Mais o mais provável é que a alcunha que produziu o apelido português de Pinto se originasse metafóricamente no reino animal. Pois que no trato familiar apodamos de franganito e franganote ou frangalhote um rapazinho, e no Algarve se chama frangôlha (ou franganita) a uma rapariguinha dos seus doze ou treze anos, não admira que outrora se aplicasse pinto com significação análoga, e daí nascesse o vulgar apelido de que estou agora falando. Abundam apelidos tirados de nomes de aves, domésticas, ou não: Corvo, Falcão, Gaio, Gavião, Pardal, Pato, Perdigão, Pita, Pombo, Rôla, para só citar alguns. Todos êles foram de comêço alcunhas, como alcunhas são hoje Franganito, Pintassilgo, etc.; na mesma ordem de ideas se chama na língua quotidiana marreco a um corcunda ou corcovado, e pavão a um indivíduo vaidoso. Outros apelidos zoológicos nascidos de alcunhas e apodos, são: Carneiro, Coelho, Gato, Lampreia, Lebre, Lobo, Raposo, Sardinha.
O apelido de Pinto tem entre nós documentação já antiga: Pintus (fórma porém duvidosa), em 1087, nos Dipl. et Chartae, pág. 403; Stephanus Pinto, Dominicus Pinto, nas Inquisitiones (séc. XIII), pág. 637, 645, 458; João Garcia o Pinto nos Nobiliários (séc. XIII ou XIII-XIV). O mais curioso é que nesta última colecção aparece Estevão Anes Pantalhopardo (=Pintalho Pardo), ou só Estevão Anes Pintalho, ou Estevão Anes Pintalhaparda (Pintalha Parda), com a variante Pintalapedra (provávelmente por má leitura), pág. 174, 183, 296, 355, indivíduo que nas Inquisit. (séc. XIII) se chama alatinadamente Fernandus Stephanis Pintalio, pág. 322. Estes apelidos, se por causa do Pardo fazem pensar na côr, por causa do Pintalho, palavra onde entra o sufixo depreciativo -alho, que aparece em bodalho (A. Minho), frangalhote (já cit.) = frang-alh-ote, porcalho (Viterbo, Elucid., fazem pensar na metáfora, e confirmam por isso a minha segunda hipótese. Pintalho Pardo quer dizer 'pintainho de côr parda'; se deve preferir se o feminino Pintalha Parda, êste provirá de alcunha da mãe. Um filho do citado Estevão Anes Pintalapera ou Pintalhaparda chamava-se Fernão Esteves Pintalho, nos Nobiliários, pág. 183.
Falando de D. João Garcia, o Pinto (séc. XIII), diz a Sra. D. Carolina Michäelis que êle foi assim chamado por causa da sua jovialidade, e atribue à palavra Pinto o mesmo sentido de 'frango'. Na Nobiliarchia diz Vilasboas, pág. 316, falando dos Pintos; 'Procedem de D. João Garcia de Souza, neto do Conde D. Mendo que foi o primeiro que teve a alcunha de Pinto'. No séc. XVII-XVIII houve um poeta gracioso, Tomás Pinto Brandão, que, jogando do seu primeiro apelido, publicou um livro de versos com o título de Pinto renascido, empennado e desempennado (1732), o que mostra que já também êle estava convencido da metáfora onomástica.
Se na linguagem corrente acontece que uma palavra nobre decai na sua significação, e adquire sentido humilde, por exemplo escudeiro, acontece às avessas, que uma de estirpe modesta, recebe no processo do tempo significação elevada, como é o caso com Pinto."
Fonte: LEITE DE VASCONCELLOS, J. Opusculos, volume III. Coimbra/Portugal: Imprensa da Universidade, 1931, pág. 30-32.
Fonte: LEITE DE VASCONCELLOS, J. Opusculos, volume III. Coimbra/Portugal: Imprensa da Universidade, 1931, pág. 30-32.