quarta-feira, 19 de junho de 2019

Salteadores & Bandoleiros no Rio Grande do Sul em 1871


"Ladrões.

As quadrilhas de ladrões que ha mais de dous mezes infestão o districto de Capivary, roubando o gado, assaltando as casas e tentando contra a vida do cidadão e animadas pela impunidade de todos os seus crimes, redobrão de ousadia, e engrossão todos os dias o grupo com novos sequases.

Ao principio composta esta malóca de 12 salteadores, já se acha, hoje elevada ao numero de 22, os quaes depois de terem andado a roubar e estragar tudo o que encontravão nas immediações da estancia do Curral-Alto, consta-nos que ha 4 dias investirão contra esta mesma estancia, não só roubando gado e o mais que encontrarão á mão, como levando o arrojo á assaltarem mesmo a casa, onde morava o respeitavel cidadão o Sr. João Ferreira Pinto, um dos seus proprietarios e irmão do nosso distincto amigo o Exm. Sr. Barão do Cahy. As autoridades fazem por cumprir o seu dever, não lhes falta vontade de punir tão atrevidos ladrões, não têm porém força policial á sua disposição, nem se tem curado de fornecel-a, e assim ficão á mercê, os cidadãos, de seus proprios recursos.

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Mais ladrões.

A serie de attentados contra a vida e a propriedade do cidadão ainda não está esgotada. Elles multiplicão-se e reproduzem-se por toda a parte. Já não é só no Cerrito do Ouro, ou no Capivary, ou no Curral Alto que elles apparecem fazendo as suas correrias. Na Vaccaria, theatro antigo de suas façanhas, estão hoje como nunca estiverão. Achão-se organisados, com uma força regular, prompta a bater-se com quem se lembre de os perseguir. Não contão com a perseguição da autoridade local que vive desajudada pela que aqui na capital lhe podia obter força, e eil-os zombando da ordam e tranquilidade publica.

Esta provincia precisa de um chefe de policia que tenha acção e energia para prover a segurança da vida e propriedade á que tem direito o cidadão, e não de chefes que vivão de expedientes da secretaria. Eis o que vimos referido em uma carta dirigida á um amigo nosso:

<<... como sei que tem intimas relações de amisade com o Dr. Brusque, chefe de policia, me parece que lhe transmittindo as noticias que lhe vou dar, elle de certo acreditará e alguma cousa providenciará em favor d'este infeliz lugar, onde presentemente me acho exposto á soffrer algum desacato, e talvez a perder a vida, porque já se não escolhem as victimas. No dia 3 de Março proximo passado, quando eu atravessava o lugar denominado S. Joaquim, recolhendo-me á casa, cahião em uma coxilha, longe de minha estrada legoa e meia, em occasião de umas carreiras, dous moços filhos de um homem de nome Theodoro de tal Chaves, feridos pelo tenente Luiz Telesphoro Teixeira, que por seu turno cahiu morto pelo dito velho Theodoro, em desagravo de seus filhos.>>

<<De proposito passarei por alto factos subsequentes que se derão por occasião de instaurar-se o processo ao velho Theodoro. Dias depois nas visinhanças de um lugar chamado - Taimbezinho - na Vaccaria, em uma casa de negocio de um moço allemão, genro de outro allemão de nome Christianno Hoffman, entrou um réo de policia, natural e morador em Cima da Serra, no lugar denominado - Cédro - conhecido pelo nome de Anginho, e ali, depois de beber, attacou o dono da casa á espada, cutilando-o impunentemente, e depois sahio. Este negociante recorreo á autoridade da Vaccaria, fez auto de corpo de delicto, deu sua queixa, gastou noventa e tanto mil réis, e depois teve de desistir de fazer parte, porque o réo não foi pegado, e elle queixoso bem sabe qual a sorte que o espera. Dias depois um fazendeiro de idade avançada de nome Estanisláo Rodrigues de Campos, morador no Capão-Grande, longe da freguezia da Vaccaria 3 1/2 legoas, tendo vencido uma demanda sobre campos de sua propriedade com uns poucos de irmãos de nome Lisbôa, aos quaes fôra intimado o despejo dos lugares que individamente tinhão invadido, foi acordado alta noite ao clarão do incendio de sua casa, e no acto de sahir, como era natural, para livrar-se e salvar o que ainda pudesse, soffreo uma descarga de que cahio morto.

<<Á mesma hora era incendiada a casa em que residia, pouco distante, mas no mesmo campo, um filho do dito Estanisláo, de nome Marcolino, que não morreu por não estar em casa.

Pelo mesmo tempo era attacado á noute em sua casa, um casal de velhos, moradores nas pontas do arroyo Santa Rita, districto da Lagôa Vermelha, cujos nomes ignora, pedindo-se-lhes o dinheiro que havia; e como só apparecesse uns 40 ou 50 bolivianos, foi o velho cruelmente ferido, e consta-me que ainda existe: Estes quatro factos são acontecidos todos no mez de Março.

<<Além d'estes factos que mencionei e que provão de mais a nenhuma segurança que aqui ha pelo desrespeito á autoridade, que além de ignorar os seus deveres, nenhuma força tem em que se apoie, sendo ella mesma a que mais receio tem de intervir nas occasiões, accresse a existencia de uma espantosa reunião de malvados, ladrões e assassinos conhecidos que se achão agrupados á 6, 8 e 10 conforme a occasião nas immediações do lugar denominado - Costa - entre a serra das Antas e a de Pelotas, e ao alcance das estancias Carauno e Ausentes, onde fazem suas correrias á luz do dia e de onde se supprem de gado e de cavalhada, sem que seus proprietarios possão oppor-se. Esta reunião de malvados que actualmente infesta este lugar é composta de homens conhecidos no atroz assassinato de João Ramos e sua familia; alguns que ainda não forão presos e outros que farão inocentados no jury de Santo Antonio, e de outros que escaparão á ultima perseguição que lhes fez aqui um alferes de policia, genro do Dr. Moraes por occasião do incendio da casa de Ignacio Velho e tambem de alguns fugados d'essa cidade depois de serem presos pelo tenente-coronel Moraes em Novembro do anno proximo passado quando aqui esteve.

Um soldado de policia da collectoria que atravessou em serviço para a Agencia dos Auzentes e Santa Victoria no dia 10 ou 11 de Março foi rodeado por essa quadrilha, e depois de bem perguntado, deixarão-n'o seguir. No dia 18 ou 20 do mesmo mez, outro moço com um companheiro ao atravessar da estancia de Athanagildo Telles para os Auzentes os encontrou em numero de 8 ou 10 apeados em uma taberna isolada que ha no - Capão Bonito - ponto escolhido para a sua reunião por ser indispensavel passar-se ali tendo de ir de Santa Victoria para os Auzentes e vice-versa. Esta taberna do Capão Bonito só é frequentada por essa quadrilha. Nenhum viandante, por mais corajoso que seja, terá a lembrança de tocar n'aquella casa. Quando aqui andou o alferes de que acima fallei, tinha-se ha pouco queimado aquella taberna, mas como o ponto é necessario foi de novo edificada e está habitada por gente da quadrilha...>>

Veja o Sr. conselheiro presidente que se tem tanto empenhado em moralizar a administração publica que tão desmantelada encontrou a sua chegada, se attende para estes factos faz com que a autoridade competente desperte do lethargo em que jaz, e faz com que as garantias de vida e propriedade que dá a lei aos cidadãos, deixa de ser uma ficção."

Fonte: O CONSTITUCIONAL (RS), 20 de Abril de 1871, pág. 03, col. 01-02

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