quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A Imigração - do século XIX ao século XXI


"Os fluxos migratórios existem como prática social dos grupos humanos há séculos: as invasões bárbaras, a colonização das Américas ou a diáspora africana e judaica podem ser consideradas longos processos migratórios. Mas, a partir de meados do século XIX, novos e maciços fluxos de deslocamento ocorreram, diferentemente dos antigos, com a reconfiguração do mercado mundial e das relações internacionais resultantes da Revolução Industrial, do fim dos antigos impérios coloniais, da formação dos Estados-nação e do liberalismo econômico. Com novos mercados, intensificação do comércio internacional, melhoria nos transportes e aumento populacional generalizado, tornou-se viável a oferta de mão de obra em um plano globalizado.

A grande transformação capitalista ao longo do século XIX produziu um excedente populacional nas áreas rurais que não foi completamente absorvido pelos países em processo de industrialização. Para muitos trabalhadores, principalmente na Ásia e na Europa, emigrar tornou-se uma necessidade, a alternativa para ascender econômica e socialmente ou resistir ao processo de proletarização. No mesmo período, diversos países em crescimento econômico. sobretudo das Américas, podiam e precisavam receber contingentes de mão de obra imigrante - para crescer e diversificar a economia e também para ter uma reserva de pessoal, possibilitando o controle dos salários.

As migrações internacionais tiveram várias fases. A primeira, de 1820 a 1870, aproximadamente, foi quando alguns fluxos se estabeleceram dentro da própria Europa, ou em direção à América, como a emigração de irlandeses para os Estados Unidos, Inglaterra e Escócia ou dos italianos para a França.

A segunda fase, de 1870 a 1930 (com suspensão durante a Primeira Guerra Mundial), foi quando ocorreram as chamadas migrações internacionais de massa. Milhões de europeus emigraram dentro da própria Europa ou se dirigiram para os países americanos, principalmente Estados Unidos, Canadá, Argentina, Brasil, Cuba e Uruguai, que vivenciavam uma fase intensa de crescimento econômico. Calcula-se que, nesse período, nos Estados Unidos entraram quase 30 milhões de europeus (sobretudo alemães, irlandeses, italianos, poloneses e judeus da Rússia e do Império Austro-Húngaro); mais de 6 milhões na Argentina (italianos e espanhóis); perto de 5 milhões no Canadá (quase exclusivamente irlandeses e britânicos) e mais de 4 milhões no Brasil (principalmente italianos, portugueses e espanhóis). Globalmente, mais de 50 milhões saíram da Europa, uma verdadeira revolução demográfica. Muitas regiões se despovoaram: na Irlanda, Alemanha e Itália, ou entre os judeus da Europa oriental, pelo menos uma a cada três famílias experimentou a emigração, temporária ou definitiva. Os asiáticos (chineses, indianos e japoneses) também partiram para os países americanos, mas em menor escala.

O terceiro momento ocorreu após a crise de 1929 e seguiu até o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), quando a emigração internacional estagnou. Era um período de desemprego generalizado e formação de políticas sociais de Estado (saúde pública, aposentadoria, regulamentação do trabalho), no qual prevaleceram os deslocamentos dentro de cada país, em parte ajudados pelas políticas que barravam a entrada de estrangeiros. As migrações internacionais limitavam-se a indivíduos perseguidos pelas ditaduras de direita europeias.

Entre 1945 e 1991 (fim da União Soviética), os fluxos migratórios internacionais cresceram novamente. Dessa vez, além dos deslocamentos tradicionais, aumentaram consideravelmente as emigrações dos novos países africanos e asiáticos recém-descolonizados. Eles se dirigiam em geral aos ex-países colonizadores e parcialmente para os Estados Unidos. Assim, formaram-se as comunidades de argelinos, marroquinos e senegaleses nas cidades francesas; de indianos, cingaleses e quenianos nas metrópoles inglesas; ou, ainda, de indonésios nos Países Baixos. Também intenso foi o estabelecimento de oriundos do México, América Central e Caribe nos EUA, modificando a conformação étnica de seus bairros populares, até à década de 1950 formados sobretudo por imigrantes ou descendentes de europeus.

Após 1991, com o esfacelamento do mundo socialista e a globalização do capitalismo, as migrações internacionais se intensificaram: os antigos fluxos permaneceram, mas tradicionais países de emigração (como Itália, Espanha e Irlanda) se transformaram em receptores de imigrantes e surgiram novos fluxos entre África, Ásia e Europa. Após 70 anos de estagnação, milhares de trabalhadores da Europa Oriental se dirigiram aos países mais ricos da porção ocidental do continente. Os EUA continuaram recebendo o maior contingente de imigrantes, com aumento considerável de asiáticos e latino-americanos.

Em geral, cerca da metade dos imigrantes voltou à terra natal ou partiu para outro país. A volta não é necessariamente um sintoma de fracasso: pode-se retornar, bem-sucedido, para reconstruir a vida na terra de origem. Mas muitas vezes a imigração definitiva significa a impossibilidade de voltar. Entretanto, não é exato dizer que todo imigrante almejava 'fazer a América', ou seja, enriquecer para poder voltar.

Os imigrantes levaram diversidade cultural aos países onde se estabeleceram. Mas esse processo foi conflituoso, sobretudo ao longo da primeira metade do século XX, quando cada Estado-nação tentou definir com mais força quais eram os principais elementos culturais de sua identidade, assim como nos momentos em que se intensificava a disputa com a mão de obra nacional pela inserção no mercado de trabalho e o acesso às políticas de assistência pública.

Enquanto em alguns países o multiculturalismo e a tolerância à diversidade étnica fizeram grandes progressos, em outros, muito menos. Nas últimas décadas, a crise do Estado de bem-estar social, associada às crises da economia globalizada, provocou o aumento da intolerância aos estrangeiros nos países europeus e nos Estados Unidos."

Fonte: BIONDI, Luigi. Imigrantes. In: BETING, Graziela. Coleção História de A a Z: 4: Idade Contemporânea. Rio de Janeiro, 2009, pág. 12-13.


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