quinta-feira, 7 de junho de 2012

Relato histórico sobre a Pedreira do Cerro do Estado em seus primórdios

Aspecto da Pedreira em 2009

Nota: convém salientar ao leitor que extraí este trecho de uma publicação política de esquerda dos anos 60, por isso era normal eles darem um tratamento nas expressões, tornando-as mais legíveis. Por isso, é bem provável que o entrevistado tenha se utilizado de outras palavras, mas que acabaram sendo polidas na redação final.
A entrevista em si trata mais dos problemas dos estivadores em Santos, São Paulo. Todavia, a preciosidade consiste em que o italiano entrevistado trabalhou na Pedreira do Capão do Leão em seu início. Fantástico!

Extraído de: CADERNOS DO CENTRO POPULAR DE CULTURA. Gráfica Independente, São Paulo, março 1966, p. 12-14.

“José Maria Vitola nasceu em Nápoles, Itália, em 1881, migrou para o Brasil em 1910. De profissão canteiro, veio para trabalhar nas obras da Barra do Porto do Rio Grande do Sul, contratado pela empresa francesa responsável pelo projeto. (...) A seguir, transcrevemos a entrevista concedida por Vitola ao nosso camarada Pinhão Arruda, recentemente em Santos. (...)

Arruda: O camarada veio para o Brasil para trabalhar no porto de Rio Grande?
Vitola: Eu queria ir para Buenos Aires, onde lá tinha familiares envolvidos com comércio de tintas. Porém antes já tinha exercido o ofício de canteiro na Itália. Trabalhei também no porto de Alexandria, Egito britânico. Mas não queria saber de trabalhar em portos. Não vim para trabalhar no porto de Rio Grande. Foi a possibilidade de juntar certo montante que me atraiu para desembarcar no Brasil. À época, a obra necessitava dos mais diferentes tipos de artífices. Esperava ser empregado na construção, mas virei canteiro na pedreira de Monte Bonito.
Desembarquei no porto de Rio Grande sem conhecer nada nem ninguém.

Arruda: O camarada iniciou no movimento operário neste ofício?
Vitola: Não foi bem assim. Eu não conhecia nada. Não fiquei muito tempo lá. Precisavam de mais gente na pedreira do Capão do Leão. Fui transferido rápido. As obras atrasaram muito. Havia muito homem que não conhecia o ofício. Quem conhecia ali, a maioria era italiano. Fizeram mal os planejamentos tanto das obras da barra, do porto e da exploração das pedreiras de Monte Bonito e Capão do Leão. Os chefes não se entendiam, ocorria seguidamente acidentes e as autoridades brasileiras tinham rivalidade com a francesada. Os jornais alardeavam os problemas e a companhia arrastava os trabalhos até não poder mais. Não se tinha idéia na época a dimensão das obras pretendidas. O operário pagava pelo mau humor e pela cobrança dos patrões. Contratavam gente num dia e uma semana depois mais da metade já tinha ido embora. Por volta de 12, a coisa engrenou. Daí começou a insatisfação da massa proletária local: mal paga e mal assistida. Companheiro meu morreu por ter a perna esmagada e não ser atendido. O batente era pesado e longo. Teve época que proibiram os domingos de folga. Eram injustos também. Esperavam dos empregados cumprimento de prazos, mas atrasavam pagamentos. E o inverno daquela terra era horrível, muito úmido, coisa que não via na Itália. Dividia o alojamento com mais oito: dois italianos como eu, um russo e os demais brasileiros. A ração era frugal e a fuga para os canteiros era a aguardente – causa de muitos conflitos e brigas. Em 14, a pedreira do Capão do Leão se tornou a majoritária na expedição de pedras para as obras da barra. Daí a coisa melhorou um pouco. Mas já tínhamos o sindicato. Coisa muito boa, sabe. A população local de Pelotas nos apoiava.

Arruda: Como era o quotidiano dos operários?
Vitola: Acordávamos as cinco e por volta das sete iniciavam-se os ofícios. Os brasileiros tinham por hábito fazer o pequeno almoço às nove. Onze horas era outro intervalo. Porém, ao retornar, o trabalho durava até mais que o crepúsculo. O sábado quase sempre era dia de trabalho até tarde também. Em 13, os domingos também eram quase todos preenchidos. A pedreira foi escavada numa área de muito mato cerrado. À noite, os sons das feras nos assustavam.

Arruda: Como o camarada iniciou no sindicato?
Vitola: Eu tinha conhecido os anarquistas em Roma. Quando vim para o Brasil encontrei uns anarcos espanhóis. Integrei-me ao sindicato porque não havia outra saída. Conseguimos unir os canteiros da região.

Arruda: Qual sindicato?
Vitola: Sindicato dos Canteiros.

Arruda: Quais eram as suas principais bandeiras de luta?
Vitola: Inicialmente, a turma brigava por causa do atraso de pagamentos e por causa dos acidentes freqüentes. Em 16, chegamos a organizar uma barricada em Pelotas, mas houveram vários demitidos. O sindicato sabia que a demissão era algo que atormentava os operários e os impedia de organizar-se. O jeito era organizar movimentos de paralisação geral e para os “fura-greves” era o cacête mesmo. Não podíamos deixar o movimento ser prejudicado. Eu mesmo participei de uma confusão danada. Seis camaradas não aderiram à greve e os impedimos de trabalhar. Teve socos e pontapés. Daí aparecia a polícia e todos se dispersavam. A francesada nos odiava. Em 17, mais da metade dos que estavam no início da obra, não estava mais empregado. Mas eram obrigados a nos recontratar. Faltava pessoal e os salários que eles pagavam não eram atrativos para ninguém.

Arruda: Eram comuns confrontos com a polícia?
Vitola: Mais comuns eram os confrontos com os “fura-greves”. A polícia intervia para restaurar a ordem pública. É que a companhia fazia o seguinte: aliciava um grupo de operários mais suscetíveis de retornar ao trabalho, pois muitos eram miseráveis, com a promessa de um abono na ocasião. Além disso, à época, logo depois que estourou as coisas na Rússia, chamar grevista de baderneiro era a mesma coisa. Mas mesmo que alguns voltassem ao trabalho, a companhia tinha problemas, pois alguns do trabalho especializado eram insubstituíveis. Empregaram um castelhano como foguista e o sujeito não sabia lidar com o ofício e teve um acidente horrível: a caldeira explodiu e ele ficou com o rosto desfigurado. Além disso, muitos postos de trabalho ficavam inoperantes, o que dificultava todos os planejamentos de produção da companhia.
Todavia, a polícia também era um problema. Como alguns eram suspeitos de agitação política, bastava qualquer movimento mais brusco e a guarda acionava o capitão do posto. Isso enfraqueceu o movimento, pois se agia com violência desmedida em alguns casos. O Giusepe Borda foi morto porque invadiu o escritório da companhia e ameaçou o diretor da companhia com um cinzel. Aquilo marcou profundamente os mineiros. O Pepe era pessoa serena e tenaz e estava reclamando o roubo de suas ferramentas. Fora uma grande revolta entre todos.
(...)

Arruda: quando o camarada veio parar no Porto de Santos?
Vitola: (...) vim ainda em 27 para cá, depois de ter passado quatro anos em São Paulo e mais quatro anos antes em Porto Alegre. Saí do companhia em 19, quando houve seu fechamento. (...) Alguns voltaram para a Itália, lembro do Lunghi, do Mora e do Inse, outros eu não sei. (...)
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