"Industria Agricola
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RELATORIO PELOS DRS. COUTY E ENGENHEIROS LUIZ GODOFREDO DE ESCRAGNOLE TAUNAY E AUGUSTO CARLOS DA SILVA TELLES
Em sua viagem ao sul do Brazil e ás republicas vizinhas, um de nós estudára a questão da producção da carne e de sua preparação. Tendo visto por si aquillo de que fallava, não se tendo fiado em estatisticas nem em informações de interessados, julgava assistir-lhe o direito de ser acreditado ou ao menos comprehendido. Assim não succedeu, e esta parte da missão de que nos incumbimos foi, desde logo, na imprensa e até em assembléas provinciaes, alvo de attaques bastante fortes por não ser, dizia-se, util nem legitima. Uns e outros temos por habito só proceder após reflexão e, portanto, ligamos pouca attenção ás observações e censuras; no caso vertente, porém, a consideração que nos merecem as pessoas de que partirão nos leva a responder-lhes.
A seu vêr o Brazil está atrazadissimo em relação á criação do gado; tem os mercados invadidos pelas producções vizinhas e se acha na contingencia de comprar quantidades consideraveis de carne secca, pois não póde satisfazer as necessidades do proprio consumo.
Acreditamos haver nisso erro ou exagero de vulto. Talvez se tenha sido illudido - cousa bastante frequente, por estatisticas incompletas, mal feitas que só servem para obscurecer a verdade dos factos. É possivel que em certo anno o resto do Brazil só recebesse do Rio-Grande 1.833.000 kilos de xarque, ao passo que importava dos estados vizinhos 28.000.000; até nos parece inutil recorrer a outas estatisticas para indagar se a proporção não é excepcional. A questão primordial não é, de feito, saber onde vai o Brazil comprar o que consome, mas saber o que produz.
As xarqueadas de Pelotas visitadas pelo Dr. Couty apresentão uma producção regular de 350.000 a 400.000 cabeças á qual se deve juntar a de pequenas xarqueadas espalhadas pela provincia, sobretudo ao norte, perfazendo um total de 450.000 cabeças. A producção dos estados oriental e argentino é muito mais variavel por causas que já fôrão explicadas; tomando, porém, a média de muitos annos vê-se que cada uma de per si não excede á do Rio-Grande, e em certas épocas, depois de seccas por exemplo, tem-lhe sido até muito inferior.
O Brazil, ou antes a unica provincia que luta nesse terreno, a actividade industriosa do Rio-Grande, não se acha, pois, áquem dos estados vizinhos; diversos factos patenteão até que lhes leva vantagem, pelo menos sob o ponto de vista da criação.
EIs um que parece probante. Todo o norte da republica oriental e uma grande parte do centro e do oeste, isto é, as regiões de Jaguarão, Serro-Largo, Durasno, Salto, mesmo de Paysandú são occupados por estancieiros brazileiros. Calcula-se em cêrca de um terço dos pastos cisplatinos, a superficie possuida por brazileiros, e esta annexação pacifica, a unica real, a unica util, fez se rapidamente e se estende de dia em dia. Tanto mais justo seria incluir na producção do Brazil todas estas criações, quanto continuão os seus possuidores a ser verdadeiros e bons rio-grandenses, habitão Uruguayana, Alegrete, Bagé, Pelotas e trazem a seu paiz as vantagens colhidas no commercio e industria que exercem. Á producção das xarqueadas de Pelotas se deveria juntar tambem a de uma parte dos saladeiros de Paysandú, Barra-Blanca, Salto, etc. Assim se verificaria que os estancieiros brazileiros crião mais gado do que os orientaes e argentinos.
Em todo o caso, já o facto de vê-los emigrar e espalhar gradualmente pelas regiões vizinhas prova que a sua criação luta com vantagem contra a das zonas proximas.
Não queremos parecer optimistas nem pessimistas mas, justamente pela ausencia do espirito partidario, achamos censuravel a mania, hoje commum no Brazil, de se encontrar por toda a parte producções melhores e modêlos a copiar. Sem duvida alguma tem o paiz progressos não pequenos a realisar na criação do gado como, aliás, em outros pontos; para isso não carece, porém, de imitar vizinhos que não lhe são superiores...
Causas faceis de analysar determinárão a falsa apreciação que atacamos.
Se a producção de carne no sul do Brazil é igual e até superior á dos vizinhos, o seu preparo é, pelo contrario, differente. E, força é confessar, os xarqueadores de Pelotas, com a mão de obra escrava, progredirão menos do que os saladeiristas das republicas oriental e argentina - inglezes, francezes, italianos ou bascos - que souberão aproveitar-se de todas as condições favoraveis. A carne do Rio da Prata é menos secca, menos salgada, menos irregular de aspecto e gosto, mais agradavel á vista do que a do Rio-Grande; se é menos conservavel é, em compensação, mais saborosa. Assim acontece que, de alguns annos a esta parte, e apezar de direitos bastante pesados, os productores do Rio da Prata vêm a sua carne mais e mais procurada nos mercados brazileiros, ao passo que a de Pelotas tende a limitar-se ás regiões do norte, Jamaica e sobretudo Cuba. Dahi poder-se-hia inferir progresso do Brazil quanto á alimentação; outras razões, porém, dão logar a esta anomalia curiosa.
Os saladeiros do Rio da Prata produzem, pela maior parte, carne pouco secca que por perder menos peso traz mais lucro; é necessario, porém, vende-la depressa e não muito longe, pois é pouco conservavel. Por isso os consumidores de Cuba comprão de preferencia a carne de Pelotas e os grandes interpositarios do Rio e da Bahia mandão para o norte os productos brazileiros, mais seccos. A razão de conservabilidade não é unica; segundo nos foi dito entra tambem em consideração o frete de retorno, especial para navios impregnados de cheiro e, ao que parece, mais facil, do Brazil ao Rio da Prata ou das Antilhas ao Brazil do que das Antilhas ao Rio da Prata.
Para ter, pois, servindo-se de estatisticas, idéa da producção do Brazil, é necessario não recorrer só as estatisticas brazileiras, cotejar tambem as das Antilhas e até as das compras dos saladeiros orientaes: é necessario juntar á carne brazileira vendida no paiz, a vendida nas Antilhas e ainda a preparada pelos saladeiros orientaes e vendida sob designação falsa."
Fonte: REVISTA AGRICOLA DO IMPERIAL INSTITUTO FLUMINENSE DE AGRICULTURA (Rio de Janeiro/RJ), edição 001, março de 1883, pág. 145-147
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