segunda-feira, 16 de maio de 2022

Barão de Escragnolle

 



Após agudos e longos soffrimentos do coração, aggravados ultimamente por um anthraz nas costas, falleceu hontem, ás 9 1/2 horas da manhã o barão de Escragnolle, Gastão Luiz Henrique d'Escragnolle.

Filho do conde d'Escragnolle e de D. Adelaide de Beaurepaire, nasceu no Rio de Janeiro a 16 de abril de 1819. Seguiu a nobre carreira dos seus avós e nas armas chegou, depois de completos os estudos academicos, com rapidez ao posto de tenente-coronel do estado-maior de 1a. classe. Distinguido sempre pelos chefes e tendo alcançado a amizade particular do Duque de Caxias, de quem foi ajudante de ordens por occasião das campanhas do Maranhão, Minas-Geraes e Rio Grande do Sul, tinha diante de si o mais brilhante futuro, se desde muito não lhe cortasse o vôo das aspirações a mais cruel e persistente surdez, que o inutilisara para o serviço activo e afinal o obrigou a pedir sua reforma.

Recolhido á vida privada, habitou durante largos annos Theresopolis, onde possuia uma fazendola, citada por quantos viajantes estrangeiros foram ter áquella pittoresca localidade, taes os encantos artisticos que soubera alli reunir e combinar.

Vagando em 1874 o logar de director da Floresta Nacional da Tijuca, teve o sr. conselheiro Costa Pereira a feliz lembrança de nomear para esse cargo o barão de Escragnolle, Era o right man in right place. Difficil fôra, com effeito, acertar melhor. Admirador enthusiasta da natureza, alheiado naturalmente da convivencia dos homens e do bulicio da sociedade, dedicou-se aquelle excellente administrador de corpo e alma aos deveres que lhe eram tão gratos e transformou positivamente esse local, aliás bem preparado por anteriores cuidados, n'uma creação toda sua e que sobremaneira impressionava a todos que visitavam a Floresta Nacional. Sem exageração póde-se affirmar que é hoje um dos mais formosos recantos do Rio de Janeiro, que tantas bellezas naturaes apresenta comtudo em seus mais insignificantes pontos.

Era de ver-se a paixão, o fogo, o enthusiasmo com que o barão de Escragnolle de continuo fallava das suas arvores, dos seus caminhos, das grutas que descobriu, dos planos que tinha em mente e que ia realisando com admiravel economia e ao mesmo tempo espantosos resultados.

Era o artista identificado intimamente com a natureza, procurando sempre n'esse esforço commum o ideal do bello nas suas menores manifestações.

Tendo herdado o espirito agudo e delicado dos seus illustres antepassados, cujos nomes figuram com honra nos annaes das cruzadas e nos fastos da historia de França, aquelle homem destinado ás grandezas do mundo costumava dizer com muita finura: "Para se poder ser verdadeiramente feliz, é preciso saber viver o mais possivel com as plantas e os animaes, e o menos com os homens."

Não se diga, comtudo, que fosse um misanthropo. Quantos o conheceram, sempre se recordarão saudosos da sua grata e amabilissima convivencia. Ninguem melhor do que elle sabia dar engraçado prestigio ao mais ligeiro episodio que quizesse narrar e rodear-se de rostos alegres e sympathicos.

O barão de Escragnolle deixou após si um verdadeiro e grande monumento - é a Floresta da Tijuca. Conservem-se as tradições artisticas, a ordem, o methodo que elle alli implantou, e os tempos vindouros conservarão com respeito e admiração a sua memoria - legitimo hymno de gratidão da natureza a evocar o nome do brazileiro illustre que soube tão bem comprehendel-a e desvendar todos os seus estupendos segredos e recursos.

Honrado desde a infancia com a amizade de Sua Magestade o Imperador, ao barão de Escragnolle coube grande alegria proporcionar ao monarcha enfermo, durante a sua estada na Tijuca, um dos mais bellos locaes do mundo para a suspirada convalescença, e, de facto, o Sr. Dr. Pedro II não se cançava de affirmar que os dias que alli passara tinha o maior e mais grato encanto, graças principalmente ás maravilhas da floresta.

Prestando nossas homenagens a tão eminente cidadão, dirigimos sinceros pezames á Exma. familia. O sr. barão de Escragnolle era irmão da Exma. Sra. baroneza de Taunay e tio do Sr. senador Escragnolle Taunay.

O ramo directo dos Robert d'Escragnolle, completamente extincto na França, tem um unico representante aqui, o neto do fallecido barão - João Roberto d'Escragnolle, alumno do collegio de Pedro II.

Fonte: GAZETA DE NOTICAS (Rio de Janeiro/RJ), 19 de Junho de 1888, pág. 01, col. 06

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