sexta-feira, 19 de junho de 2015

A colonização europeia na região da Serra dos Tapes

Brasão de Armas da Pomerânia
Trecho extraído de: SALAMONI, Giancarla; WASKIEVICZ, Carmen Aparecida. Serra dos Tapes: espaço, sociedade e natureza. Tessituras, Pelotas, v. 1, n. 1, p. 73-100, jul./dez. 2013. (trecho das páginas 81 a 86)


A partir de 1848, a colonização passa a ser incentivada pelo Governo Geral, o qual cedeu certa quantidade de terras com o fim de formarem-se colônias agrícolas. Em princípio, essa ação do governo não foi bem vista pelos latifundiários, porém muitos desses proprietários de terras aderiram à política de colonização, parcelando porções das propriedades que não eram propícias ao desenvolvimento da pecuária, ou seja, as áreas de matas e de relevo mais íngreme. Assim, no sul do estado do Rio Grande do Sul a colonização também esteve amparada em iniciativas particulares, ainda que os Governos Imperial e Provincial tivessem o controle oficial sobre o processo de instalação de colônias, com base na imigração europeia não portuguesa. Com isso, ocorreu a introdução dos primeiros colonos na zona da mata da Serra dos Tapes. Diante deste contexto, surgem as iniciativas particulares de colonização, contribuindo para o parcelamento da terra (desconcentração fundiária), para a diversificação produtiva e, não menos importante, para a formação da diversidade étnico-cultural da Serra dos Tapes. Por outro lado, Grando (1989) esclarece que os estancieiros-charqueadores viram nesse processo de colonização mais uma oportunidade de enriquecimento, participando diretamente da especulação fundiária. Nas palavras da autora: “apossavam-se das terras de mato contíguas as suas propriedades e transformavam-nas em colônias a serem vendidas aos imigrantes, retendo para si, todavia, as terras planas. O sistema de colonização privada juntouse, assim, à colonização oficial” (GRANDO, 1989, p. 18).  Em 1849, tem-se a criação de colônias, em Pelotas, de caráter particular, como a colônia D. Pedro II, que se formou a partir da atuação da Associação Auxiliadora da Colonização. As colônias Nova Cambridge e Monte Bonito são fundadas em 1850, respectivamente, por irlandeses e alemães prussianos. Com relação à formação desta última colônia, Peñafiel (2006) diz que: Assim, outros empreendimentos foram surgindo.

Nesse mesmo período, Thomaz José dos Campos pediu licença ao Governo Provincial (referindo-se à província de São Pedro do Rio Grande) para contratar famílias de imigrantes irlandeses e obter financiamento para poder subsidiá-los nos primeiros anos nas terras da colônia Monte Bonito. Assim, entre o período compreendido entre 1850 e 1858, 14 empreendimentos privados foram realizados, resultando em 16 novos núcleos coloniais agrícolas (PEÑAFIEL, 2006, p. 49).

A colonização com imigrantes franceses se dá a partir de 1879, também na região da Serra dos Tapes, formando a Colônia Santo Antônio, por iniciativa do comerciante João Pinheiro. Sobre essa colônia, Salamoni (1992) explica que:

A importância histórica dessa colônia – Santo Antônio – é patente, haja vista que ela representa a origem da produção familiar de frutas e sua ação artesanal abriu caminho para a formação das primeiras indústrias rurais, no município de Pelotas. Atualmente, esta região  constitui-se na maior região produtora de pêssego do Brasil e apresenta o maior Complexo Agroindustrial de Doces e Conservas Vegetais do País (SALAMONI, 1992, p. 38).

Mais tarde, entre 1883-1887, é fundada a colônia São Simão, por Simão da Rocha, que contava, inicialmente, com 10 lotes e 23 moradores. Ullrich (1984) escreve que:  

Os habitantes são todos brasileiros, com exceção de uma família italiana. Não existe uma comunidade. Na entrada da colônia localiza-se um moinho e uma olaria, ambos pertencentes ao italiano. O fundador da colônia possui uma grande plantação de uva e, como único no sul deste estado, um canavial de açúcar, juntamente com a destilaria, a qual produz um excelente produto (ULLRICH, 1984, p. 4).

Em 1881, o Governo Imperial criou algumas colônias, sendo que a que obteve êxito foi a Colônia Maciel, que em 1883 passa a receber imigrantes italianos. Com imigrantes alemães, foi criada a Colônia Municipal, administrada pela Câmara Municipal de 1880 a 1886.  Ainda no início dos anos 1880, foi criada a colônia Santa Coleta, por Capitão Ribeiro, constituída por imigrantes alemães e, entre 1885-87, a Colônia de Domingos, formada por famílias brasileiras, portuguesas e originárias das Ilhas Canárias. Posteriormente, ainda por iniciativa do Governo Imperial, foram criadas as colônias de Arroio do Padre, Terrenos do Machado, Terrenos dos Chaves. Entre 1885-90 e 1893, respectivamente, criaram-se as colônias Zacarias e Batista, pelo Governo Imperial, e Santa Aura, fundada por iniciativa particular.  Em 1892, foi fundada a Colônia Santa Helena, pelo Barão Von Schlegel, composta por moradores alemães. Em 1893, a Colônia São Manoel (Fazenda Três Barras) é criada por Pedro Toledo, composta, em maior proporção, por alemães e pomeranos, sendo apenas duas as famílias de brasileiros e italianos. Ainda, em 1893, João Schild funda a colônia de Santa Maria, formada majoritariamente por alemães (ULLRICH, 1984). 

Até 1909 esse processo de colonização influenciou a organização da estrutura fundiária, fracionando os latifúndios e caracterizando a região montanhosa pela implantação da produção familiar em pequenas propriedades por imigrantes europeus não portugueses e, nas áreas de relevo plano, a ocupação por grandes proprietários luso-brasileiros. Esta diferença étnica na ocupação do território influencia, ainda na atualidade, uma diferenciação na organização espacial das duas porções de relevo dos municípios de Pelotas e São Lourenço do Sul. Ou seja, grandes propriedades nas terras de planície, ocupada pelos portugueses, e as pequenas propriedades na Serra dos Tapes, ocupada pelos colonos. Ainda, marcada pela presença da produção de arroz e gado de corte nas terras baixas da Planície e uma maior diversidade produtiva na região serrana, de base familiar, com produção de milho, batata, hortaliças, feijão, entre outros produtos agrícolas. Lima (2006) explica que:

Em termos históricos de ocupação do solo, cabem as seguintes observações: as terras baixas foram ocupadas primeiramente pelos portugueses, que se dedicaram à atividade pecuária, para a produção de charque e as terras dobradas, da chamada Serra dos Tapes, foram ocupadas a partir de 1858, pelos imigrantes alemães/pomeranos, que favoreceu a diversificação da produção (LIMA, 2006, p. 16).

A porção da Serra dos Tapes, no atual município de São Lourenço do Sul, recebeu imigrantes pomeranos e alemães para a formação de suas colônias. Assim, em 1856, após ter obtido autorização do Governo Imperial para a compra de terras, a iniciativa do empresário alemão Jacob Rheingantz, em sociedade com o lourenciano Cel. José Antonio de Oliveira Guimarães, deu início a colonização europeia não portuguesa. Conforme palavras de Coaracy (1957):

Hoje o próspero e rico município de São Lourenço do Sul celebra o primeiro centenário de sua fundação e origem, a Colônia de São Lourenço, que a 15 de janeiro de 1858, Jacob Rheingantz estabeleceu nas solidões agrestes da Serra dos Tapes, a margem do curso sinuoso do rio Camaquã (COARACY, 1957, p. 27).

Cabe ressaltar, que a então denominada Colônia de São Lourenço fazia, no ano de 1858, parte do município de Pelotas. Assim, os descendentes dos imigrantes distribuíram-se, posteriormente, pela região serrana dos municípios de Canguçu e Pelotas. A formação histórica de São Lourenço do Sul remonta à doação de uma sesmaria de terra ao capitão José Cardoso Gusmão, em 1786, pelo rei de Portugal. Assim, inicialmente as ocupações humanas foram representadas por portugueses/açorianos (século XVIII), que ocuparam as terras em torno da Capela de Nossa Senhora do Boqueirão, construída em 1807. Mais tarde, em 1830 foi construída a igreja, ano em que ocorreu o desmembramento do município de Pelotas do município de Rio Grande6.  Até meados do século XX São Lourenço do Sul era uma vila tipicamente portuária e esse fortalecimento do comércio e crescimento do porto elevou-a a categoria de cidade, em 1938. O êxito da colonização na Serra dos Tapes foi reconhecido em menos de cinco anos, quando os imigrantes pomeranos e alemães já produziam milho, feijão, batata, ovos, leite, entre outros gêneros alimentícios, destinados tanto ao autoconsumo das famílias rurais quanto ao abastecimento do mercado local e regional. Assim, reforçando as características da diversificação agrícola e do trabalho familiar, Salamoni (2001) ressalta que:

O tipo de economia colonial implantada pelos imigrantes alemães teve como característica marcante o estabelecimento da policultura a qual, segundo a tradição alemã, deveria solidificar o caráter independente dos colonos. Ao lado disso, o trabalho familiar serviria para reforçar essa ideia de independência, uma vez que não se utilizava mão de obra externa entre os colonos. Todos os membros da família envolviam-se nas tarefas domésticas e na produção agrícola a fim de alcançar a autonomia econômica (SALAMONI, 2001, p. 8).

Antes da chegada dos portugueses, a ocupação do município de Canguçu esteve ligada a presença dos índios Tapes, mencionados anteriormente. Por volta de 1756, inicia-se a colonização portuguesa, pela qual as terras foram distribuídas a militares a serviço da Coroa, na forma de sesmarias. Segundo Silva Neto e Basso (2005), a formação de uma estância pecuarista, com tamanho correspondente a uma sesmaria (13.000 hectares), poderia envolver a criação de 4.000 a 5.000 cabeças de gado. No entanto, por quase duas décadas as terras ficaram sob o domínio espanhol, sendo somente retomadas pelo exército português em 1777. As áreas destinadas à formação das estâncias foram, principalmente, as zonas de campo, localizadas ao norte do município e que possibilitaram o desenvolvimento da pecuária extensiva. 

Por outro lado, as áreas de floresta da Serra dos Tapes, abrangendo os municípios de Canguçu, Pelotas e São Lourenço do Sul, tiveram sua ocupação relacionada à presença dos imigrantes, em três momentos distintos:   1º (1756): concedidas datas de terras (cerca de 272 hectares) a famílias açorianas;  2º (1850): chegada de imigrantes alemães e pomeranos. Essa ocupação se deu como processo de expansão das fronteiras agrícolas, mais especificamente da colônia de São Lourenço do Sul;  3º (1875): destinados lotes de 20 hectares de terras a famílias italianas. Com o passar do tempo, os rendimentos obtidos com a atividade agrícola propiciaram a compra de mais terras para os filhos desses imigrantes (COTRIM, 2003). Além destes, podem ser mencionadas as ocupações de pequenos espaços destas áreas por escravos e seus descendentes, seja por doações de terras ou por posse, tanto de escravos libertos quanto fugitivos (ZARTH, 2002; RUBERT e SILVA, 2009). Neste sentido, expressando a organização espacial nas áreas de pequenas propriedades agrícolas, Salamoni (2001) escreve que:

Por meio da pequena propriedade familiar e da produção de gêneros alimentícios diversificados, introduziu-se um novo padrão econômico e sociocultural no Sul do Império. Da mesma forma, o fato de os imigrantes terem ocupado a mesma condição de colonos, determinou a estruturação de uma organização social original, nessa mesma porção do território nacional (SALAMONI, 2001, p. 7).

A colonização na Serra dos Tapes enfrentou algumas dificuldades para a implantação dos cultivos agrícolas. Desde os condicionantes físicos, representados por um relevo íngreme, coberto por mata densa, até a precariedade da infraestrutura oferecida aos colonos (falta de instrumentos de trabalho e péssimas condições de moradia). Assim, inicialmente, os colonos derrubaram a mata e implantaram a rotação de terras, caracterizando um sistema primitivo de cultivo, também denominado de “roça” (WAIBEL, 1979).  As informações obtidas sobre o sistema agrário das primeiras colônias mostram indícios da primitividade dos meios de produção utilizados nas atividades agrícolas. O isolamento em que se encontravam, aliado à falta de iniciativa governamental no sentido de criar as bases para o desenvolvimento nas colônias, provocou um rebaixamento no padrão técnico do imigrante, em relação ao utilizado na Europa. Muitos colonos abandonaram o uso do arado e passaram a empregar apenas instrumentos para trabalhos manuais. Grando (1989) confirma as condições sob as quais a natureza foi apropriada pelos colonos no município de Pelotas, quando diz que estes adotaram “um sistema de culturas sobre queimadas, após a derrubada do mato virgem ateavam fogo e em seguida preparavam a terra só com o uso da enxada” (GRANDO, 1989, p. 66). As terras de matas foram consideradas o centro de expansão das colônias na Serra dos Tapes e, não importando qual tenha sido o agente colonizador, nem a natureza étnica do povoamento nessas áreas, a implantação e consolidação da propriedade agrícola familiar enfrentou a mesma série de dificuldades. 

As restrições de ordem técnica e econômica também se deveram, em parte, ao isolamento geográfico das colônias. Em Pelotas, esse último fator foi amenizado com a construção de um ramal ferroviário, no inicio do século XX, que ligava Porto Alegre com a fronteira argentina, a oeste, criando a possibilidade de integrar as áreas coloniais situadas na Serra dos Tapes com o restante da região (SALAMONI, 2001). Nas palavras de Grando (1989, p. 78), “os colonos sentiam-se atraídos pelas terras da Serra dos Tapes, pela certeza da boa qualidade dos solos e da facilidade de colocação da produção agrícola nas cidades de Pelotas e Rio Grande-onde se situa o único porto marítimo do Rio Grande do Sul”. 

Desse modo, essa região colonial esteve, desde cedo, numa posição privilegiada, dada a proximidade de dois importantes mercados consumidores e exportadores – os núcleos urbanos de Pelotas e Rio Grande. Assim, os colonos encontraram incentivos para desenvolver, imediatamente à sua instalação na Serra dos Tapes, uma produção de caráter comercial, baseada em sistemas de cultivo voltados à semiespecialização agrícola. Esta tendência representou um avanço: os colonos substituíram o sistema primitivo sobre queimadas, baseado no uso de ferramentas manuais, por sistemas que empregavam a tração animal.  Nos anos que se seguiram à colonização, a fisionomia natural da Serra dos Tapes foi sensivelmente modificada, pois, os grupos humanos nela fixados imprimiram, sobre o espaço, formas de adaptação às condições do meio físico. O modo particular de organização social e econômica dos colonos pode ser associado ao que Sorre chama de “gênero de vida”, ou seja, “[...] através do qual o modo do habitat, a estrutura agrária, partilha e forma dos campos - o tipo de propriedade e exploração - inscrevem no solo, em traços materiais, o funcionamento do gênero de vida” (SORRE, 1963, apud SALAMONI, 2001, p. 37)
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