quinta-feira, 21 de julho de 2022

O polvo gigantesco da Capetown

 



Um drama submarino

Alguns annos atraz o paquete "Dumvegan Castle", ancorado no porto de Capetown, garrou, tangido por um violento temporal, e foi atirado contra a muralha das docas do porto.

Foi tão brutal o choque que o navio despedaçou-se como uma peça de crystal e a muralha ficou arruinada em grande parte de sua extensão. Enormes blocos das construcções a descoberto cahiram ao mar, com a profundidade ahi de vinte metros.

Como urgissem as reparações do cáes pois que a agitação do mar poderia, pelas falhas da muralha, destruir inteiramente as docas, os engenheiros encarregados dessas reparações, resolveram que logo no dia seguinte alguns escaphandristas descessem ao fundo do mar e por meio de forte corrente prendessem os blocos cahidos de modo que os possantes guindastes podessem trazel-os de novo á superficie, repondo-as no lugar donde haviam sido deslocados.

Um dos mais notaveis escaphandristas de Capetown era M.H. Palmer, que em quinze annos de pratica e numerosos serviços em diversos portos do mundo, era garantia segura da perfeição do trabalho que se tornava necessario.

Intrigado, o escaphandrista adiantou-se mais alguma cousa.

Ao chegar a alguns passos apenas da "cousa" viu como que uma cobra sahindo da sombra e atirar-se a elle com rapidez do raio.

Antes que elle pudesse fazer qualquer movimento ou percebesse ao menos que perigo o ameaçava, aquella cobra enrolava-se em torno de uma das suas pernas.

Aterrorisado, arquejante, o escaphandrista tentou recuar. Uma outra cobra sahindo da sombra enrolou-se em um braço.

Palmer tinha sido atacado por um polvo gigantesco.

Dotado de uma natureza energica, Palmer não perdia o sangue frio em face do perigo.

Contrahindo os musculos, fincando no sólo lamacento os pés calçados com fortes laminas de chumbo, preparou-se o mergulhador para a lucta. O polvo fizera já entrar em acção todos os seus tentaculos que se enroscavam em torno do corpo do escaphandrista, attrahindo-a para a sua toca, lenta, mas seguramente.

A pressão dos tentaculos era extraordinaria e os puxões que a féra marinha dava, successivos, formidaveis.

A perspectiva da horrivel morte que o aguardava, sugado pelas milhares de ventosas do horrendo animal deu a Palmer novos alentos.

Fazendo um violento movimento de recuo conseguiu desembaraçar-se de alguns tentaculos. Um outro esforço e poude recuar alguns passos, distendendo os apendices monstruosos que o envolviam.

Palmer era membrudo, alto, espadaudo, de grande sobriedade, corajoso, não recuando deante e nenhum perigo, de nenhum trabalho.

Os primeiros dias que alli passou no fundo do porto de Capetown escoaram-se sem que nenhum facto anormal perturbasse o serviço.

O trabalho era penoso, perigoso, porém Palmer que já vira outros peores atirava-se com calma á tarefa de que fora encarregado.

Uma manhã em que elle descera, como de costume, ao pé da muralha e tratava de passar uma corrente em torno de um formidavel bloco de alvenaria desaggradado, o escaphandrista notou de repente, um objecto informe que mergia de uma escura cavidade em parte dissimulada pelo formidavel bloco que elle tentara remover.

A agua era clara, o céo estava limpido de sorte que mesmo naquella profundidade o mergulhador via o sufficiente para perceber com relativa nitidez os objectos que o rodeavam.

Intrigado por aquella cousa imprecisa que se lhe deparava, approximou-se do bloco de alvenaria para examinal-o de mais perto.

Poude verificar então que o quer que fosse movia se, mexia-se como que a avançar lentamente ao seu encontro.

O voraz animal, vendo a surpresa prestes a escapar-lhe, tomou a resolução de deixar a toca e perseguil-o no mar-livre.

Viu então horrorisado o escaphandrista o seu adversario emergir formidavel do buraco em quase escondia. Os dous olhos enormes do monstro fixavam-se nelle, como que magnetisando-o, os tentaculos envolveram-lhe o corpo inteiramente.

Palmer aturdido e embaraçado por seu pesado vestuario de escaphandrista teve um momento de desanimo. A cabeça ameaçadora do polvo veiu firmar contra a parede de vidro do seu capacete metalico.

Era um espectaculo phantastico, a briga desses dois entes tão extranhamente conformados, um e outro.

O homem vestido com uma especie de sacco cheio de vento, uma grande cabeça espherica munida de uma grande lente de vidro que parecia um olho enorme dilatado pelo terror.

A féra de muitos abraços, os olhos glaucos, agarrada ao seu adversário parecia encaral-o. Ficaram ambos um momento immoveis, enlaçados um no outro.

Palmer sentiu subitamente que os tentaculos começavam a augmentar violentamente a constricção. O polvo abandonava inteiramente a sua toca e enrolava-se em torno do corpo do escaphandrista; nenhum ponto de apoio prendia-se aos sólo. Foi quando, subitaneo, um pensamento veio ao espírito de Palmer. Desembaraçando o braço esquerdo, agarrou com toda a sua força a corda que o punha em communicação com os companheiros que á flor á agua acompanhavam o serviço.

Estes perceberam as desordenadas sacudidas da corda e nem um instante duvidaram de que alguma cousa imprevista se estivesse passando em torno do corpo do escaphandrista.

Logo que o polvo percebeu que o escaphandrista era içado procurou agarrar-se ás pedras, ás asperezas do fundo do mara. Era tarde demais, porém, e o monstro teve de seguir contra a sua vontade a sua presumida victima.

Quando Palmer chegou á flor d'agua com o seu extranho companheiro, os homens que o puxavam ficaram horrorisados. Armados de facas, machados, serrotes, barras de ferro atacaram o monstro.

Foi com extrema difficuldade, cortando um a um os tentaculos, que conseguiram libertar por fim o mergulhador, quasi suffocado pelo tremendo abraço do monstro marinho.

Fonte: A FEDERÇÃO (Porto Alegre/RS), 13 de Março de 1919, pág. 05, col. 04-05

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