sábado, 30 de junho de 2018

Santos populares argentinos


"A cúpula da Igreja Católica não reconhece esses santos no 'panteão' oficial dos santos canonizados pelo Vaticano, já que para isso seriam necessários dois milagres confirmados, verificados por doutores em teologia. O segundo e o terceiro escalão do clero geralmente encaram os cultos como 'manifestações de intensa fé'. Mas tentam conduzir os fiéis para o culto de santos 'autorizados'.

Os santos 'populares', com raras exceções, tiveram mortes trágicas. Geralmente são falecimentos de elevado sofrimento... uma espécie de 'passaporte' com visto especial que os coloca em contato direto com Deus. E, além disso, as mortes trágicas limpam os mártires de todos os seus pecados.

De quebra, são santos 'locais', isto é, uma espécie de encarregados diretos, com menos serviço do que os santos ou virgens de alçada mundial. Dessa forma, o milagre solicitado deve - teoricamente - ser concedido (se for o caso) de forma mais rápida.

As lendas indicam que esses santos não oficiais possuem maior 'percepção social' do que seus congêneres europeus e compreendem melhor eventuais escorregões de seus fiéis, como roubar por necessidade.

Não seria adequado solicitar ajuda celestial a um santo como São Francisco, São Miguel, Santa Teresa ou as Virgens de Covadonga, Fuencisla ou Lourdes para ter sucesso em um eventual roubo com o qual poderá saciar a fome de sua família. Mas a pessoa em questão pode, sim, pedir ao Gauchito Gil um respaldo santificado nessa empreitada. No entanto, o Gauchito condenaria e puniria um roubo por cobiça. A Difunta Correa, por sua vez, além de ajudar as pessoas, castigaria aquelas que se comportam mal.

O culto a alguns santos 'populares', que no final do século XIX ou na primeira metade do século XX estava restrito a suas áreas originais de influência nas pequenas cidades do interior da Argentina, começou a expandir-se para as grandes cidades do país. Dessa forma, atualmente é comum ver taxistas com estampas do Gauchito Gil ou comerciantes com uma foto do altar de Gilda ao lado da caixa registradora. O Gauchito Gil conta até com grupo na rede social Facebook.

Entre os vários santos 'populares', estão também Vairoleto, em La Pampa e Mendoza; San La Muerte, em Corrientes e no Chaco; María Soledad, em Catamarca.

Ainda são alvos de adoração os cantores argentinos do estilo musical cumbia Gilda e Rodrigo Bueno. Ambos morreram em acidentes de automóvel (respectivamente em 1996 e 2000), quando viajavam nas estradas, de um show para outro.

E quem são eles? Deolinda Correa, mais conhecida como a Difunta Correa (A defunta Correa), era a mulher de um homem que foi obrigado a engajar-se em um dos exércitos que protagonizavam a miríade de guerras civis que assolavam a Argentina nas primeiras décadas do século XIX.

Deolinda tentou seguir a trilha dos soldados que haviam levado seu marido. Mas, carregando seu bebê nos braços, perdeu-se no meio de uma área desértica. Esgotada, sentou-se no chão e morreu de sede.

Dias depois, um grupo de gauchos  passou por ali. Os homens viram o corpo sem vida de Deolinda. E em seus braços - diz a lenda - estava seu bebê, que ainda mamava dos seios cheios de leite da mãe morta. A criança foi resgatada.

Gradualmente, os gauchos, que nos anos seguintes passavam pelo local, começaram a deixar garrafas d'água para saciar a eterna sede da Difunta Correa. No final do século XIX, a peregrinação até o lugar começou a ficar intensa. O fenômeno consolidou-se no século XX.

No início, ela era procurada para realizar milagres relacionados à saúde, além de proteger os viajantes. Mas, em meio à série de crises que afetaram a Argentina nas últimas décadas, a Difunta passou a ser requerida para outras áreas.

Antonio Mamerto Gil Núñez, que entrou para o panteão extraoficial dos santos argentinos com o nome de Gauchito Gil, era um jovem gaucho que - segundo a lenda - comportava-se como uma espécie de Robin Hood local, roubando dos ricos para dar dinheiro às pessoas que passavam fome. No entanto, as autoridades da região, na época, o consideravam um gaucho briguento e ladrão.

Era misto de bandoleiro e benfeitor foi recrutado pelo Exército com o início da Guerra do Paraguai (1865-1870). Gil fugiu e tornou-se desertor. Outras versões indicam que não desertou e que também participou de um guerra civil interna em sua província. No meio desse segundo conflito bélico, teria tido uma visão, enquanto dormia, do deus guarani Ñandeyara, que lhe ordenou 'não derramar sangue dos irmãos'. Nesta segunda versão, Gil teria desertado dessa guerra civil.

Após desertar, dedicou-se a uma vida de 'Robin Hood'. Nas pausas, aproveitava para participar de festas e bailes.

Anos depois, foi encontrado pela polícia. Não tentou resistir, obedecendo à ordem de Ñandeyara.

Depois de uma longa sessão de torturas no meio do campo, os policiais penduraram Gil em um algarrobo (uma árvore de madeira muito dura) de cabeça para baixo.

Um dos policiais ergueu o punhal e preparou-se para cortar o pescoço de Gil. Nesse instante, o gaucho murmurou: 'seu filho está muito doente. Se você rezar para ele, a criança viverá. Caso contrário, morrerá'.

Gil também teria dito que, quando o policial voltasse para o vilarejo de Mercedes, além de saber da doença do filho, também ficaria sabendo que as autoridades haviam indultado o foragido. 'Você vai derramar sangue inocente, por isso, reze para mim para que eu interceda perante Deus Nosso Senhor pela vida de seu filho... o sangue dos inocentes costuma servir para fazer milagres', disse o prisioneiro.

O policial ignorou as informações e o degolou. Poucas horas depois, de volta a seu vilarejo, o policial foi informado de que seu filho estava profundamente doente. Desesperado, o policial rezou a Gil para que salvasse a criança. Segundo a lenda, o executado desertor salvou o menino do além. Agradecido, o policial enterrou Gil com as correspondentes honrarias cristãs e ergueu um santuário para ele.

Assim, o culto ao santo 'popular' começou no dia seguinte à sua morte. E, de quebra, seu primeiro devoto foi o próprio verdugo. Mas, apesar de sua morte em 1874, seu culto só tornou-se nacionalmente intenso nos últimos 30 anos, por causas econômicas.

Diplomaticamente, perante o crescente culto ao Gauchito Gil, em 2006, Ricardo Faifer, bispo da cidade de Goya, perto de Mercedes, o definiu como 'um irmão falecido que, acreditamos, está perto do Criador'.

O santuário, nas vizinhanças da cidade de Mercedes, na província de Corrientes, é objeto de peregrinações permanentes, para irritação da cúpula da Igreja Católica, que considera que seu culto é 'pagão'. A data em que o Gauchito é mais intensamente celebrado é 8 de janeiro, dia que teria marcado seu sacrifício.

A peregrinação ao santuário do Gauchito Gil reúne em média 130 mil pessoas no dia desse santo. Essa marca, na Argentina, só é ultrapassada pela romaria realizada à Basílica de Itatí, onde está a imagem da Virgem de Itatí.

O Gauchito Gil é retratado como um gaucho jovem, de cabelos longos e rebeldes que caem sobre os ombros, bigode e boleadoras (armas feitas de corda, com duas bolas na ponta) nas mãos. Atrás dele, costuma aparecer uma cruz. Se não fosse pela ausência da barba (somente possui o bigode) e a vestimenta gauchesca (e as boleadoras), sua figura poderia ser confundida com a iconografia costumeira de Jesus Cristo.

Entre todos os santos 'populares', o culto do Gauchito Gil é o que mais teve repercussões artísticas, tanto em forma de canções, filmes, como peças de teatro, além de obras repentistas.

Há um santo muito festejado que não é local. Headhunter celestial, San Cayetano (São Caetano) é o santo com maior ibope entre os argentinos, já que sua especialidade é a de conseguir trabalho para os desempregados e manter o emprego daqueles que já o possuem. Especialidade, por sinal, utilíssima nas últimas décadas. Sua data é 7 de agosto, dia de peregrinar às paróquias que esse santo possui em diversas partes do país."

Fonte: PALACIOS, Ariel. Os argentinos. São Paulo: Contexto, 2013, p. 204-208.




sexta-feira, 29 de junho de 2018

Colonos russos em Pelotas


"- Refere o Correio Mercantil de Pelotas:

<<Ha doze dias que se acham n'esta cidade dez dos colonos russos que se evadiram para Jaguarão no intuito de passar para o Estado Oriental, deixando de cumprir os compromissos que estavam obrigados para com o governo imperial.

<<Detidos alli, foram remettidos pela autoridade policial para esta cidade e aqui estão accommodados em casa do Sr. Antonio Jacobs, fazendo despezas ao cofre geral do estado e a espera de ordens quanto ao destino que lhes esta reservado.

<<Isso porém é o menos. O peior é que esses infelizes deixaram em Jaguarão as esposas e os filhos!

<<Separaram os das familias e elles lamentam hoje mais do que nunca as suas desgraças.

<<Que será feito d'essas pobres crianças, d'essas mulheres sem o apoio de seus maridos e de seus paes!

<<E' realmente um quadro contristador o que offerecem esses colonos.

<<Esperando esperanças que ligassem á sua sorte aos que lhe são caros e até hoje d'elles nem noticia!

<<Nem mais um colono veio de Jaguarão, como se tinha noticiado.>>"

Fonte: O MONITOR (BA), 30 de Julho de 1878, pág. 03, col. 01

"Os colonos russos, que estavam presos em Pelotas, foram postos em liberdade por ordem do sr. chefe de policia da provincia do Rio-Grande. O fundamento para a soltura foi que aquelles presos estavam sobrecarregando os cofres publicos."

Fonte: DIARIO DO MARANHÃO (MA), 11 de Setembro de 1878, pág. 02, col. 03


quinta-feira, 28 de junho de 2018

A Nobreza Gaúcha - Parte 01


"Titulados Gaúchos durante o Império Proprietários de Estâncias

- Barão de Antonina
João da Silva Machado.

Nasceu em Taquari, RS, em 1782, e morreu em São Paulo em 1875.
Começou a vida como simples tropeiro, foi sargento-mór, administrador e dono de minas, conservador de estradas entre São Paulo e Rio Grande do Sul.
Abriu estradas, fundou cidades e a colônia de alemães do Rio Negro; promoveu aldeamentos de índios. Coronel honorário, comandante da Guarda Nacional e senador pelo Paraná, foi, ainda, sócio do Instituto Histórico-Geográfico e diretor da Siderúrgica de Ipanema, a primeira do Brasil, fundada por Dom João VI.
Recebeu o título, em 1843, de Dom Pedro II.

- Barão de Butuí
José Antônio Moreira.

Nasceu em Rio Pardo, RS, em 1806, e morreu em Pelotas, RS, em 1876.
Grande proprietário, libertou todos os seus escravos.
Benfeitor de muitas obras de caridade.
Recebeu o título, em 1873, de Dom Pedro II, por ter libertado seus escravos.

- Barão de Caí
Francisco Ferreira Porto.

Nasceu em Porto Alegre, RS. Segundo algumas fontes, nasceu em Santo Antônio da Patrulha, RS, em 1817, onde morreu em 1884.
Grande proprietário e grande comerciante, foi um dos fundadores da Associação Comercial de Porto Alegre.
Foi um dos maiores senhores de escravos do Rio Grande do Sul.
Recebeu o título, em 1870, de Dom Pedro II.

- Barão de Cambaí
Antonio Martins da Cruz Jobim.

Nasceu em Rio Pardo, RS, e morreu em São Gabriel, RS, em 1869.
Foi grande proprietário.
Recebeu o título, em 1859, de Dom Pedro II.

- Barão de Candiota
Luís Gonçalves das Chagas.

Nasceu em São Gabriel, RS, em 1824, e morreu em Pelotas, RS, em 1894.
Grande proprietário.
Recebeu o título, em 1875, de Dom Pedro II.

- Visconde de Cruz Alta
Joaquim Francisco Dutra Junior.

Nasceu em Porto Alegre, RS, em 1833, e morreu em 1901.
Grande proprietário e banqueiro.
Notabilizou-se pelas grandes contribuições a instituições filantrópicas.
Recebeu o título, em 1873, de Dom Luís I, Rei de Portugal.

- Marquês de Erval
Manuel Luís Osório.

Nasceu em Conceição do Arroio, hoje cidade de Osório, RS, em 1808, e morreu no Rio de Janeiro em 1879.
Seguiu a carreira militar, chegando a marechal em 1867.
Participou das lutas da época, destacando-se na Guerra do Paraguai, sendo ferido na Batalha do Avaí.
Foi senador pelo Rio Grande do Sul e ministro da guerra. Liderou o Partido Liberal, gozando de grande prestígio.
Junto com o Duque de Caxias foi o militar de maior influência dentro do Exército.
Seu monumento, no Rio, foi financiado pela população, estando cercado por canhões e lanças paraguaias.
Barão, em 1866, Visconde, em 1868, e Marquês em 1869. Títulos recebidos de Dom Pedro II.
Está sepultado no Parque Osório, na cidade de Osório, RS.

- Barão de Guaíba
Manuel Alves dos Reis Lousada.

Nasceu em 1784 e morreu em 1862.
Grande proprietário. Foi figura de destaque na sociedade gaúcha.
Não tem nenhum parentesco com o outro Barão de Guaíba.
Recebeu o título, em 1855, de Dom Pedro II.

- Barão de Ibirapuitã
Antonio Caetano Pereira.

Nasceu no Rio Grande do Sul, tendo morrido em Santana do Livramento em 1892.
Foi estancieiro e coronel da Guarda Nacional.
Recebeu o título, em 1879, de Dom Pedro II.

- Barão de Inhanduí
Joaquim Luís de Lima.

Grande fazendeiro e coronel da Guarda Nacional.
Recebeu o título, em 1884, de Dom Pedro II.

- Barão de Irapuã
José Luís Cardoso de Sales.

Nasceu em Minas Gerais, em 1815, e morreu no Rio de Janeiro em 1883.
Foi grande estancieiro. Durante a Guerra do Paraguai montou um excelente sistema de abastecimento para as tropas brasileiras.
Foi grande benfeitor de obras de assistência social.
Recebeu o título, em 1876, de Dom Pedro II.
Seu filho mais velho foi o Barão de Ibirá-Mirim.

- Barão de Itaquatiã
Boaventura José Gomes.

Grande estancieiro da região de Santana do Livramento, RS. Figura de destaque na sociedade da região.
Recebeu o título, em 1888, de Dom Pedro II."

Fonte: BELLOMO, Harry Rodrigues. A Nobreza Titulada Gaúcha. In: NEUBERGER, Lotário. RS no contexto do Brasil. Porto Alegre: CIPEL/EDIPLAT, 2000, p. 212-216

quarta-feira, 27 de junho de 2018

O Tesouro de Falkstrupp


"Descoberta. - Do Correio Mercantil, de Pelotas:

<<O Sr. Falkstrupp, allemão de origem e morador na Serra dos Tapes, proximo ao logar denominado Passo dos Baios, fazendo uma excavação no terreno que lhe pertence, afim de construir um açude, a trez metros e meio mais ou menos de profundidade, encontrou um corpo duro que ferido pela picareta produzia um som metalico. Procurando averiguar d'onde provinha semelhante som, depois de inauditos esforços conseguio por a descoberto uma enorme caixa de ferro, comida pela ferrugem e excessivamente pesada.

<<Como não pudesse levanta-la só, chamou seus tres filhos e mais pessoas da casa, e, auxiliado por elles, pôde transportar o cofre para casa, onde fez saltar a triplice fechadura que o guardava.

<<Depois de aberto, verificou que continha os seguintes objectos: uma armadura completa de aço finissimamente lavrado, com embutidos em ouro; um espadadero com bainha de ouro e copos do mesmo metal, guarnecida de pedras preciosas; uma belissima lampada de prata dourada cujo peso o sr. Falkstrupp avalia em mais de dez libras; quatro enormes techeiros do mesmo metal; e, finalmente, 1,617 moedas de ouro e prata de diversos valores, todas com effigie de Filippe III e de diversas datas.

<<O feliz descobridor estima seu thesouro em valor superior a reis 350:00$00, e attribuio aos jesuítas que, como se sabe, estiveram muito tempo estabelecidos na Serra dos Tapes e provavelmente enterraram aquelle cofre, como costumavam fazer a todas as suas riquezas, quando se viram obrigados a mudar de residencia.

<<Por algumas pequenas pedras lavradas e pedaços de madeira que já tem encontrado em seu terreno, o sr. Falkstrupp pensa que alli mesmo existio ha longos annos um convento de jesuitas.>>"

Fonte: CEARENSE (CE), 04 de Julho de 1883, pág. 02, col. 04-05


"Descoberta de um thesouro. - Referindo-se á armadura de aço e grande porção de moedas descobertas na Serra (Rio Grande do Sul) por um allemão alli morador, diz uma carta de Pelotas.

<<A noticia do Correio Mercantil de 6, sobre uma descoberta feita na Serra, causou aqui profunda impressão, como era natural. Todos admiravam a sorte do feliz allemão.

Recebendo depois pelo mesmo jornal, notícia de que o tal Falkstrupp se havia retirado com todos os seus do logar onde morava, sem que se pudesse saber que direcção tomou, ficamos de sobreaviso, pois não podia deixar de passar por aqui se tencionasse entrar na republica vizinha [nota nossa: Uruguay]. Realisou-se o que previamos.

Hontem a tarde aqui chegou o sr. Falkstrupp, com dous filhos moços e um peão, acompanhando uma carretinha dentro da qual iam sua mulher e duas filhas. Tendo o peão dito em uma casa de negocio que os viajantes que acompanhava eram os referidos allemães, emquanto estes faziam algumas compras, a polícia recebeu aviso, e creio que por pedido do collector, foi dar busca dentro da carretinha.

Encontraram ahi um bahú cuidadosamente fechado. Aberto pelo sr. Falkstrupp, depois de alguma resistencia, verificou-se que continha uma armadura de um dedicadissimo trabalho, uma espada com o punho emvejado de brilhantes e uma enorme lampada de prata.

Quanto ás moedas de que fallou o Mercantil,  nenhuma foi encontrada. O que se achou foi 20:831$200 em poder do mesmo Falkstrupp, sendo parte em papel-moeda e parte em sterlinas e condores.

Os objectos a que me referi foram levados á polícia e ahi se acham depositados, pois a autoridade competente declarou aos viajantes que d'aquelle achado, metade pertencia á fazenda nacional, pelo que mostraram uma sorpreza demasiadamente forte para se tomar como verdadeira.

Quanto ao dinheiro foi-lhes restituido, porque não se pode provar qual seja a sua origem e porque todos elles affirmam a uma só voz que é devido ao fructo de um acurado e economico trabalho.

E' opinião geralmente adoptada que esses individuos, antes de seguirem viagem, reduziram a moeda corrente todas as moedas que encontraram, bem como os demais objectos de prata, cuja descripção fez o Mercantil e transcreveram aqui todos os outros jornaes.

A familia do sr. Falkstrupp acha-se hospedade no Hotel Bageense, aguardando o resultado de todo esse negocio. Devem seguir viagem ao paiz visinho até o fim do mês."

Fonte: GAZETA DA BAHIA (BA), 11 de Julho de 1883, pág. 01, col. 06

segunda-feira, 25 de junho de 2018

I Semana do Poeta Leonense


Ocorre entre 02 e 06 de julho do corrente ano, a primeira edição da "Semana do Poeta Leonense", com várias atividades voltadas à valorização da poesia e literatura locais. 

Segue a programação:

De 02 a 06 de Julho - Exposição de Varais Poéticos
Locais: Casa de Cultura, Instituto Histórico e Geográfico do Capão do Leão, Câmara Municipal de Vereadores, Prefeitura Municipal, Banrisul - agência centro, Centro de Referência da Juventude (bairro Jardim América) e sede da ONG Semear (bairro Jardim América).

De 03 a 05 de Julho - Exposição de Obras de Poetas Leonenses
Local: Instituto Histórico e Geográfico do Capão do Leão (das 8h às 14h).

05 de Julho - Entrega da Comenda Florisbelo Garcia Barcellos à família do patrono.
Local: Câmara Municipal de Vereadores (10 horas).

05 de Julho - Inauguração da Pedra Fundamental em homenagem ao Dia do Poeta Leonense
Local: Instituto Histórico e Geográfico do Capão do Leão (15 horas).

Henrique Dias


"Patriota brasileiro do século XVII. Era filho de escravos libertos. Quando da invasão holandesa ofereceu-se para lutar e o fez sob o comando de Matias de Albuquerque, tendo participado de todas as ações de guerra, até a expulsão do invasor, em 1654: na Batalha dos Guararapes teve de amputar metade do braço esquerdo, mas nem por isso abandonou o campo de luta. Herói de ambas as Batalhas dos Guararapes e de Porto Calvo (foi quem decidiu a vitória luso-brasileira nessa batalha), além de perder a metade do braço esquerdo foi ferido gravemente oito vezes. Entre outras honrarias, recebeu a patente de cabo, o foro de fidalgo e o cargo de governador dos crioulos, negros e mulatos do Brasil, com o soldo de 40 cruzados."

Fonte: Dicionário Cívico-Histórico Brasileiro, 1980.

domingo, 24 de junho de 2018

A História dos Dias da Semana


"É bom que nos detenhamos neste assunto, porquanto nem todos os povos usaram ou usam os mesmos designativos.

Domingo - Primitivamente, o 'dia do Sol'. O astro-rei era tudo para o homem primitivo. Espantava as trevas, aquecia os membros entorpecidos, sazonava os frutos, amadurecia as colheitas, trazia para fora de seus covis as peças de caça, amornava as águas para o passeio dos cardumes. Sem ele no céu, reinava nos corações humanos o pavor pelas sombras e o temor da morte chegada nos azares das tempestades! Era forçoso amar e respeitar, até ao temor, aquela força infalível, poderosa. O Sol era deus. A ele cabiam as primeiras oferendas e homenagens. Assim identificado com Deus, o seu dia dedicado à Suprema Majestade. Desse 'Dies Dominica' ou 'dia do Senhor', surgiu o nosso domingo, o dimanche dos franceses, o domenica dos italianos. Mesmo entre os povos mais cultos, que medem do mesmo modo pelo qual medimos nós os dias da semana, o domingo lembra o culto ao Sol. Exemplos? Em alemão diz-se Sonntag, em inglês Sunday, ambos significando 'dia do Sol'.

O primeiro a chamar Domingo, isto é, dia do Senhor a um dia da semana foi São Justino, fundador da primeira escola cristã em Roma, onde veio a ser martirizado em 165. O Concílio de Elvira, no ano 300, punindo com excomunhão quem faltasse à missa em três domingos como que oficializava o domingo cristão, já de uso nos três séculos precedentes. O descanso dominical sofreu muitas alternativas e até foi condenado pelo Concílio de Orléans antes que um edito de Constantino proibisse o trabalho a algumas classes liberais.

Dia da Lua (Segunda-feira) - Depois do Sol e sempre no céu, a Lua era a impressão mais forte recebida pelo homem. Influía nas marés, no plantio, no corte de madeiras, talvez mesmo no nascimento das criaturas. Tão poderosa e influente nos destinos humanos que a imaginação dos primitivos fê-la também ser Prosérpina, a rainha dos infernos, e Diana, deusa solitária e caçadora. Com todas as honras, portanto, coube-lhe um dia da semana.

Dia de Marte (Terça-feira) - Na escala dos poderes que governavam céus, terras e criaturas humanas, Marte pontificava. Era o senhor da guerra e, portanto, dos destinos das nações e dos povos. Em Roma, onde lhe deram um mês inteiro (março), esse astro era invocado quando se decidiam as guerras e recebia ações de graças, depois das jornadas vitoriosas. O Rei Numa depositou aos pés desse deus os destinos da cidade e instituiu um corpo de sacerdotes - os sálios - para honrarem o poderoso superintendente dos destinos humanos. Tamanha honra teria lisonjeado a tal ponto o impressionável senhor dos céus, que, certo dia, fez cair um escudo de bronze junto do rei que orava. Numa entendeu a mensagem: a cidade e o reino que criara durariam tanto aquele escudo. Mandou fundir outros onze escudos em tudo iguais àquele descido do céu e confiou-os à guarda dos sálios. Ao deus protetor dedicaram desde então as preces de um dia especial da semana.

Com outros nomes e diferente apresentação, o senhor da força e da guerra merecia o mesmo culto de todos os povos. Era Tyr para os primitivos ingleses e batizou com seu nome a terça-feira - Tuesday. Tão potente quanto o romano tinha, no entanto, uma só mão. A outra, perdera-a ao prender Féuria, potência maligna que infestava a terra sob a forma de lobo e prometera deixar-se prender se um deus especialmente corajoso e forte descansasse a mão, por um momento, entre as suas mandíbulas. Tyr ousou e vencendo a fera perdeu a mão. Por esse e muitos outros atos de coragem em favor dos homens mereceu a veneração dos mortais e a honra de ver dedicado ao seu culto um dia da semana.

Dia de Mercúrio (Quarta-feira) - Mercarii verbo latino que traduzimos por comerciar, mercadejar, ligou-se a Mercúrio, deus do comércio, dos viajantes e dos...ladrões! Apresentava-se armado com uma vara de duas serpentes, e era positivamente amigo da rapidez e do voo, pois, além de ter asas nos pés, usava um chapéu alado. Mensageiro e arauto de Júpiter, protegia os negociantes e os seus negócios; operações e criaturas essas tão importantes em todos os tempos e lugares que, por fim, alcançaram para o deus a consagração de um dia da semana.

Os germanos quebraram a esta altura a tradição de aliar uma invocação divina a cada dia da semana. À nossa quarta-feira chamaram e chamam Mittwochi, ou seja, meio da semana. Já os ingleses mantiveram o costume denominando a este dia Wednesday, que parece referir-se a Odin, ou Wotan, o maior dos deuses das raças nórdicas. Vivia num palácio de ouro e prata, o Valhala, conhecendo o andamento das coisas do mundo pelas notícias que periodicamente lhe traziam dois mensageiros especiais. Eram dois corvos que, ou estavam viajando à procura de novidades, ou pousados sobre os ombros do deus relatando as bisbilhotices humanas.

Dia do Júpiter (Quinta-feira) - Jeudi, jueves ou giovedi - origina-se de Júpiter (jovis dies), honraria conferida ao pai dos deuses pagãos, comandante dos ventos e das tempestades, cujas mãos dirigiam os raios e liberavam os estrondosos passeios dos trovões.

A ideia quase necessária de homenagear e assim aplacar um deus totalmente poderoso esteve presente também no espírito de vários outros povos. Donnerstag (dia de Donner, o trovão) é a quinta-feira dos alemães. Na Escandinávia, as honras deste dia cabem a Thor, deus proprietário de um martelo tão pesado que só ele o podia manejar e que, ao ser vibrado contra a concavidade do céu, produzia os trovões semeadores de pânico entre os homens. E não só os homens se irritavam e temiam os trovões assim produzidos. Pois o forçudo gigante Thrym, um pouco enervado e roído de inveja, apoderou-se do martelo e ocultou-o. Surdo aos rogos e ameaças de Thor, resolveu devolver o martelo mediante um alto preço: permissão para casar com a deusa Friga. Era coisa que nem mesmo um deus tão poderoso como Thor poderia conceber. Mas como estaria desonrado sem o seu martelo, concebeu uma esperteza audaz: vestiu-se, adornou-se e perfumou-se como a própria Friga e foi ao encontro do gigante que lhe abriu a casa para uma recepção de gala. Mas durante o jantar o apaixonado Thrym assustou-se quando viu a suposta Friga engolir muito à vontade um boi inteiro e oito salmões de tamanho avantajado. Contentou-se, porém, com a explicação de que mesmo para uma deusa a jornada fora longa e o apetite era grande... Quando Thrym sentiu os efeitos do vinho e dos temperos. Thor livrou-se do disfarce, retomou o seu martelo e saiu a vibrá-lo contra o céu, provocando assustadoras trovoadas.

Dia de Vênus (Sexta-feira) - Nascida da espuma para distribuir belezas pelo mundo. Vênus, com este nome ou outro qualquer dos que lhe emprestaram os homens de vários países, traduziu para os pagãos os ideais da formosura, harmonia e amor. Desempenhando função assim importante na vida sentimental e estética dos homens, estava a merecer a homenagem de um dia. Veneris dies dos romanos resultou no venerdi dos italianos, no vendredi dos franceses, no viernes dos espanhois, quando o evoluir dos idiomas neolatinos deixara sepulto no rolar dos tempos as razões primeiras da terminologia romana.

Não só os latinos dedicaram esse dia à deusa do amor e da beleza. Entre os nórdicos ela se chamava Friga e em sua honra os ingleses chamam a este dia friday e os alemães freitag.

Sábado - O deus especialmente caro aos velhos romanos foi exatamente o único despojado, pelo uso e pelo tempo, da homenagem consistente em dar nome a um dia da semana. Isso ocorreu assim: segundo a escala da devoção popular o sexto dia caberia a Saturno. Este era um deus praticamente particular dos povos itálicos, ou melhor, dos romanos. Segundo as mais antigas lendas, Saturno era o senhor principal do Olimpo. Despojado por Júpiter de suas prerrogativas, foi procurar refúgio na região que mais tarde se chamaria Lácio (da palavra latina latere, que significa esconder-se, ocultar-se). Aos homens que acorreram a servi-lo ensinou a agricultura e inaugurou uma era que passou a ser apontada pelos romanos e italiotas como a Idade do Ouro. Sua presença na península emprestou à Itália o nome de Saturnia Tellus, isto é - Terra de Saturno. A mitologia ficou para trás, mas o culto dos romanos continuou. Entregaram ao deus a proteção das semeaduras e da agricultura, proteção essa que agradeciam e invocavam todos os anos com as grandes festas Saturnais celebradas em dezembro. Elas duravam quatro dias com tribunais cerrados, escolas vazias, soldados licenciados, escravos sentados à mesa com os seus senhores! No quarto dia, as honras da festa eram distribuídas entre o deus e a sua esposa Opi ou Rea, deusa identificada com a mãe terra, produtora da vida e da fartura. A festa não era mais do que um retorno imaginário e temporário aos bons tempos em que o deus Saturno reinara e ensinara todas as artes e técnicas aos homens do Lácio.

As festas perpetuaram-se, embora desvirtuadas, por toda a história romana. Mas a homenagem a Saturno correspondente a um dia da semana perdeu-se nas línguas latinas, substituídas pelo termo hebraico Shabbath, que traduz o repouso indicado na velha lei judaica como sendo o dia dedicado ao descanso e às orações.

O idioma inglês permaneceu fiel ao velho Saturno chamando ainda ao seu sábado Saturday."

Fonte: DONATO, Hernâni. História do calendário. São Paulo: Melhoramentos, 1993, pág. 22-26.

sábado, 23 de junho de 2018

Execução em Pelotas


"RIO GRANDE DO SUL
Rio-Grande, 28 de julho de 1847.

Execução dos tres réos sentenciados pelo jury da cidade de Pelotas, em sessão de 23 de março do corrente anno, pelo horroroso crime commettido a bordo do hiate brasileiro - Quibebe.

Na manhã de 22 do corrente mez o sino da matriz de S. Francisco de Paula, chamava a attenção do publico desta cidade a presenciar um acto exemplar da justiça.

Em um dos logares da cadeia se havia erigido o altar, aonde se achava exposta a imagem do Salvador, allumiada por quatro velas, e os réos condemnados á morte, Salvador, Bento e João, recebião as consolações religiosas na hora derradeira.

Os reverendos padres João Baptista Domingues, Pedro Puritany, Antonio Augusto da Assumpção e Souza, Manuel da Silva Lima e João Calisto, forão incansaveis em exortar os infelizes no seu derradeiro dia.

Serião 11 horas pouco mais ou menos, quando chegou a irmandade da misericordia para acompanhar os padecentes, e encontrou o Dr. Juiz municipal Amaro José d'Avila da Silveira, seguido do escrivão Francisco José Ferreira Lagôas, e officiaes de justiça e pregoeiro, e igualmente uma força  de 50 soldados do 8o. batalhão de caçadores, e 20 homens da policia, que postados esperavão para acompanhar os padecentes ao logar da sua execução.

Apenas se approximarão os irmãos da misericordia, os reverendos sacerdotes disserão aos réos que era chegada a hora em que devião marchar, afim de se cumprir a sentença que os condemnava a padecer: que se armassem de uma forte resignação para receberem o golpe fatal, e salvarem sua alma; um dos infelizes derramou copiosas lagrimas e os outros consternados, se entregarão nas mãos dos seus confessores.

Sahio o prestito funebre, e percorreo a rua chamada do Poço, seguindo a da Igreja.

A campa da agonia annunciava o transito dos desgraçados e os corações sensíveis se compungião ao vel-os caminhar ao supplicio.

De espaço em espaço o pregoeiro lia em voz alta a sentença do jury que os havia condemnado a morte.

Chegarão á igreja matriz na occasião em que se dizia a missa do dia, e ali de joelhos encommendarão sua alma a Deos.

Apenas tocou a Santos o prestito seguio ao logar chamado da Luz aonde, ao lado direito do cemiterio, se havia levantado a forca.

Mais de mil pessoas de todos os sexos e idades atulhavão a longa campina, e com um silencio funebre, e de um aspecto reverente observarão attentamente o cumprimento da lei.

O primeiro dos réos executados foi o preto João, que por incuria ou negligencia do carrasco, depois de com elle executar as operações usadas em similhantes casos, passou ao segundo, e logo que acabou deste, o primeiro fez alguns movimentos dando signaes de vida, tendo por isso de ser levado novamente a padecer, ficando pendurado até que se executasse o terceiro.

Não houve a pratica costumada em taes actos, feita pelo sacerdote disso encarregado, em consequencia do muito vento que fazia, e nada se poder ouvir.

A uma hora estava concluido.

Possa este exemplo servir de correcção aos malfeitores, e affastar da sociedade os crimes horroroso: a lei em taes actos faz estremecer os homens, porém a justiça cumpre um dever, punindo o deliquente, e a humanidade exulta, vendo punido o crime do agressor. 

(Do Rio-Grandense)."

Fonte:  O MERCANTIL (RJ), 31 de Agosto de 1847, p.01, c.03-04


sexta-feira, 22 de junho de 2018

A farda do marechal


"Existe na cidade de Pelotas, em poder do apreciavel cavalheiro, sr. coronel Urbano Martins Garcia, uma preciosa reliquia para a nossa existencia republicana - a farda que vestia, na manhã de 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca, quando dirigiu o generoso movimento militar de que resultou o estabelecimento das instituições democraticas na nossa Patria.

Essa farda foi pelo glorioso soldado, cujo nome o Brasil ha de sempre recordar em homenagem de veneração, como tendo vínculo de amizade, ao sr. Cesar Pereira Navarro, que durante muitos annos residiu na referida cidade, onde exerceu a profissão de advogado."

Fonte: DIARIO DE MINAS (MG), 05 de Novembro de 1899, pág. 01, col. 02

quinta-feira, 21 de junho de 2018

A casa do imigrante italiano


"Com o florescimento das colônias, já no início do século XX, casas em pedra, com ou sem reboco, começaram a ser construídas: marcadas ainda estavam as características arquitetônicas das regiões de procedência. A tradicional casa colonial vêneta de dois ou três pisos pode ser vista nas mais diversas localidades de colonização italiana na serra gaúcha. Construída em três andares, a habitação era constituída de uma cantina no andar inferior, de uma zona diurna no nível intermediário e de uma zona noturna no último piso.

O andar mais baixo da moradia, muitas vezes abaixo do nível do terreno, servia para a conservação dos gêneros alimentícios, tais como queijos e salames, bem como para a produção do vinho. Imediatamente acima, tinha-se o espaço da vida social familiar e comunitária - era o lugar da cozinha e da 'sala de estar', onde a família se encontrava durante o dia e onde se recebiam os visitantes, especialmente nas noites de filò. O terceiro piso era onde se encontravam os quartos, era uma zona mais reservada e íntima da casa.

Algumas moradias, especialmente aquelas feitas em madeira, tinham a cozinha em um espaço fora da casa, construído a uma certa distância. Isso se devia grandemente ao perigo de incêndio que a precariedade dos antigos focolare trazia. Assim, a distância entre a cozinha e a habitação permitia uma segurança maior à família quando da utilização do fogo.

O espaço doméstico, além de ser o lugar da vida familiar do imigrantes, também é, por excelência, o locus da rememoração das experiências da trajetória da família e do grupo étnico. No interior da residência, as histórias coletivas são reinventadas e o mito civilizador da imigração italiana é edificado. Dessa forma, os preceitos religiosos são mantidos e enriquecidos pelos rituais quotidianos de orações, invocações, súplicas e ladainhas e a trajetória da imigração vai sendo revisitada, especialmente a partir das aventuras de Nanetto Pipetta."

Fonte: BENEDUZI, Luís Fernando. Conquista da terra e civilização do gentio: o fenômeno imigratório italiano no Rio Grande do Sul. In: Anos 90, Porto Alegre, v. 12, n. 21/22, ja./dez. 2005, p. 279-280.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Benjamin Constant


"Militar, professor e político brasileiro (1833-1891), que se notabilizou como um dos fundadores da República. Cursou a Escola Militar, dedicando-se, porém, mais à Matemática que às coisas das armas. Tendo sido um dos grandes discípulos de Augusto Comte no Brasil, fundou a Escola Normal Superior. Distinguiu-se por atos de bravura na Guerra do Paraguai, mas não participou dela até o fim: atacado por febres palustres teve de regressar ao Rio de Janeiro: logo depois fundaria nesta cidade o Instituto dos Meninos Cegos, posteriormente chamado Instituto Benjamin Constant. Já como tenente-coronel (1888), bateu-se ardorosamente pela República, tendo ocupado a pasta da Guerra durante o Governo Provisório. Atingiu o posto de general-de-brigada e foi ministro da Instrução Pública em 1890: foi quem ideou a divisa Ordem e Progresso para a Bandeira Nacional."

Fonte: Dicionário Cívico-Histórico Brasileiro, 1980.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Atentado maragato em Piratini em 1895


"- O Diario Popular de Pelotas teve as seguintes informações sobre um hediondo attentado que contra o cidadão Patricio Nunes, em Piratiny, praticou um grupo de revoltosos;

<<A proposito do assalto que os maragatos fizeram á casa do nosso amigo capitão Patricio, conta nos pessoa bem informada tudo o que se passou, minunciosamente.

Os miseraveis, á noite chegaram á casa do capitão Patricio, e, entre mil improperios, chamavam em altos brados indecentes - que abrisse a porta, para pagar o que em tempo fizera contra a familia Caldeira.

Como é natural, o capitão Patricio não satisfez a exigencia dos canalhas, e, então elles, que não recuam diante dos mais horrorosos crimes, ameaçaram incendiar a casa, o que realmente começaram a tentar, pelos fundos, n'uns contrafeitos.

Depois, voltaram á frente e amontoaram lenha e taboas na porta, com o fim de tambem alli atearem fogo.

Imagine se a situaçao das pessoas que se achavam no interior da casa: o capitão Patricio Rosalino Nunes, sua esposa, um seu cunhado e seu filhinho.

A mulher do capitão foi a primeira que tentou fugir, com seu filho, pensando, que em attenção ao seu sexo, os maragatos nada lhe fizessem.

Engano cruel; pois os crapulosos bandidos apunhalaram-n'a covardemente, matando a pobre criança com horrivel talho na cabeça!

O capitão Patricio e seu cunhado foram mais bem succedidos na fuga, tendo ambos conseguido escapar a muito custo, este sob o fogo dos bandidos e aquelle tendo de matar o criminoso que na janela por que elle saltou, quiz atacal-o.

Mais tarde, voltou o capitão á sua casa, conseguindo dominar o fogo que nella lavrava, graças á ausencia dos miseraveis.

A malóca que atacou a casa do capitão Patricio era composta de 23 galés.>>"

Fonte: MINAS GERAIS (MG), 05 de Fevereiro de 1895, pág. 05, col. 01

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A Revolta dos Muckers


"O Ferrabrás é um dos montes mais imponentes no vale do rio dos Sinos, entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. O longo chapadão termina abruptamente numa agressiva escarpa coberta de mata virgem. Mais abaixo, fica a cidade de Sapiranga, com suas sessenta pequenas indústrias, e rosas vermelhas plantadas ao longo de todas as calçadas. Ainda hoje, um século depois dos sangrentos episódios que transformaram o vale num campo de batalhas medievais, uma palavra atemoriza os pacatos habitantes da região: mucker!

A revolta dos muckers é um dos episódios mais violentos e desconhecidos da história do Brasil. Fundada por uma colona alemã, histérica e desequilibrada, Jacobina Maurer, e por seu marido, João Jorge Maurer, carpinteiro que se transformou em médico-curandeiro, a seita foi exterminada pelo Exército e milícias civis.

Um dos primeiros documentos sobre o assunto, o livro publicado na Alemanha, em 1900, pelo padre jesuíta Ambrósio Schupp, apresenta os fanáticos como um grupo de bandidos sanguinários e seus destruidores como heróis que vieram redimir uma região conturbada. Na obra, baseada em testemunhas, jornais da época e relatórios oficiais, Jacobina aparece como uma mulher extremamente sensual e seus seguidores são classificados como uma matilha de sabujos. Entretanto, outro livro, publicado em 1957 por Leopoldo Petri, conceituado historiados da colonização alemã no Brasil, analisa os fatos de forma diferente. A responsabilidade pela tragédia do Ferrabrás é dividida entre os fanáticos e seus inimigos.

O que realmente se passou no vale dos Sinos nos alucinados anos de 1873 e 1874, por obra de fé e da loucura de Jacobina Maurer e seus apóstolos? Em busca de uma versão objetiva, REALIDADE ouviu historiadores, visitou museus, consultou obras antigas, relatórios oficiais, e percorreu o local dos acontecimentos ouvindo velhos colonos.

A seguir, REALIDADE apresenta um relato dos acontecimentos que levaram os muckers à sua trágica morte e que incendiaram o morro do Ferrabrás.

Desde menina, Jacobina Mentz apresentava sinais de desequilíbrio psíquico. Introvertida e solitária, ela era vítima de insônias e crises de catalepsia (morte aparente). Seu pai, Libório Mentz, homem rígido e muito religioso que chegara ao Brasil em 1824, após longo desentendimento com as igrejas protestantes da Alemanha, educou-a numa piedade extremada, entre horas de jejum e oração.

Em 1865, porém, com 23 anos, recém-casada com o carpinteiro João Jorge Maurer, 22 anos, três elementos viriam influir na vida do casal: um curandeiro, um pregador e um livro.

Buchorn, um médico popular, ensinou a João Jorge o segredo das plantas medicinais. Beneficiado pela lenda de que havia sido diplomado por uma voz celestial, o ex-carpinteiro começou a receitar.

Ao mesmo tempo, Hardes Fleck, um pregador aventureiro, iniciava Jacobina nos mitérios da Bíblica. Atenta às explicações do inesperado mestre, ela aprendeu desconexamente trechos esparsos do Apocalipse e dos mais violentos sermões evangélicos.

Entre os colonos alemães do vale corria um livro que afirmava ser o sonambulismo algo divino e venerável. Jacobina era sonâmbula e sua fé histérica somada ao curandeirismo de João Jorge encontraram campo fácil para aprofundar suas raízes. Angustiados pela vegetação desconhecida, por cobras e aranhas venenosas de um país estranho; analfabetos, os imigrantes passaram a buscar com os Maurer aquilo que podia amenizar suas vidas incertas: remédio e religião.

As curas e as pregações do casal, de repente, tornaram Sapiranga um lugar importante.Caravanas de cegos, aleijados, doentes, curiosos e desesperados vinham de longe, até de Porto Alegre e Pelotas, e eram recebidos carinhosamente na casa dos Maurer.

Não tardou muito para os seguidores de Jacobina serem apelidados de muckers. Isto é, beatos, santarrões, fanáticos.

'Eu vim trazer a guerra, separar o pai do filho' - Coagidas ou de vontade própria, 32 famílias passaram a reverenciar Jacobina, enquanto aumentavam as hostilidades contra a sua seita. Uma ovelha que aparecesse ferida ou morta era logo levada à conta dos fanáticos. E nem só ovelhas se ferem ou morrem num vale. José Kraemer, um comerciante da região, foi encontrado morto, no meio do mato. Provavelmente caíra do cavalo. Mas, para muitos, não houve dúvidas: era obra dos muckers. Dias depois, enforcava-se Pedro Hirst, um homem que vivia falando em doenças e suicídio. O povo logo espalhou que sua morte era devida aos conselhos de João Jorge, com quem conversara um dia antes.

Nesse clima tenso, um maio quente se aproximava, o de 1873. No dia 7, Jacobina fez seu mais ousado sermão. Para que mandar as crianças à escola se o fim do mundo estava anunciado? Para que ir à igreja, se lá não se explicava direito o conteúdo da Bíblia? Cristo viera trazer a guerra, não a paz. Viera separar pai de filho, marido de mulher. Por isso, a esposa que não queria acompanhar o marido às reuniões deveria ser trocada por outra. E vice-versa.

O escândalo provocado por essas palavras originou um abaixo-assinado de 47 pessoas ao delegado de São Leopoldo, solicitando providências contra as mistificações médicas e religiosas que se praticavam no Ferrabrás. Lúcio Schreiner, o delegado, era primo de João Jorge Maurer, com quem estava brigado devido a problemas políticos e a um empréstimo negado pelo esposo de Jacobina.

Duas semanas depois, Maurer e alguns devotos foram presos e encaminhados à delegacia de São Leopoldo.

Jacobina foi encontrada morta. O corpo embarcou numa carroça e viajou 40 quilômetros até São Leopoldo, onde ficou exposto na Casa de Câmara. Foi picado com alfinetes, canivetes, puxaram seus cabelos, moveram seus membros e nada. Veio o médico, doutor Hillebrand, e seu exame constatou que, independente de profunda letargia - Jacobina aprendera a dominar seus ataques catalépticos segundo as necessidades do momento - , a morta gozava de boa saúde. Os muckers presos puseram-se a cantar e logo sua profetisa acordou entre abraços e beijos de seus adeptos.

Transferidos para Porto Alegre, dias depois, todos os fanáticos foram soltos, por falta de provas.

A intriga cercava os caminhos dos muckers - Um atentado contra a vida do subdelegado de Sapiranga foi atribuído aos muckers e 33 deles passaram vários dias na prisão. Animais das criações dos fanáticos eram mortos, as cercas de suas casas incendiadas. Eles eram vaiados e humilhados nas ruas das cidades vizinhas.

Sem reagir, os líderes da seita resolveram apelar para o imperador. Maurer embarcou para o Rio de Janeiro com uma longa lista de queixas. Não houve resultados.

Na sua volta, atônito, soube que sua mulher o trocara por Rodolfo Sehm, alegando que este tinha um espírito mais forte, mais adequado ao momento. E aconselhava outras pessoas a trocar de parceiro, chegando a escolhê-los, em certos casos. 'Eu não controlo mais Jacobina' disse Maurer. 'Para mim ainda vai sobrar uma bala'.

Sua previsão era incompleta. Em breve o Ferrabrás estaria transformado num inferno.

O terror dos muckers começou efetivamente no dia 15 de junho de 1874. O colono Martinho Kassel, ex-seguidor da seita, intimado por Jacobina a voltar às práticas religiosas, foi a São Leopoldo apresentar queixa à polícia. Ao regressar, viu sua casa fumegando e, sob as cinzas, os cadáveres da esposa e de dois filhos. Nicolau, o filho mais velho, saiu do mato rastejando, ensanguentado e quase à morte. Mal pode dizer: 'Os muckers! Os muckers!

Sapiranga emudeceu de pavor.

Colonos arrecadaram seus bens e a família e fugiram. As casas dos que ficaram viraram fortalezas, armadas e vigiadas dia e noite. Em São Leopoldo, cem praças enviados pelo governo provincial para reforçar a guarnição local preparavam-se para investir contra os assassinos.

Mas os muckers estavam no auge de sua insanidade. Na noite de São João - 24 de junho - imensas fogueiras espalhadas pelo Ferrabrás iluminaram todo o vale dos Sinos. Armados e divididos em grupos, vingaram com sangue as ofensas recebidas. Incendiaram a casa de Carlos Brenner e mataram a coronhadas suas três crianças. Mataram a tiros a mulher e a filha de Filipe Sehm. Teodoro Balz foi carbonizado com toda a família dentro da sua casa. A golpes de facão foram mortos o velho Jacó Maurer e seu filho Guilherme. A tiros, a mulher e a mãe do colono Andreas Dick. Quatro casas comerciais de Sapiranga foram incendiada e um comerciante morto a tiros.

Na Picada dos Portugueses, próxima a Ferrabrás, os colonos iniciaram a reação. As casas de sete famílias muckers foram incendiadas, mulheres e crianças feitas prisioneiras e s homens, em fuga, caçados pelos matos. Mas o pior ainda iria acontecer.

Confusão e mortes no primeiro ataque - A notícia que corria em Porto Alegre dava conta de que o Ferrabrás era uma imensa fortaleza, com casamatas, víveres, munições e quinhentos homens armados. Anunciava-se que a seita tinha ramificações em todo o Estado e estava apoiada por uma potência estrangeira. Para lá seguiu o coronel Genuíno Sampaio, herói da recente guerra contra o Paraguai, à frente do 12o. Batalhão de Infantaria, parte do 3o. Batalhão e cem cavalarianos da Guarda Nacional.

Suas tropas chegaram a Sapiranga ao cair da tarde do dia 28 de junho. E o coronel, com 250 homens, decidiu investir imediatamente para pegar os fanáticos dormindo. Dividiu as forças para atacar pelas duas picadas que levavam a um casarão de madeira, onde Jacobina e quarenta fanáticos, mais mulheres e crianças, estavam entrincheirados. Porém, os dispositivos de defesa e a inabilidade dos soldados levaram o assalto ao fracasso.

Uma das picadas estava obstruída por troncos e a inadvertida coluna que seguiu para lá resolveu voltar, indo ao encontro da outra. Esta, ao perceber movimento de tropas atrás de si, sentiu-se encurralada. Foi quando os muckers abriram fogo cerrado. Cinco soldados morreram, 41 foram feridos e o resto debandou.

Novo ataque foi realizado no dia 19 de julho. As tropas estavam reforçadas por 108 praças do 3o. Batalhão de Infantaria, cem cavalarianos da Guarda Nacional, contingentes das cidades de Rio Grande e Pelotas e duzentos voluntários civis. O governo central enviara seis canhoneiras e a Companhia de Bondes de Porto Alegre emprestara cem mulas para transportar os víveres e munições até Campo Bom, a 15 quilômetros do imponente Ferrabrás.

Vinte vezes inferiores numericamente às forças do Exército que avançavam em três frentes, os muckers morreram um a um. Quase só mulheres e crianças ainda estavam vivas dentro do casarão de madeira quando foi dada a ordem de incendiá-lo.

Ao ver sua irmã, Maria Sehm, cair baleada, uma garota de 10 anos gritou enfurecida para os soldados: 'Você são tantos, não têm vergonha?'. E correu para junto da mãe, que também foi baleada com um filho no colo (mais tarde, esse menino foi prefeito de São Leopoldo). A mãe teve as orelhas e dedos cortados - os pilhadores não podiam perder tempo retirando brincos e anéis. Oito outras foram assassinadas e seus cadáveres seviciados. Várias crianças morreram nas chamas. Um civil, a golpes de baioneta, espetou uma velha cega contra a parede. Outro foi visto brandindo uma vara com dois fetos gêmeos pendurados na ponta. Todas as casas dos muckers foram pilhadas e incendiadas.

Na mesma tarde, o coronel Genuíno comunicou ao presidente da Província que a vitória fora completa. Mas não conseguiu saborear o seu feito. Pela madrugada morreu ferido, por seus soldados que, assustados por um movimento nas matas próximas, abriram fogo contra os companheiros.

O comunicado do capitão Santiago Dantas a Porto Alegre no mesmo dia, dizia: 'Escrevo ainda sob a impressão dolorosa da morte do coronel e de um dos espetáculos mais pungentes que tenho presenciado em minha vida, qual o incêndio e a carnificina feita sobre míseras mulheres e crianças'.

No dia seguinte, o corpo do coronel foi transportado para Porto Alegre juntamente com a notícia: Jacobina e seus principais apóstolos não estavam entre os mortos. Em algum recanto do Ferrabrás continuavam imbatíveis.

O último tiro, no peito de Jacobina - A 2 de agosto, ajudado por um ex-mucker que revelou o local onde Jacobina se refugiara, Santiago Dantas travou a batalha final. Encurralados numa clareira onde construíram ranchos de couro, os fanáticos - treze homens e quatro mulheres - não puderam escapar ao lento e minucioso cerco de tropas. Jacobina foi a última a morrer. Ferida no peito, desvairada, caiu sobre o corpo de Rodolfo Sehm, seu amante. O casal foi atravessado por baionetas. Duas covas abertas no próprio local receberam os corpos, inclusive o de uma garota de 3 meses, filha da profetisa. Em seu relatório, o capitão Dantas, que impediu atos de selvageria, referiu-se com respeito aquele punhado de homens e mulheres.

Em janeiro de 1875, João Jorge Maurer, que conseguira escapar a todas as batalhas, foi encontrado morto nas matas do Ferrabrás. 

Enforcara-se numa fina gravata de seda. Os 23 muckers presos foram condenados em março de 1876; a pena mais alta para Pedro Mentz, irmão da fanática, que recebeu prisão perpétua. Sete anos depois, todos foram absolvidos.

Em São Leopoldo, o atual diretor do Museu Regional, professor Telmo Müller, que há anos vasculha a região em busca de objetos e documentos relativos aos muckers, confessa: 'É falar em mucker e o pessoal fica mudo. Ainda hoje essa palavra inspira terror'."

Fonte: REALIDADE (SP), edição 95, ano 1974, pág. 72-75
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