sábado, 13 de janeiro de 2018

Barão de Correntes

Do Almanaque Rodrigues

"FELISBERTO IGNACIO DA CUNHA - Nasceu, nesta cidade, a 11 de novembro de 1824. Foram seus pais o antigo industrialista pelotense José Ignacio da Cunha e D. Zeferina Gonçalves da Cunha, oriundos ambos de antigas famílias rio-grandenses. Em Pelotas criou-se e recebeu instrução a sua natural e vivaz inteligência. Muito criança foi para o Rio de Janeiro, onde serviu de caixeiro na casa de fazendas de um tio, dedicando-se ao comércio, de volta ao Estado.

Montou uma charqueada sôbre o Pelotas, nas proximidades do Passo do Retiro, com seu cunhado e primo Felisberto Braga. Tendo mais tarde apartado sociedade, fêz negócio com o seu avô materno Antonio Ferreira Bicca e tomou a gerência da fazenda de criação de gados que possuía na costa do Arroio Jaguari, Uruguai. A sua inteligência e atividade postas em ação deram a essa estância uma época de notável prosperidade. Por morte de Antonio Ferreira Bicca, êle tratou de liquidar êsse negócio, e associou-se aos irmãos Barcellos, Boaventura, Luiz e Eleutherio, dos quais era parente e amigo, num estabelecimento de charqueada, de que assumiu a gerência externa. No fim de pouco tempo, ativo e empreendedor, dando largo desenvolvimento aos seus negócios, além de sócio da firma Cunha & Barcellos, era sócio-gerente de Cunha & Belchior, e parte da de Cunha & Irmão, em que era associado o seu irmão Possidonio, e fazia trabalhar as charqueadas de Vicente Lopes e Antonio José de Azevedo Machado, situadas no Cotovêlo do Arroio Pelotas. Além disso, tendo herdado por morte de seu pai José Ignacio da Cunha uma fazenda de criação de gado no rincão de Jaguari, Uruguai, e comprando outra na costa do Rio Piratini, multiplicava-se para dar pontual direção aos seus negócios e fazê-los prosperar. Grandes prejuízos teve depois, quando, por um convênio feito entre os charqueadores, após a abertura da Barra do S. Gonçalo, de obrigar os navios de barra fora a virem carregar no pôrto desta cidade, viu-se forçado a exportar por sua conta os produtos das charqueadas, recebendo sempre do Norte contas de vendas desastrosas. Nem por isso desanimou, e continuou a lutar como um forte que era, escudado sempre na sua proverbial lisura e honestidade. 

Do conceito que sempre mereceu nesta sociedade e das simpatias que soube granjear, dão testemunho as posições que ocupou, recusando outras para as quais não sentia disposição. Por ocasião da guerra com o Uruguai, que motivou o rompimento de hostilidades do Paraguai, foi comandante da guarnição da Praça de Pelotas. Membro ativo e influente do Partido Liberal, foi em 1878 nomeado comandante superior da Guarda Nacional desta comarca. Por serviços prestados ao país foi também pelo Govêrno Imperial nomeado oficial da Ordem da Rosa, condecoração que em tal grau dava honras militares.

Benévolo e generoso, eram sem-número os benefícios que diariamente com tôda a singeleza praticava, sem a tal valor algum dar. Bôlsa franca era sempre a sua para os nobres cometimentos que nesta terra se promoviam, e não houve um único trabalho meritório de progresso ou de altruísmo ao qual êle não estivesse associado. Tôdas as instituições pias o tiveram no número dos seus devotados auxiliares, levando a elas concurso franco e generoso. Tão bom coração, passou através da política calorosa das pequenas localidades sem gerar ódios nem ressentimentos. Tão sincero e leal foi sempre que, partidário decidido como era, tinha ainda tantos amigos entre os seus como entre os adversários, que nêle reconheciam um homem guiado por um espírito de justiça e de eqüidade. Quando desta vida se apartou, levou tranqüila consciência, porque neste mundo o mal não fêz, nunca feriu, e muito suavizou dores. Os pequenos defeitos foram de sobra resgatados pelas grandes qualidades que possuía. Era um coração grande e um espírito reto que as grandes causas impulsionavam, que quando com a palavra pregava era sincero e lógico com o nobre exemplo que dava. Quando esposava uma causa, essa causa era sempre nobre e alevantada

O seu espírito marchava sempre na vanguarda do progresso. Senhor de escravos, foi abolicionista quando só o eram aquêles que escravos não tinham. Antes da Lei de 28 de Setembro, já êle a tinha adotado para as suas escravas; antes da libertação do município de Pelotas, já êle havia concedido liberdade a seus escravos, incondicional a muitos e aos outros com prestação de serviços a curto prazo. Em atenção a êsses alevantados exemplos, o gabinete abolicionista do Conselheiro Dantas concedeu-lhe o título de Barão de Correntes. Estimado e venerado por todos que o conheceram, no dia 19 de dezembro de 1896, às 2 horas e 20 minutos da manhã, morria como um justo circundado das lágrimas brotadas de corações alanceados pela saudade. No dia 11 de novembro, robusto e com aparências de vigorosa saúde, completara os setenta e dois anos de idade."

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...