto abundou; além de que, sendo as terras em maior parte despidas das grossas e colossaes raizes, com facilidades se podem applicar os instrumentos aratorios, que tanto auxilião ao agricultor.
(...)
A bacia da lagôa Mirim é formada pelas aguas dos diversos rios que para ella correm, e tem uma extensão de 41 legoas, a contar da barra do rio S. Miguel até á bocca do Sangradouro de S. Gonçalo; e sua maxima largura é de quasi oito legoas, a partir da barra do rio da Canôa até á foz do Jaguarão, tendo uma profundidade média de 9 a 10 braças no canal; pelo que esta lagôa póde ser navegada em toda a sua extensão, mesmo por navios do maior calado; assim pudessem elles transpôr a barra do S. Gonçalo e o Sangradouro, que se achão obstruidos; aquella por bancos de arêa, e este pela accumulacção de lodo e arêas: nem mesmo acho muito difficil essas desobstrucções, assim como não serião muito despendiosas."
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