Nos anos 80, o Campeonato Leonense de Futebol Amador ou Copa União do Capão do Leão (que era o nome oficial do torneio) tardava em começar. O fato é que faltava um pouco de organização e os jogos iam começar lá em julho, agosto e até setembro. Os times ficavam quase que completamente parados nos primeiros meses do ano. A alternativa era disputar torneios ou partidas amistosas com outras equipes, inclusive até de fora do Município.
Pois bem, houve uma vez que o Independente F.C. programou uma rodada de jogos com um time da colônia de Pelotas, o Atlético (nome fictício, não sabe que equipe foi). O acerto entre os dois clubes foi assim: num domingo, o Atlético viria até o campo do Independente disputar jogos contra o time da casa nas categorias titular, reserva e veterano. No domingo próximo, seria a vez do Independente visitar o seu co-irmão em Pelotas, no mesmo sistema de jogos. O acerto até que era interessante, os dois clubes até bolaram uma taça com uma inscrição parecida com “Torneio da Amizade” ou “Copa Amizade”, algo assim. Também se comprometeram um com outro de levarem ônibus com torcida até o campo do adversário, possibilitando que cada clube tivesse algum rendimento (copa, almoço, baile, etc.) com as partidas festivas.
No primeiro domingo, tudo aconteceu como previsto no campo do Independente. De manhã, houve o jogo dos veteranos com vitória fácil do time da casa. No início da tarde houve o confronto dos reservas, marcado por muita confusão e desentendimento. O Atlético ganhou “no grito”, com gol irregular numa partida que terminou 2x1. O jogo dos titulares no fim da tarde já iniciou com um clima tenso. O pessoal que veio de Pelotas começou a menosprezar a turma do Independente, fazendo piadinhas e provocações. Tudo por causa do jogo dos reservas que acabara muito mal. E isso se refletiu no jogo dos titulares, que virou uma verdadeira “guerra”. A partida terminou num 3x3 suado e contestações ao resultado da parte de um e de outro time.
Findado aquele domingo, a direção do Independente sabiamente entendeu que, apesar das confusões, tinha que cumprir o compromisso de jogar na zona rural de Pelotas no próximo domingo. Pois, a despeito de umas garrafas quebradas e juras de vingança entre jogadores, não poderia negar que teve um bom rendimento na copa aquele dia.
Chegou o dia dos jogos de volta, saiu do Capão do Leão um ônibus, vários carros e motos e o time compareceu no campo do Atlético. Antes de iniciar a partida dos veteranos às dez horas, um diretor do Independente juntou os times veterano, reserva e titular e se pôs a fazer uma espécie de preleção. Pediu que não entrassem na provocação do Atlético, jogassem o que sabiam e lembrou que a disputa estava empatada: uma vitória, uma derrota e um empate. Considerou que a esquadra dos veteranos do Independente passaria fácil pelo Atlético, dado que tinham uma formação mais qualificada, conforme demonstrado no domingo anterior. Pediu atenção dos titulares e reservas nos seus respectivos jogos, projetando que a decisão mesmo ficaria para o jogo dos titulares. No final fez uma importante observação:
- A vantagem do Atlético é que no segundo tempo eles jogam com o declive a favor. Não adianta tentar correr demais contra isso. Vamos tentar matar o jogo logo e depois só administrar.
Após as explanações do prudente dirigente, o Independente foi a campo contra o Atlético no confronto dos veteranos. Não deu outra, o “Depa” enfiou uma sacola de 4x0 no Atlético, num jogo lindo, marcado pela garra e determinação. No início da tarde houve o jogo dos reservas. Desta vez sem discussão nenhuma, o Atlético venceu com certa autoridade num tranqüilo 2x0. Tal como o dirigente do Independente tinha previsto, a decisão ficou para o jogo dos titulares. Afinal o embate estava empatado: duas vitórias para cada lado e um empate. E tal como o mesmo dirigente tinha falado, o Atlético preferiu iniciar a partida com o declive do campo (que era até bastante irregular, por sinal) a favor do Independente, para poderem “matar no cansaço” o tricolor leonense no segundo tempo. A primeira etapa foi dura de assistir, típico “jogo de colônia”: chutões, esbarrões, faltas grosseiras, discussões. Terminado o primeiro tempo, os jogadores do Independente reuniram-se na sombra de um cinamomo para ouvir as orientações do técnico e beber água. Nesse meio-tempo, o beque da equipe, conhecido afro-descendente estimado por todos, mais um tanto quanto simplório, debatia com seus companheiros formas de guarnecer melhor a defesa. Comentou a respeito do posicionamento dos laterais e do centro-médio e taxativo afirmou:
- Gurizada! Agora no segundo tempo, eles vão botar o tal de “Diclivis” para jogar. Pode deixar comigo que este sujeito não fica dez minutos em campo. Se ele é tão bom assim, “vamô” quebrar ele e o jogo ‘tá matado!
A gargalhada foi geral. O beque não havia entendido que declive é a inclinação do campo que, neste caso, desfavorecia o tricolor leonense no momento. Contudo, quem estava no jogo naquele dia, afirma categoricamente que a partir da bobagem que o beque falou, parece que o time tomou outro rumo. A tensão era tão grande que a piada despropositada serviu para relaxar os jogadores.
Começado o segundo tempo, o “Depa” deu um baile no Atlético. Tudo que era bola saía “redondinha”. Aos doze minutos o atacante baixinho do Independente colocou a cabeça numa bola cruzada pela esquerda e fez o primeiro gol, silenciando uma empolgada torcida atleticana. O jogo pareceu que iria “pegar fogo”, com ataques mortais do Atlético e o Independente, num contra-golpe rápido, fez a bola visitar mais uma vez o fundo das redes pelotenses aos vinte minutos. A partida prosseguiu com domínio total do time leonense. Num descuido, o Atlético ainda descontou aos trinta e sete. Só que o jogo não havia terminado ainda. E outra surpresa também estava reservada para aquele inusitado domingo.
Havia um jogador do Independente que sempre pedia ao treinador que o colocasse nos jogos, só que o coitado era muito ruim de bola. Estava no time porque, além de boa pessoa, ajudava muito o clube em festas e promoções. Como normalmente faltava gente para jogar quando o time saía em excursões, como era o caso, ele sempre ia para dar “uma força”. Servia tanto como atacante ou zagueiro. A questão é que dois bons meio-campistas do tricolor leonense sentiram o cansaço e pediram para saírem da partida. O treinador tinha à disposição no banco o “Ruim de Bola”, o goleiro reserva e mais dois meias. O problema é que estes dois meias reservas tinham se envolvido nas confusões do domingo passado. Se ele lançasse mão de qualquer um deles, poderia pintar um novo qüiproquó e a turma do Atlético poderia ter uma oportunidade ótima de provocar um ou outro e “melar” o jogo. Sem muita alternativa, o treinador fez o seguinte: segurou um dos meias que estavam jogando e tirou o outro que estava mais cansado. Colocou a muito contragosto o “Ruim de Bola”. Eram trinta e nove do segundo tempo. Depois do show de bola que o Independente tinha dado, vencendo provisoriamente por 2x1 o Atlético, o treinador começou a ficar preocupado. Não porque faltasse futebol, é que o cansaço começava a pegar os jogadores. A defesa se saía bem lá atrás, só que nos últimos minutos o Atlético foi para o “abafa”. Com mais uma defesa sensacional do goleiro Manteiga (nome fictício), o “Depa” se segurava e a partida já ia para uns suspeitíssimos quarenta e nove minutos do segundo tempo. Manteiga então deu um chutão forte para o meio de campo, a bola ao invés de encontrar a cabeça do centro-médio atleticano, escorreu pelas suas costas e tomou o rumo contrário, indo em direção à grande área do Atlético. Num lance quase que cinematográfico, o “Ruim de Bola” se interpôs entre a bola e o último zagueiro, deu um giro desengonçado, passou pelo jogador e chutou um bico forte em direção ao gol. Três a um para o Independente! Comemoração geral, invasão de campo, choro e tudo o mais que merece uma decisão. Partida finalizada, os jogadores levaram o “Ruim de Bola” nos braços. Do outro lado, os jogadores do Atlético não sabiam o que iam fazer, afinal o segundo tempo foi limpo, leal, sem nada para desabonar a vitória do tricolor leonense. Só restava cumprimentar os vencedores e entregar a taça.
Já no ônibus, dirigentes, jogadores e torcida eram unânimes em afirmar: sem o beque que queria “caçar o Diclivis” e o “Ruim de Bola” que fez o gol mais importante de sua vida, o Independente jamais teria sido campeão.
Pois bem, houve uma vez que o Independente F.C. programou uma rodada de jogos com um time da colônia de Pelotas, o Atlético (nome fictício, não sabe que equipe foi). O acerto entre os dois clubes foi assim: num domingo, o Atlético viria até o campo do Independente disputar jogos contra o time da casa nas categorias titular, reserva e veterano. No domingo próximo, seria a vez do Independente visitar o seu co-irmão em Pelotas, no mesmo sistema de jogos. O acerto até que era interessante, os dois clubes até bolaram uma taça com uma inscrição parecida com “Torneio da Amizade” ou “Copa Amizade”, algo assim. Também se comprometeram um com outro de levarem ônibus com torcida até o campo do adversário, possibilitando que cada clube tivesse algum rendimento (copa, almoço, baile, etc.) com as partidas festivas.
No primeiro domingo, tudo aconteceu como previsto no campo do Independente. De manhã, houve o jogo dos veteranos com vitória fácil do time da casa. No início da tarde houve o confronto dos reservas, marcado por muita confusão e desentendimento. O Atlético ganhou “no grito”, com gol irregular numa partida que terminou 2x1. O jogo dos titulares no fim da tarde já iniciou com um clima tenso. O pessoal que veio de Pelotas começou a menosprezar a turma do Independente, fazendo piadinhas e provocações. Tudo por causa do jogo dos reservas que acabara muito mal. E isso se refletiu no jogo dos titulares, que virou uma verdadeira “guerra”. A partida terminou num 3x3 suado e contestações ao resultado da parte de um e de outro time.
Findado aquele domingo, a direção do Independente sabiamente entendeu que, apesar das confusões, tinha que cumprir o compromisso de jogar na zona rural de Pelotas no próximo domingo. Pois, a despeito de umas garrafas quebradas e juras de vingança entre jogadores, não poderia negar que teve um bom rendimento na copa aquele dia.
Chegou o dia dos jogos de volta, saiu do Capão do Leão um ônibus, vários carros e motos e o time compareceu no campo do Atlético. Antes de iniciar a partida dos veteranos às dez horas, um diretor do Independente juntou os times veterano, reserva e titular e se pôs a fazer uma espécie de preleção. Pediu que não entrassem na provocação do Atlético, jogassem o que sabiam e lembrou que a disputa estava empatada: uma vitória, uma derrota e um empate. Considerou que a esquadra dos veteranos do Independente passaria fácil pelo Atlético, dado que tinham uma formação mais qualificada, conforme demonstrado no domingo anterior. Pediu atenção dos titulares e reservas nos seus respectivos jogos, projetando que a decisão mesmo ficaria para o jogo dos titulares. No final fez uma importante observação:
- A vantagem do Atlético é que no segundo tempo eles jogam com o declive a favor. Não adianta tentar correr demais contra isso. Vamos tentar matar o jogo logo e depois só administrar.
Após as explanações do prudente dirigente, o Independente foi a campo contra o Atlético no confronto dos veteranos. Não deu outra, o “Depa” enfiou uma sacola de 4x0 no Atlético, num jogo lindo, marcado pela garra e determinação. No início da tarde houve o jogo dos reservas. Desta vez sem discussão nenhuma, o Atlético venceu com certa autoridade num tranqüilo 2x0. Tal como o dirigente do Independente tinha previsto, a decisão ficou para o jogo dos titulares. Afinal o embate estava empatado: duas vitórias para cada lado e um empate. E tal como o mesmo dirigente tinha falado, o Atlético preferiu iniciar a partida com o declive do campo (que era até bastante irregular, por sinal) a favor do Independente, para poderem “matar no cansaço” o tricolor leonense no segundo tempo. A primeira etapa foi dura de assistir, típico “jogo de colônia”: chutões, esbarrões, faltas grosseiras, discussões. Terminado o primeiro tempo, os jogadores do Independente reuniram-se na sombra de um cinamomo para ouvir as orientações do técnico e beber água. Nesse meio-tempo, o beque da equipe, conhecido afro-descendente estimado por todos, mais um tanto quanto simplório, debatia com seus companheiros formas de guarnecer melhor a defesa. Comentou a respeito do posicionamento dos laterais e do centro-médio e taxativo afirmou:
- Gurizada! Agora no segundo tempo, eles vão botar o tal de “Diclivis” para jogar. Pode deixar comigo que este sujeito não fica dez minutos em campo. Se ele é tão bom assim, “vamô” quebrar ele e o jogo ‘tá matado!
A gargalhada foi geral. O beque não havia entendido que declive é a inclinação do campo que, neste caso, desfavorecia o tricolor leonense no momento. Contudo, quem estava no jogo naquele dia, afirma categoricamente que a partir da bobagem que o beque falou, parece que o time tomou outro rumo. A tensão era tão grande que a piada despropositada serviu para relaxar os jogadores.
Começado o segundo tempo, o “Depa” deu um baile no Atlético. Tudo que era bola saía “redondinha”. Aos doze minutos o atacante baixinho do Independente colocou a cabeça numa bola cruzada pela esquerda e fez o primeiro gol, silenciando uma empolgada torcida atleticana. O jogo pareceu que iria “pegar fogo”, com ataques mortais do Atlético e o Independente, num contra-golpe rápido, fez a bola visitar mais uma vez o fundo das redes pelotenses aos vinte minutos. A partida prosseguiu com domínio total do time leonense. Num descuido, o Atlético ainda descontou aos trinta e sete. Só que o jogo não havia terminado ainda. E outra surpresa também estava reservada para aquele inusitado domingo.
Havia um jogador do Independente que sempre pedia ao treinador que o colocasse nos jogos, só que o coitado era muito ruim de bola. Estava no time porque, além de boa pessoa, ajudava muito o clube em festas e promoções. Como normalmente faltava gente para jogar quando o time saía em excursões, como era o caso, ele sempre ia para dar “uma força”. Servia tanto como atacante ou zagueiro. A questão é que dois bons meio-campistas do tricolor leonense sentiram o cansaço e pediram para saírem da partida. O treinador tinha à disposição no banco o “Ruim de Bola”, o goleiro reserva e mais dois meias. O problema é que estes dois meias reservas tinham se envolvido nas confusões do domingo passado. Se ele lançasse mão de qualquer um deles, poderia pintar um novo qüiproquó e a turma do Atlético poderia ter uma oportunidade ótima de provocar um ou outro e “melar” o jogo. Sem muita alternativa, o treinador fez o seguinte: segurou um dos meias que estavam jogando e tirou o outro que estava mais cansado. Colocou a muito contragosto o “Ruim de Bola”. Eram trinta e nove do segundo tempo. Depois do show de bola que o Independente tinha dado, vencendo provisoriamente por 2x1 o Atlético, o treinador começou a ficar preocupado. Não porque faltasse futebol, é que o cansaço começava a pegar os jogadores. A defesa se saía bem lá atrás, só que nos últimos minutos o Atlético foi para o “abafa”. Com mais uma defesa sensacional do goleiro Manteiga (nome fictício), o “Depa” se segurava e a partida já ia para uns suspeitíssimos quarenta e nove minutos do segundo tempo. Manteiga então deu um chutão forte para o meio de campo, a bola ao invés de encontrar a cabeça do centro-médio atleticano, escorreu pelas suas costas e tomou o rumo contrário, indo em direção à grande área do Atlético. Num lance quase que cinematográfico, o “Ruim de Bola” se interpôs entre a bola e o último zagueiro, deu um giro desengonçado, passou pelo jogador e chutou um bico forte em direção ao gol. Três a um para o Independente! Comemoração geral, invasão de campo, choro e tudo o mais que merece uma decisão. Partida finalizada, os jogadores levaram o “Ruim de Bola” nos braços. Do outro lado, os jogadores do Atlético não sabiam o que iam fazer, afinal o segundo tempo foi limpo, leal, sem nada para desabonar a vitória do tricolor leonense. Só restava cumprimentar os vencedores e entregar a taça.
Já no ônibus, dirigentes, jogadores e torcida eram unânimes em afirmar: sem o beque que queria “caçar o Diclivis” e o “Ruim de Bola” que fez o gol mais importante de sua vida, o Independente jamais teria sido campeão.