sábado, 29 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte IX

O Novo Potencial da Pedreira
Em 1996, após anos de gradual paralisação das atividades da Pedreira concernentes ao D.E.P.R.C. e as normais aposentadorias, o número de servidores encontrava-se reduzido a 22 trabalhadores. Em reportagem do jornal “Folha da Cidade”, de Rio Grande, é exposto a situação de total abandono do setor e o fato de os funcionários terem que se ocupar com a limpeza e a manutenção do local apenas. Isto é, funções para as quais não foram contratados. Nos dois anos seguintes, através do programa de demissão voluntária do Governo do Estado, o número de funcionários diminui ainda mais. Parte dos que ficaram foram cedidos a escolas estaduais, ocupando-se em serviços de vigilância[1].
O que se tornou realidade é que a Pedreira do Cerro do Estado não iria mais ser explorada por uma autarquia pública. No máximo, os serviços de limpeza e guarda ainda subsistiriam. A partir de então, a Pedreira, por seu incontestável legado cultural, econômico e histórico passou a ser vista pela comunidade através de uma nova ótica: o seu potencial turístico.
A elevação granítica de cerca de 125 metros de altitude possui excelentes paisagens naturais, relevante conjunto patrimonial de valor histórico, além de não estar numa zona deveras afastada do centro municipal. Algumas iniciativas de resgate histórico e de valorização cultural da área foram surgindo a partir do ano 2000. Em 2004, ocorreu a primeira edição da festividade “Sonho de Natal” – evento realizado em dezembro com várias atrações musicais e artísticas, incluindo a encenação de um auto comemorativo. No carnaval deste mesmo ano, o G.R.E.S. Formandos da Pedra (que é oriundo da comunidade do Cerro do Estado) apresentou nos desfiles de Carnaval da cidade um enredo com tema alusivo à Companhia Francesa na Pedreira. Estudos da Faculdade de Arquitetura da UFPel e trabalhos de consultores independentes já apontaram a evidente potencialidade turística do local, bem como atividades de extensão da Emater buscaram desenvolver o trade turístico na comunidade.  O Departamento Municipal de Cultura, Desporto e Turismo propôs a realização de um trilha de trekking aproveitando o antigo traçado da linha férrea entre o Teodósio e o Cerro do Estado. Em 2009, vinte e seis turistas provenientes de Pelotas, Rio Grande e São Lourenço do Sul, em excursão promovida pela Terrasul Viagens visitaram o lugar, em atividade realizada em parceria com a Casa de Cultura Jornalista Hipólito José da Costa, pelo projeto “Agentes Locais de Turismo”. Inúmeras articulações na esfera político-institucional têm sido feitas nos últimos anos, almejando cada vez mais a exploração racional e democrática deste espaço de tanta significância para a História de Capão do Leão.



[1] A Escola Presidente Castelo Branco, no centro do município, foi um exemplo.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VIII

A “Privatização” da Pedreira
A década de 1960 ainda foi marcada por uma boa produtividade média para a Pedreira, porém já começava a se observar sinais de certo sucateamento das instalações e das casas de moradia. Clemente Martins Martinatto, um dos administradores mais marcantes da história da PCL e que exerceu sua função na época concluía num dos seus relatórios (no caso, Anual de 1970):
“E assim procedendo, verificando através de seis anos que aqui estamos e comprovando por observações realizadas em relatórios de outras administrações, a conclusão é pouco lisonjeira, uma vez que aqui é notado o decréscimo metódico da produtividade, salvo em casos esporádicos.”
“No entanto, é bom que se note, também o material humano, que representa a mão de obra, sofreu o declínio sistemático, quer em qualidade como em quantidade.”
Para Martinatto, o descaso com a Pedreira acontecia em parte pelo desinteresse expresso do D.E.P.R.C. e, por outro lado, por uma tendência em transmitir a particulares ou a outros órgãos “frentes de ataque” da área para a exploração de rocha. Algo que, segundo a ótica de autoridades da época, poderia unir menores custos e melhores benefícios em termos de produção. Em 1962, parte da Pedreira foi arrendada ao empreiteiro Marcos José Corcioni[1].
Entretanto, foi durante a década de 1970 que duas empresas envolvidas com iniciativas de grande vulto estabeleceram-se no Cerro do Estado. Em 1971, em função das obras de prolongamento da rodovia BR-116, no trecho Pelotas-Jaguarão, a STERSUL S/A foi autorizada a extrair rochas e pedra britada do local. Em 1974, a SULTEPA S/A passou a operar no Cerro do Estado, com o mesmo propósito de extração de material para construção e manutenção de rodovias.

Avanços e Retrocessos
Paralelamente, a área da Pedreira sofreu alterações importantes. Por ocasião da realização da 5ª. Convenção Brasileira de Administrações Portuárias, em 1968, o Governo Federal em parceria com o Governo do Estado iniciou um grande projeto para modernização dos portos de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Como a Pedreira do Cerro do Estado possui ligação inequívoca com o último e também importante com o penúltimo, a mesma foi contemplada com a retomada de investimentos. A partir de 1972, foram adquiridas máquinas novas, concluiu-se a construção de um Ambulatório (benfeitoria almejada por cerca de dez anos e que teve a relevante ajuda da Associação dos Hidroviários de Rio Grande) e um Engenheiro passou a residir no local, passando igualmente a responder pela administração. No mesmo ano, a antiga Usina Elétrica foi desativada e a energia passou a ser fornecida pela Companhia Pelotense de Eletricidade. Consequentemente, para viabilizar o fornecimento de eletricidade dentro da área de exploração, foi construída a Sub-Estação próxima à Ferraria. Em 1974, nova estrada de acesso à Pedreira foi aberta e também inaugurado novo depósito para combustíveis.
Contudo, esse período fora breve em sua prosperidade. Com um grande número de aposentadorias acontecido no biênio 1975/1976, o quadro geral de funcionários diminuiu consideravelmente. Dos cerca de 80 servidores que a Pedreira contava no início da década de 1970, somente 25 restavam em 1980. Com a criação da Portobrás (empresa pública federal encarregada de manutenção de portos) em 1977, houve a expectativa de melhorias nos anos subseqüentes.
Em 1979, devido à urgente recuperação do Molhe Leste da Barra, o processo de investimentos na Pedreira tomou novo fôlego. Em 1980, chegaram uma carregadeira, um trator de esteiras, um caminhão basculante, um compressor elétrico e uma perfuratriz, todos adquiridos pela Portobrás. Na linha férrea, foram trocados 6.720 dormentes e houve recuperação de uma das locomotivas (paralisada devido a um acidente na região do Teodósio). Em 1981, novamente foram contratados funcionários (dezenove ao todo) – aliás, última vez até então.
Apesar disso, é importante observar que a presença de arrendatários na Pedreira permaneceu constante, tendo a exploração na Pedreira ainda subsistido devido à demanda da manutenção da Barra. Quando esta não existia, ou encontrava-se paralisada, o quotidiano de trabalho na área consistia em atender outras solicitações, oriundas de órgãos públicos. Em maio de 1985, por exemplo, houve problemas no sistema de transbordo de rochas para a 5ª. Secção da Barra, em Rio Grande. Até pelo menos meados do ano seguinte (outubro de 1986), quando este problema foi finalmente resolvido, o movimento de trens rumo à Rio Grande foi praticamente casual.
O sucateamento da autarquia responsável – no caso, o D.E.P.R.C. – foi algo determinante na época. A própria autarquia reconhece, em relatório interno de 1983, que já não tem condições sequer de dar o devido cuidado à manutenção da Barra, apelando à intervenção federal, isto é, a Portobrás. Os reflexos na Pedreira do Cerro do Estado foram evidentes. Em 1987, parte do próprio maquinário da Pedreira é transferida para Rio Grande, seguindo-se esta tendência em anos posteriores. Em maio de 1993, oficialmente é desativada a linha férrea. No mesmo ano, em dezembro, um consórcio de companhias representado pela SULTEPA S/A assume a exclusividade de exploração da Pedreira. O fato de empresas particulares serem responsáveis por tal empreendimento é algo que permanece até os dias atuais.



[1] Especificamente, este foi o 1º. caso de arrendamento na “Era Deprc” da Pedreira.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VII

O Governo Leonel Brizola e o Golpe de 1964
O conseqüente período de prosperidade da Pedreira nas décadas de 1940 e 1950, também foi marcado por uma gradual politização entre os graniteiros, que passaram a estar mais conscientes de sua situação e de seus direitos. Aliás, isso não era exclusividade dos graniteiros, naquela época, principalmente em função do trabalhismo de Getúlio Vargas. Várias categorias assalariadas, como os ferroviários, por exemplo, também estavam se organizando. Lembre-se também, que o ex-4º. distrito de Pelotas, elegeu anos a fio, como seu representante no Legislativo um político[1] com ligações ao PTB histórico.
No tocante aos graniteiros esta politização tomou mais impulso ainda durante o governo Leonel Brizola (1959-1962) no Estado do Rio Grande do Sul. Celebrizado por suas posições progressistas durante o mandato, Brizola arraigou verdadeira legião de seguidores com a sua ideologia trabalhista que pretendia dar continuidade ao legado varguista. Em Agosto de 1961, durante a “Campanha da Legalidade”, vários trabalhadores da Pedreira acompanharam pelo rádio o desenrolar dos acontecimentos, inclusive, diz-se que “muitos estavam dispostos a pegar em armas, se necessário fosse”. O que não aconteceu de fato, mas o clima político do País naquele momento favoreceu que a radicalização política se aprofundasse.
Além de brizolistas, comentava-se também a respeito de “comunistas” na Pedreira. O que não era algo bem identificável, embora houvesse dois ou três comunistas “assumidos” no Capão do Leão. O caso é que, pouco antes do movimento de 31 de Março de 1964, formou-se aquilo que iria ser denominado “Grupo dos Onze” entre os graniteiros.
Com reuniões políticas ora acontecendo na casa de um, na casa de outro, o tal “Grupo dos Onze” tornou-se muito conhecido na Pedreira e na Vila do Capão do Leão. Com o irromper do movimento de 31 de Março de 1964, o grupo passou a ser visto como subversivo pelo novo poder instalado na República. Segundo os antigos contam, no dia 1º. de Abril, tropas do 9º. Regimento de Infantaria do Fragata estabeleceram-se na área da Antiga Sub-Prefeitura (atual terreno do CTG Tropeiros do Sul) e ocorreu uma série de averiguações em todo o Capão do Leão, estendendo-se até o dia seguinte. Temia-se que o “Grupo dos Onze” tomasse de assalto os paióis da Pedreira e provocasse uma explosão ou atentados. O que era mais boato, do que fato, contudo.
No decorrer do ano de 1964, adveio uma verdadeira “caça às bruxas” na Pedreira e na Vila do Capão do Leão. Muitos foram intimados a prestar esclarecimentos junto ao Sub-Prefeito local, isso quando não eram levados diretamente à Pelotas. Do tal “Grupo dos Onze”, três foram presos, já demitidos de suas funções na Pedreira, acusados de serem promotores de uma greve. Os oito restantes também foram demitidos, embora não tenham sido presos. Graças à intervenção de Elberto Madruga, junto ao Governador do Estado, os mesmos demitidos voltariam a ser recontratados, embora agora sob olhar desconfiado das autoridades.



[1] O Sr. Elberto Madruga, evidentemente.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte VI

A “Pedreira do Estado”
O termo “Cerro do Estado” vem justamente do fato da área da Pedreira pertencer, sob concessão, ao Estado do Rio Grande do Sul. Com este nome, hoje conhecemos todo o povoado ao seu redor. Embora tenham ocorrido novas concessões a particulares no decorrer do tempo, desde 1939 a presença da autarquia administrativa estadual é constante.
Como foi então a retomada das atividades da Pedreira após a saída da Companhia Americana?
O que pudemos constatar é que as avarias e o sucateamento ocorridos na época dos norte-americanos dificultaram o reinício do trabalho. No Relatório Anual das Atividades da P.C.L. de 1939, percebe-se uma preocupação muito grande dos administradores da Pedreira em conciliar custo e benefício. Além do mais, entre burocratas e operários contavam-se somente 53 funcionários. É pouco se considerarmos que havia as atividades de extração de pedra, administração, manutenção e conservação da linha férrea, carpintaria, ferraria, caldeira, usina elétrica, almoxarifado, trem e oficina.
Em compensação, a década de 1940 vai ser marcada por uma espécie de “era de ouro” na Pedreira. Gradativamente, aumentou o número de funcionários (já se conta 94 em 1945), houve melhoramentos na linha férrea e nas instalações. A produção alcança índices recordes e crescentes, sobretudo em razão da eclosão da 2ª. Guerra Mundial e da entrada do Brasil no conflito. Em 1943, em função das obras da Estrada de Rodagem entre São José do Norte e a Fazenda Petrone, ao que parece possuía um objetivo estratégico, e a preocupação em manter a navegabilidade na Barra do Rio Grande, em razão da vigilância marítima brasileira no Atlântico, a Pedreira irá produzir, no total de remessas, mais de trinta mil toneladas de material. A produção daquele ano não foi superada em nenhum outro momento até os dias de hoje, excetuando obviamente os tempos da Companhia Francesa.
Logo em seguida, surgem melhorias significativas para os trabalhadores da Pedreira. Em 1947, por iniciativa do Sr. Vasco Acunha (administrador), é criada a praça e erguida a capela em honra à Santa Luzia. Funda-se um clube de futebol um ano antes: o Fluminense F.C, sucessor dos antigos Grêmio Americano e Ipiranga. No mesmo ano, estabelece-se o Grupo Escolar Faria Santos – primorosa obra arquitetônica construída com pedras lavradas por graniteiros. Em 1948, ocorre reforma geral das casas de moradia e instalações. Um ano depois, um ônibus passa a atender uma vez por dia aqueles que precisavam se deslocar até a zona urbana de Pelotas[1].
Visando suprir a necessidade de carvão, em 1945, inicia-se a plantação de eucaliptos australianos na área que, até o fim da década, ultrapassará a marca de 60 mil pés da árvore.
A década de 1950 vai ser igualmente prodigiosa para a Pedreira, pois os governos estaduais da época investiram pesado na questão dos transportes. A Pedreira passou a produzir poitas (tipo de pedra destinada a apontar profundidades marítimas) e atender igualmente os portos de Pelotas, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte. Além dos trens, surgem camionetes como meio de transporte.
O crescimento demográfico do Cerro do Estado foi também uma constante, tendo surgido neste período, dois loteamentos importantes: a Vila Gastal (atual Rua João Albuquerque Filho) – empreendimento do Sr. Eduardo Gastal Filho, no início da década de 1950; e a Vila Santa Eloísa (atual Rua Santa Eloísa), em 1968. Um fator que explica o aumento da área urbana na localidade é a presença de grande demanda de comércio e serviços devido ao considerável número de funcionários.



[1] Desde 1929, o Capão do Leão já era atendido por transporte público motorizado terrestre: uma “jardineira” (espécie de veículo aberto nas laterais, assemelhado a um bonde) de propriedade do Sr. José Mendes. Entretanto, a partir de 1947, a Prefeitura de Pelotas autorizou os serviços de uma empresa particular. Em 1949, esta empresa passou a atender o Cerro do Estado. Não foi possível, identificar, todavia, se este serviço permaneceu nos anos subseqüentes.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte V

A Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A.
Em 15 de Fevereiro de 1926, o Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, celebrou contrato de arrendamento das pedreiras de Capão do Leão e Monte Bonito, à Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A., com o fim de exploração de rochas para a Barra e o Porto de Rio Grande, porém também a produção de artigos de granito para calçamento e obras públicas.
A Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A., era uma empresa com matriz em Buenos Aires, Argentina. Possuía pedreiras também neste país e no Uruguay. A companhia de origem norte-americana fazia parte de um conglomerado econômico com empreendimentos em vários países das Américas: a Pan-American Industrial Corporation, com sede em Nova York, E.U.A.
A Companhia Americana começou a se estabelecer na Pedreira do Capão do Leão a partir de abril de 1926, tendo permanecido até junho de 1939. Entretanto, já em 1937 as atividades são quase nulas, pois ocorrera um gradual sucateamento das instalações, benfeitorias e maquinário – aliás, o que motivou o Governo do Estado a novamente realizar a encampação da Pedreira. Antes disso, em 20 de Junho de 1935, já havia ocorrido a renovação do contrato do Estado com a companhia, contudo, como se percebe, sem lograr muito êxito.
As inovações trazidas pela companhia foram a construção do britador e uma máquina de cortar paralelepípedos, que demoraram certo tempo para começarem a funcionar[1]. Parte do maquinário foi substituída ou acrescentada. Houve reformas nas instalações, igualmente. A Usina, por exemplo, fora completamente destruída por um ciclone em 1934, sendo restaurada pela companhia, logo em seguida.[2]
A diversificação da produção foi outra marca deixada pela companhia. Se na época dos franceses, toda a produção se destinava às Obras dos Molhes da Barra e da construção do Porto Novo de Rio Grande, agora a Pedreira também tinha clientes externos, sobretudo repartições públicas e governos municipais, além de exportar material para os países do Prata.
A pedra britada de vários tipos e tamanhos passou a ser produzida em larga escala, bem como houve a exploração de argila pura e de argila misturada com cascalho, além de paralelepípedos e moirões.
O Porto e a Barra de Rio Grande permaneceram ainda como destino de cerca de 80% das remessas, sobretudo de moellons (grandes blocos de encaixe) e blocos diversos.  Passam a ser produzidas pedras especiais, que são lavradas com ferramentas próprias. Uma delas é a cobertina – que serviu para o revestimento do piso do Porto de Rio Grande. Constam como destinatários da produção da Pedreira: Buenos Aires, Montevidéu, Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, firmas construtoras, particulares, indústrias, igrejas, Marinha, Exército e serviços gerais de calçamento. Além de pedras e argila, pela linha férrea da Pedreira também é expedida madeira e carvão. Num registro de 01 de Junho de 1927, são citados “100 toras de guajuvira branca para Rio Grande”.
Entre 1926 e 1928, cerca de 16 famílias gregas chegam à Pedreira para serem empregadas em serviços de cantaria.
Ainda na época da Companhia Americana, a linha férrea original da Companhia Francesa sofre alterações, sendo que ele não irá mais diretamente a Rio Grande, mas se juntará à linha férrea Rio Grande – Cacequi. A junção das linhas será estabelecida na região do Parque Fragata. Somente em 1941, uma nova modificação situará a junção na zona do Teodósio.



[1] O projeto da Companhia Americana para a Pedreira era ousado, pois queria-se quadruplicar a produção. O que na verdade não logrou êxito devido a uma série de detalhes estruturais, técnicos e, inapelavelmente, financeiros.
[2] Podemos concluir que houve tantas reformas e modificações ao longo de um século na área da Pedreira, que as benfeitorias, instalações e moradias não são originais, porém algumas conservaram as mesmas características da época da Companhia Francesa.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte IV

Os Trabalhadores da Pedreira
Inicialmente, foi absorvida mão-de-obra local, visto que já naquela época o Capão do Leão possuía pedreiras em funcionamento, mesmo que de modo ainda artesanal.
Junto com a Companhia Francesa, vieram engenheiros e técnicos franceses. Porém, a Companhia trouxe consigo também trabalhadores europeus de várias nacionalidades, sobretudo italianos[1]. Para a seção ferroviária, entretanto, boa parte era belga – empregados da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Logo, a oferta de trabalho chamou a atenção de gente da região e de todo estado. Junto vieram estrangeiros que chegavam ao Brasil pelos portos de Pelotas e Rio Grande. A demanda de mão-de-obra foi tamanha que pessoas oriundas da agricultura e da pecuária, sem intimidade nenhuma com a pedra, se aventuraram no ofício[2].
Conforme foi aventado, foram encontradas as seguintes procedências dos trabalhadores da Pedreira: Brasil, França, Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Itália, Rússia, Romênia, Hungria, Uruguay e Argentina. Os dois últimos países foram bastante fornecedores de mão-de-obra, especialmente porque possuíam uma tradição reconhecida em serviços de cantaria. A Companhia Francesa chegava a recrutar em seus lugares de origem canteiros para as pedreiras de Monte Bonito e Capão do Leão.
Embora a presença da Companhia Francesa tenha gerado um número expressivo de empregos no Capão do Leão, o quotidiano dos primeiros trabalhadores não era nada fácil...
Ocorreram inúmeros acidentes nos primeiros anos, sobretudo devido à segurança precária da época e à imperícia de alguns (lembre-se que muitos jamais tinham trabalhado em pedreiras). Houve também vários acidentes fatais como soterramentos, esmagamentos, desastres com dinamite, atropelamentos pelo trem e uso incorreto do maquinário, entre outros. Não por acaso, a criação do Cemitério Municipal Santa Tecla (parte velha) ocorrera em 1911.[3]
A jornada de trabalho era rigorosa, com dez a doze horas diárias de lide. No caso da seção ferroviária, trabalhava-se também até quase dez horas da noite. No auge da expedição de pedras para as Obras dos Molhes da Barra, a única folga semanal acontecia nos domingos à tarde.
Tanto no Monte Bonito, quanto no Capão do Leão, jovens eram empregados principalmente como auxiliares e carregadores de ferramentas[4]. Alguns tinham tenra idade como 11, 12 e 13 anos – algo que não era incomum naquele tempo.
Embora existissem médicos[5] e enfermeiros contratados pela Companhia, os trabalhadores acidentados não tinham nenhum tipo de assistência caso ficassem temporária ou definitivamente inválidos.

O Sindicato dos Canteiros
Devido ao trabalho exaustivo, às condições precárias de segurança e ao baixo ordenado, os trabalhadores da Pedreira não tardaram em protestar. Em 1911, ocorreu a 1ª. greve dos canteiros, que foi repelida pela autoridades locais (5º. Posto da Polícia Administrativa de Capão do Leão).
Com o apoio e influência da Liga Operária Pelotense e devido a presença de trabalhadores italianos, espanhóis e portugueses na Pedreira, foi criado, em 15 de Novembro de 1913, o Sindicato dos Canteiros e Trabalhadores em Pedreiras do Capão do Leão. A 1ª. reunião para criação do sindicato sucedeu-se no Largo da Estação Férrea do Capão do Leão (atual Praça João Gomes) e estiveram presentes cerca de 220 trabalhadores, dos quais cerca de 180 prontamente aderiram. Um mês e meio depois, o sindicato já contava com cerca de 250 filiados.
O Sindicato dos Canteiros seguia explicitamente a ideologia anarco-sindicalista, tendo sido filiado à Federação Operária do Rio Grande do Sul, à Federación Sudamericana de Picapedreros e à Associação Internacional dos Trabalhadores. Os líderes do sindicato participaram ativamente de congressos operários no Estado e fora. O Sindicato dos Canteiros mantinha articulações constantes com outras entidades congêneres.  Aliás, certa solidariedade de classe sempre marcou os canteiros em seu ofício. Em 1915, ao chegarem trabalhadores contratados em Tandil, Argentina, estes souberam que ocupariam as vagas de recentes demitidos por ocasião de uma greve, "e partiram no mesmo vapor que os trouxera".
Em 1918, após a eclosão da revolução bolchevique na Rússia, doze trabalhadores da Pedreira embarcaram no Porto de Pelotas em direção aquele país, muito possivelmente para lutarem pelo ideal operário[6]
Embora perseguido e reprimido, o Sindicato dos Canteiros subsistiu até o fim da presença da Companhia Francesa em Capão do Leão (1919). Isso porque não reuniu somente trabalhadores da Pedreira do Cerro do Estado, porém agregou com o tempo outros canteiros de diversas pedreiras no Capão do Leão. Também travou batalhas importantes na época da Companhia Americana (décadas de 1920 e 1930). Declarado ilegal como o Golpe do Estado Novo, em 1937, assim como todas as organizações sindicais brasileiras, o Sindicato veio a ser substituído por uma unidade da Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores nas Indústrias de Rio Grande[7] que funcionou até o início da década de 1950 e tinha como sede a Casa no 34 da Área da Pedreira.

A Saída da Companhia Francesa
A Pedreira de Monte Bonito teve sua exploração de maio de 1911 a janeiro de 1915, enquanto a Pedreira de Capão do Leão continuou seus trabalhos até 1919. O fechamento da Pedreira de Monte Bonito foi ocasionado pela eclosão da 1ª. Guerra Mundial, o que obrigou a Companhia Francesa a reduzir despesas. Ainda em 1915, foram inaugurados os Molhes e o Novo Porto em Rio Grande, o que não cessou a necessidade da exploração de rochas, dado a questão da manutenção permanente do complexo portuário. Curioso é que, aquela pedreira que deveria ter sido “auxiliar” aos trabalhos da Pedreira de Monte Bonito, suplantou a matriz e tornou-se a principal.
                Em 29 de Setembro de 1919, o Estado do Rio Grande do Sul realizava a encampação da Companhia Francesa, incorporando todo o seu ativo ao patrimônio público estadual. A Pedreira do Capão do Leão foi, pois, incorporada à Direção Geral do Porto e Barra de Rio Grande.
A grande maioria dos funcionários da Pedreira foi exonerada e recebera uma indenização pela demissão, além de uma boa parte que simplesmente partira sem deixar rastro. Durante os anos de 1920 a 1925, a produção da Pedreira foi expressiva de igual maneira, porém sem os índices extraordinários da época da Companhia Francesa.



[1] Os italianos possuíam tradição em serviços de cantaria e, segundo dados da pesquisa, é possível intuir que já haviam trabalhado em outros empreendimentos na Europa.
[2] Alguns chegavam, eram contratados, porém não conseguiam ficar mais do que um mês nas obras.
[3] Embora o Cemitério Municipal Santa Tecla tenha sido criado inicialmente para a elite, logo operários mortos na Pedreira passaram a serem enterrados ali, pois o custo do translado de cadáver para Pelotas era muito caro para o trabalhador comum via trem – que era o transporte mais usado na época.
[4] Eram os chamados “bochas”. Esta ocupação existiu na Pedreira do Cerro do Estado até a década de 1960, aproximadamente.
[5] Um destes médicos aqui prestador de serviços à Companhia Francesa era o napolitano Eduardo Olindo Sicca – nome de um logradouro municipal importante.
[6] Esta foi uma das informações mais sensacionais que encontrei sobre o Sindicato. Entretanto, não foi possível identificar se foram estrangeiros ou brasileiros que daqui partiram.
[7] Criada em 1942, a Cooperativa funcionava principalmente como fornecedora de gêneros alimentícios e de primeira necessidade aos trabalhadores da Pedreira, com a vantagem do menor custo. Havia uma caderneta individual onde o trabalhador acompanhava seus gastos, sabendo assim o quanto iria ser descontado de seu ordenado no final do mês.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte III

A Companhia Francesa na Pedreira
Em dezembro de 1909, a Companhia Francesa iniciou a ocupação do local, com vistas à instalação de maquinário e benfeitorias, para início da exploração de pedras. Inicialmente foram construídas apenas duas pequenas casas de madeira que serviam como abrigo aos vigilantes e como apoio logístico às primeiras máquinas que começaram a chegar. Logo em seguida foram abertas duas estradas de acesso à Pedreira – as atuais ruas João Batista Gomes e Manoel dos Santos Victória.
Durante todo o ano de 1910, houve a chegada de equipamentos e a construção de mais benfeitorias. Paralelamente, foi iniciada a construção da linha férrea que ligaria a Pedreira até Rio Grande. Em novembro, iniciam-se as contratações de trabalhadores em massa e surgem as primeiras casas comerciais e de moradia no local. Embora, ao que conste, muitos dos primeiros trabalhadores da Pedreira passaram os primeiros tempos abrigados em barracões de lona, erguidos bem próximo aos pontos de exploração. As casas de moradia da Companhia Francesa vieram mais tarde, entre 1911 e 1914. Eram mais precisamente alojamentos, onde dormiam cerca de oito a doze homens em cada.
Em novembro de 1911, após todos os trabalhos de instalação, iniciaram-se as obras de exploração de rocha propriamente ditas.[1] A Pedreira era avançada para época, pois contava com Usina Elétrica, Carpintaria, Ferraria, Enfermaria, Balança, Guindastes, Repartições Administrativas, Almoxarifado, Galpões para os Trens, além de contar com um maquinário importado (francês, inglês, italiano, alemão) inovador no Brasil, tal como acontecia na Pedreira do Monte Bonito. Decididamente, eram as duas pedreiras mais modernas do Brasil naquele momento, numa época em que os serviços de cantaria eram ainda realizados de modo artesanal.
A produção entre novembro de 1911 e abril de 1916 foi de 2.183.052 toneladas de blocos de rocha, o que dá a impressionante média de 363.842 toneladas por ano, algo que jamais voltaria a se repetir até os dias de hoje. Em 1915, ocorrera a maior produção anual da história da Pedreira com 829.630 toneladas. Também neste ano, em outubro, ocorrera o maior recorde mensal: 3.581 toneladas. A Pedreira fora inicialmente pensada para atender somente o Molhe Oeste da Barra, porém com a interrupção dos trabalhos em Monte Bonito em 1915, devido à eclosão da 1ª. Guerra Mundial[2], Capão do Leão tornou-se responsável pelo provimento das Obras também do Molhe Leste.
Além do impacto produzido pela presença da Companhia Francesa na Pedreira, a própria Vila do Capão do Leão será profundamente afetada econômica e socialmente. O carvão, que era um produto utilizado largamente em função dos trens e da caldeira, era adquirido de fornecedores locais. Madeira também[3]. Afora outros serviços[4].
Em fevereiro de 1910, a Vila do Capão do Leão contava com cerca de 710 habitantes permanentes, podendo este número ultrapassar a marca de 800 no período de veraneio[5]. Em julho de 1914, o número de habitantes ultrapassa a baliza dos 1400 habitantes, sobretudo em função dos trabalhadores da Pedreira. Para se ter uma idéia de como a Pedreira movimentou a questão demográfica no Capão do Leão, dados de 1921 apontam uma população permanente de apenas 915 habitantes, já numa época em que a Companhia Francesa tinha ido embora[6].
A Linha Férrea
Projetada pelo engenheiro brasileiro Edmundo Castro Lopes, a ferrovia que dá acesso à Pedreira e cuja função era permitir o transporte de rochas à Rio Grande, possuía um traçado que ia diretamente ao Molhe Oeste da Barra. Seu traçado foi pensado de modo a diminuir o atrito da descida dos trens pela encosta do cerro[7], assumindo assim um desenho curvo até a região do Teodósio. A linha, a partir deste ponto, seguia quase que paralelamente à ferrovia Rio Grande – Cacequi. No Saco da Mangueira (Rio Grande), ela tomava um novo curso até chegar finalmente ao Molhe Oeste.
Sobre o Arroio Teodósio foi construída uma ponte ferroviária que servia para esta linha. É possível ainda observar as pilastras da antiga ponte naquela região. Ao longo da linha férrea que saía da Pedreira até Rio Grande havia um bom número de instalações auxiliares para dar suporte e manutenção ao trabalho dos trens. Curiosamente, na região do Teodósio também foram criados armazéns, casas de moradia, uma estação de apoio e até um “moinho de vento” – cujo propósito não foi ainda identificado. Contavam-se, ao menos, onze terrenos da Companhia Francesa no Teodósio. Também foram erguidas estações de apoio na região do Parque Fragata e Estância Ribas (proximidades do atual Complexo da Cosulati). Conclui-se que a presença da Companhia Francesa transcendeu, no Capão do Leão, a própria área do Cerro do Estado.[8]

Outras Instalações
Curral para animais, depósito de lenhas, olaria, garagem para automóveis, escola (obs.: aparece em 1935 com o nome de Escola Alberto Rosa), campo de futebol (time “Ipiranga”), estação de radiocomunicação, centro telefônico. Havia pelo menos três casas comerciais no Cerro do Estado àquela época, sendo a principal a do Sr. Garibaldi Albo (italiano procedente de Santa Vitória do Palmar), onde aconteciam, por vezes, bailes noturnos. A empresa pelotense “Guarani Filmes” exibia num salão da Pedreira filmes aos domingos para os operários[9]. Um texto de 1913 informa a existência de uma capela dedicada a Saint-Rémy (São Remígio), provavelmente usada pelos engenheiros da companhia.



[1] O atraso no início das atividades de exploração de rocha deve-se a custosa operação de conclusão da linha férrea que descia da Pedreira até o Teodósio.
[2] Além da escassez de capital, a Companhia Francesa teve retido em portos europeus material e maquinário que deveriam ter vindo para incremento da produção.
[3] A Vila de Capão do Leão e arredores foram grandes produtores de lenha e carvão no início do século XX. Antes da Pedreira, poderíamos dizer que Capão do Leão vivia em função destes produtos e da fruticultura.
[4] O pequeno comércio de gêneros e a prestação de serviços serão estimulados neste período em razão da presença de trabalhadores na Pedreira. Surgiram, além de armazéns, sapatarias, barbearias, etc.
[5] A “alta estação” de veraneio costumava começar em novembro e se estender até março.
[6] Segundo a lembrança de um dos entrevistados na pesquisa, cujo pai fora empregado da Companhia Francesa, a saída da companhia ocasionou uma espécie de fuga em massa de trabalhadores e  de pessoas que dependiam dela.
[7] Houve retirada maciça de material do solo da encosta da Pedreira para possibilitar a construção da ferrovia que foi, sobretudo, mais demorada do que se esperava.
[8] As evidências documentais nos levam a crer que, do Cerro do Estado até o Arroio Fragata, existia um verdadeiro “corredor” de terrenos da Companhia Francesa, que, hoje, devem pertencer à União Federal.
[9] Não era necessariamente um cinema. Na época, eram comuns as exibições cinematográficas ambulantes.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte II

Os Molhes da Barra de Rio Grande, como vimos, nada mais são do que grandes rochas lançadas ao mar, com o objetivo de constituir uma espécie de “muro” à ação das ondas do mar. Contudo, de onde viriam as rochas para as Obras dos Molhes da Barra de Rio Grande, se esta cidade não possui pedreiras?
Seguramente, viriam de fora, de preferência, de um local o mais próximo possível. Apesar disso, as primeiras remessas de rochas para as Obras da Barra vieram da Pedreira do Itapoã, em Viamão. Isso porque o Governo do Estado ofereceu esta reserva mineral gratuitamente ao contratado. Os custos se mostraram logo muito caros e dispendiosos, pois as rochas deveriam seguir via transporte lacustre, o que incluía uma distância de 180 km.
A proximidade da Pedreira de Monte Bonito, em Pelotas, tornou-se em seguida uma alternativa para o fornecimento de rochas para as Obras dos Molhes. Além disso, se poderia transportar a pedra por linha férrea. Contudo, somente o Monte Bonito, não iria conseguir suprir a demanda. Por isso, foi ponderado a possibilidade de usar-se uma “pedreira auxiliar”. Por estranho, que possa parecer, a primeira opção dos engenheiros franceses não foi o Capão do Leão e sua rica reserva granítica, porém uma pedreira distante, localizada em Bagé.[1]
Embora, averiguada a existência de pedreiras em Capão do Leão e tendo ocorrido a desistência de buscar-se pedras da Campanha, a Companhia Francesa não optou por adquirir todo um complexo mineral-granítico inteiro, como aconteceu em Monte Bonito. Como se tratava de ter uma “pedreira auxiliar”, foi adquirida uma área de 71.137,43 m2 dos irmãos Eduardo e Gabriel Gastal, num local conhecido como “Cerro das Pombas” (atual Cerro do Estado). A primeira negociação aconteceu em março de 1909 e a compra em novembro de 1910. O local não era explorado com o fim de extração de pedras e o próprio Capão do Leão já apresentava nesta época outras pedreiras importantes como a da Família Traverssi (atual Pedreira da Empem), a de Leon Bastide (nas proximidades da Rua Manoel dos Santos Victória) e a Pedreira Mendes (na encosta do Cerro do Estado)[2].
O Cerro das Pombas
A área atual da Pedreira do Cerro do Estado fazia parte da grande sesmaria do Pavão do Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, no início da colonização portuguesa na região, lá pelos idos de 1780. No século XIX, heranças, vendas e repartições fizeram com que essa grande extensão fosse tomada por inúmeras propriedades menores. O termo “Cerro das Pombas” aparece já em 1881, num documento da Câmara Municipal de Pelotas, que identifica o local como refúgio de índios remanescentes. Isto é, embora pertencesse a alguém, era, sem dúvida, um ponto inóspito da Serra dos Tapes. Muito provavelmente antes de 1900, a Família Gastal (que era proveniente da Colônia Santo Antônio em Pelotas) adquiriu a área que, contudo, era bem maior e ia quase até o vale que forma hoje o centro urbano da cidade de Capão do Leão. A entrada da “Fazenda Gastal” corresponde à Rua Professor Agostinho, no domínio hodierno do CTG Tropeiros do Sul. A edificação que era sede da propriedade existe até hoje e data de 1906.



[1] Os franceses não conheciam muito bem a região a qual foram contratados para executar a obra. Ao que parece, foi numa visita ocorrida em janeiro de 1909 a Pelotas, para tratar das obras em Monte Bonito, que os engenheiros tomaram conhecimento das reservas graníticas de Capão do Leão, por sugestão de brasileiros.
[2] Já eram empreendimentos importantes na época da Companhia Francesa e produziam, além da pedra bruta, pedras de cantaria.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte I

A Pedreira do Cerro do Estado pertence à União, concedida ao Estado do Rio Grande do Sul, sob administração da Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG) – autarquia que veio a suceder o antigo Departamento de Portos, Rios e Canais (DEPRC). Localiza-se no município de Capão do Leão, numa elevação (cerro) que faz parte da chamada “Serra do Granito” – esta, por sua vez, integrante da Serra dos Tapes. A “Serra do Granito” comporta o 2º. maior bloco de granito basáltico do mundo e possui cerca de 4 km de extensão.O mesmo bloco se estende desde a antiga Pedreira do Sapem, nas proximidades do Cemitério Municipal Santa Tecla, e vai até o Cerro das Almas. Segundo especialistas, é um “bloco único”, como um iceberg. Isto significa que as rochas que se vem no solo são apenas parte deste monumental prodígio da Natureza. Atualmente está sendo explorada por um consórcio formado pelas empresas CBPO-Engenharia/Odebrecht, Ivaí, Carioca e Pedrasul. O objetivo da exploração é fornecer pedras para as Obras de Ampliação dos Molhes da Barra de Rio Grande.
Não por acaso, neste ano de 2010, rochas da Pedreira do Cerro do Estado estão sendo extraídas para Obras de Ampliação dos Molhes da Barra de Rio Grande. Na verdade, a exploração de agora nada mais é do que a continuidade de uma atividade de cerca de 100 anos e que está intrinsecamente ligada à história desta pedreira, do povoado que se formou ao redor dela e do próprio município de Capão do Leão. A Pedreira do Cerro do Estado (ou Pedreira do Capão do Leão, como foi muito tempo chamada)[1] surgiu em função das obras de construção dos Molhes da Barra e do Porto Novo de Rio Grande, iniciadas em 1909. Durante um século suas rochas serviram quase que exclusivamente para atender à demanda destas obras, sobretudo às ampliações e manutenções do Molhes da Barra de Rio Grande, que sempre foram necessárias e constantes através das décadas.
Rio Grande: o Porto e a Barra
O nome do Estado do Rio Grande do Sul deriva diretamente de Rio Grande – primeiro município gaúcho e que também foi o primeiro povoado português em solo rio-grandense, fundado em 1737[2]. O fato de tal primazia deve-se sobretudo ao fato de Rio Grande estar localizado no litoral e ser o único porto marítimo do estado[3]. Entretanto, seu porto não está situado diretamente junto ao Oceano Atlântico, porém naquilo denominado “Barra”. Isto é, o canal que une o Oceano à Laguna dos Patos. Esta é uma característica fundamental para entendermos o porquê da construção dos Molhes da Barra em Rio Grande.
“Molhes” (também conhecido com quebra-mar) é um tipo de construção que se assemelha a um grande “muro” de pedras que avança sobre o Oceano. Sua função é impedir que a profundidade média das águas em determinado ponto da costa seja muito pequena, o que dificultaria a navegação de embarcações de grande porte. Isso acontece porque o material arenoso derivado da Laguna dos Patos tende a depositar-se junto à foz da Barra de Rio Grande, devido à força contrária das ondas do Mar. Em consequência, formam-se bancos de areia no fundo, impedindo o acesso das embarcações ao Porto de Rio Grande, ocorrendo o risco de encalhes. Isto foi um problema histórico enfrentado por Rio Grande, desde a época da colonização.
De um texto do Engo. Paulo Medeiros Guimarães sobre a questão da Abertura da Barra de Rio Grande:
“Infelizmente, porém, o largo e profundo Canal do Norte, ao lançar-se ao mar, tinha a sua foz obstruída por uma barra (bancos de areia), através da qual situavam-se passos navegáveis, de posição variável com os ventos, com as correntes e com as vagas, e onde as profundidades oscilavam em torno de 15 (quinze) palmos. Segundo dados antigos, citados pelo engº Honório Bicalho, em seu relatório de 1883, a profundidade da barra seria provavelmente de cerca de 20 palmos (4,40m), no começo do século 19, em 1849, achava-se ela reduzida a 3,60m e, em 1883, segundo sondagens da Comissão de Melhoramento da Barra, a profundidade era apenas 2,75m. Ante a pequena profundidade e o perigo, que a travessia da barra opunha à navegação, que demandava o porto do Rio Grande e que era então, a vela...”
Desde a época do Segundo Império Brasileiro (1840-1889), não tardaram projetos de melhoria na Barra para possibilitar a navegação de embarcações de grande porte. Estudos foram feitos e alternativas foram pensadas. Entretanto, nenhuma delas se mostrou eficaz.
Foi somente no início do século XX que surgiria um grande empreendimento capaz de resolver a questão da trafegabilidade na Barra. O que possibilitaria também a construção de um novo porto em Rio Grande, dado o antigo, construído ainda no século XVIII pelos portugueses, ser dedicado somente a embarcações de pequeno porte.
Em 1905, o engenheiro norte-americano Lawrence Elmer Corthell foi incumbido pelo presidente Rodrigues Alves a dar início às obras de melhoramento da Barra do Rio Grande, o que incluía a construção dos molhes e serviços de dragagem da foz. Logo em seguida, Corthell organizou a companhia “Port of Rio Grande do Sul”, com sede em Portland, Estados Unidos. Todavia, devido à falta de capital (dinheiro), a companhia criada por Corthell não saiu do papel. Somente em 1908, em Paris, França, reunindo-se investidores norte-americanos, franceses, ingleses e belgas, foi possível obter o capital necessário à constituição de uma companhia capaz de empreender com sucesso o início das obras da Barra e do novo porto de Rio Grande[4]. Ela se chamou “Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul”, isto é, COMPANHIA FRANCESA DO PORTO DO RIO GRANDE DO SUL.
Mesmo assim, o Engenheiro Corthell ainda ficou como responsável contratante das obras de melhoria na Barra[5]. O presidente da companhia também era norte-americano: Percival Farquhar[6].
A Companhia Francesa contratou a execução das obras da barra e do porto com a “Société Générale de Construction”, sociedade anônima com sede em Paris, com o capital de 5.000.000 (cinco milhões) de francos, tendo como presidente o engenheiro francês Jules Quellenec, especialista em obras marítimas. Esta sociedade, por sua vez, contratou, em 21 de setembro de 1908 a execução das mesmas obras com um consórcio constituído pelas três grandes firmas construtoras - Daydê & Pillé, Fougerole Frères e Groselier[7] - também com sede em Paris.
Estabeleceu-se uma Comissão Fiscalizadora pelo Ministério de Obras e Viação Pública, à época, para acompanhar as obras.



[1] O termo exato é Pedreira do Capão do Leão (PCL), pois assim consta nos antigos documentos e é como a Superintendência do Porto de Rio Grande reconhece esta reserva mineral. Como a população leonense convencionou chamá-la “Pedreira do Cerro do Estado”, para distingui-la de outras existentes no município, utilizaremos esta denominação.
[2] Embora já houvesse estâncias de gado na região da foz do Rio Mampituba por volta da década de 1720, o 1º. povoado de facto foi Rio Grande.
[3] Poderíamos citar os portos de São José do Norte e Santa Vitória do Palmar, entretanto não desempenham funções tais como o Porto de Rio Grande.
[4] O principal acionário, todavia, foi o Banque de Paris et des Pays Bas, até hoje existente e conhecido hodiernamente como Banque Paribas.
[5] Posteriormente, por não se entender com os planos técnicos dos franceses, Corthell será dispensado da função em 1910.
[6] Foi o maior investidor estrangeiro do Brasil no início do século XX. Dentre seus empreendimentos, destaca-se a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, no norte do País. Farqhuar esteve em visita a Monte Bonito e Capão do Leão em 1912.
[7] Formavam a Enterprise des Travaux Genérale des Oeuvres du Port e de La Barre de Rio Grande – nome oficial do consórcio empresarial. A mais notável destas empresas era a Daydê et Pillé – firma com obras no mundo todo e responsável, entre tantas, pela construção da Torre Eiffel.

domingo, 2 de maio de 2010

Torno francês marca "Denis Poulot" de 1910

Existente no Galpão dos Trens da SUPRG - Cerro do Estado/Capão do Leão

Formação Étnica do Município de Capão do Leão


                Existem várias origens étnicas em nosso município que, em função de sua localização e de sua história, foi um espaço de muitas migrações ao longo do tempo. Enquanto outros municípios de nosso estado surgiram em torno de antigas colônias européias, o Capão do Leão recebeu gente dos mais diferentes tipos e lugares, em diferentes momentos de sua história. Procuramos listar os mais importantes:
                Indígenas: havia em nosso território, antes da colonização portuguesa, índios minuanos e tapes. Há alguns sítios arqueológicos no município que comprovam a sua presença. Os primeiros viviam às margens do São Gonçalo, nas planícies do Pavão. Já os tapes espalhavam-se pelo restante do município. O Arroio Itaita recebeu o seu nome de uma palavra tape que significa “muitas pedras”.
                Portugueses: no século XVIII, quando as primeiras sesmarias surgiram em nossa região, boa parte dos primeiros donos era portuguesa de origem, bem como seus agregados. Vinham dos arquipélagos de Açores e Madeira no Oceano Atlântico, e das regiões do norte de Portugal, como Minho e Trás-os-Montes. Outra parte já vivia na América do Sul e era originária da Colônia do Sacramento, na foz do Rio da Prata. A família do Padre Doutor, por exemplo, era sacramentina.
                Brasileiros de outras regiões: na época das sesmarias, também vieram brasileiros de outras partes do território colonial para a região, sobretudo do Nordeste, de São Paulo e da Vila de Laguna, em Santa Catarina.
                Africanos: segundo historiadores, os negros africanos que vieram escravizados para trabalharem nas charqueadas pelotenses eram provenientes do sul daquele continente, de regiões como Cabinda, Angola e Moçambique. No início do século XX, os afro-descendentes no Capão do Leão tinham presença destacada nas atividades da Pedreira e da fruticultura. Chegaram a formar um clube próprio: a S.C.B. José do Patrocínio.
                Uruguaios: depois dos portugueses, uma das etnias mais marcantes em nosso município, bem como em quase toda a metade sul de nosso estado. Provavelmente, uma parcela considerável de nossa população tem ligação com a república vizinha. Já em 1848, é citada uma migração uruguaia para nossa região. Assim como em épocas posteriores. Um fator que explica esta migração, que sempre foi espontânea e contínua até a 1ª. metade do século XX, é a importância econômica de Pelotas e região por causa de suas charqueadas – que sempre foram um atrativo para quem queria trabalho.
                Espanhóis: foram numerosos na época da Companhia Francesa na Pedreira. Muitas famílias permaneceram e seus descendentes ainda hoje habitam Capão do Leão.
                Franceses: embora o Capão do Leão possua uma identificação com este povo por causa da Companhia Francesa, havia muitos franceses no início do século XX que eram provenientes da Colônia Santo Antônio, em Pelotas e, também, frutos da migração espontânea.
                Italianos: havia uma grande quantidade de italianos na Vila do Capão do Leão e arredores no início do século XX. Muitos moravam aqui simplesmente e eram profissionais liberais em Pelotas. Outros desenvolveram vários empreendimentos na vila, se ocupando com a exploração de pedreiras, a fruticultura e comércio. Havia igualmente italianos provenientes das colônias pelotenses.
                Alemães: sejam os de origem ou os descendentes, espalharam-se por todo o Capão do Leão, ocupando-se principalmente na agricultura. Constituem uma presença marcante em nosso município, evidenciada pela presença da Igreja Luterana. Existem muitos descendentes de alemães pomeranos, igualmente.
                Irlandeses: a única colônia oficialmente constituída no Capão do Leão foi a Colônia D. Pedro II (1851) que recebera 300 colonos irlandeses. Também foi a única colônia irlandesa do estado. Não deu certo por problemas financeiros. Algumas famílias, todavia, permaneceram: Brião, Carpter, Staford, Sinott, Ennis, etc.
                Outras etnias: na época das companhias estrangeiras no Cerro do Estado, havia gente das mais diversas procedências. Até um grande número de famílias gregas foi achado. No tempo das charqueadas, muitos bascos vieram trabalhar como tropeiros ou nas estâncias. Provenientes das colônias pelotenses, também se acham descendentes de austríacos, poloneses e japoneses.
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