"Nada identifica mais os italianos do que a importância que atribuem à família. Desde o século XIX, observadores notaram, com apreciação negativa ou positiva, a força dos laços familiares na Itália. Claro que famílias desfeitas, ódios e conflitos familiares, traições e ciúmes sempre existiram, mas também havia a concepção de que, apesar dos pesares, a união da família era algo a ser defendido, assim como que nenhum dever era mais caro a uma pessoa do que garantir sua preservação e prosperidade.
As intensas transformações econômicas e sociais vivenciadas pelo povo italiano nas últimas décadas e, em especial, a liberação feminina e o divórcio com certeza modificaram bastante esse quadro. Muitos jovens querem levar uma vida independente, possuem gostos próprios e querem ficar longe dos pais. Indivíduos sozinhos, casais não legalmente casados, divórcios e outros sintomas de mudança tornaram-se relativamente comuns. Não obstante, a família ainda é vista, na cultura italiana, como o centro da vida social e da própria identidade do indivíduo.
As estatísticas de divórcios e filhos nascidos fora do matrimônio confirmam essa maior propensão dos italianos à vida familiar. Em 1994, por exemplo, foram verificadas 24 separações e divórcios para cada cem matrimônios na Itália, enquanto esse número subia para 35 na França e 44 na Grã-Bretanha. No mesmo ano, a porcentagem de filhos nascidos fora do casamento era de apenas 7,3% na Itália, contra 10,5% na Espanha, 15,4% na Alemanha, 32% no Reino Unido e 35% na França.
As famílias também continuam a manter vínculos fortes entre as gerações, com os filhos, inclusive, demorando cada vez mais para deixar as casas dos pais. Na Itália dos anos 80, para quando estatísticas confiáveis estão disponíveis, 90% dos filhos e 65% das filhas entre 20 e 24 anos viviam com os pais, enquanto os números para a França eram 52% e 27%, para a Alemanha 43% e 31% e, para a Grã-Bretanha, 58% e 23%. Os números podem ter se alterado um pouco para os dias de hoje, mas não muito.
À parte fatores práticos, como a falta de empregos para os jovens e o alto valor dos aluguéis, e mudanças culturais, como a maior liberdade em família, que viabilizam a presença mais longa dos jovens na casa paterna, parece evidente que o apego à família também é elemento a ser levado em conta.
Realmente, os italianos tendem a viver em famílias mais 'longas' do que seus vizinhos europeus. Avós, pais e filhos vivem, muitas vezes, na mesma casa ou, no máximo, nas vizinhanças e os contatos cotidianos entre eles são contínuos. Os avós tendem a ajudar os filhos a criar os netos e são cuidados por eles, em especial pelas filhas. Mesmo entre os descendentes de italianos espalhados pelo mundo, esse traço de valorização da família e da proximidade com ela é uma característica cultural ainda bastante forte, como demonstram as pesquisas acadêmicas e a própria experiência cotidiana do sagrado 'almoço dominical em família' dos italianos ou descendentes no Brasil, por exemplo.
Aliás, sem cair no estereótipo, um almoço de família é um bom momento para entender a relação dos italianos com seus parentes. Normalmente, todos falam ao mesmo tempo e os ausentes são analisados e criticados. Quando estes chegam, contudo, sucedem-se as manifestações ostensivas de afeto e alegria, sobretudo em volta da mesa, assim como novas brigas e discussões. Para pessoas acostumadas a esse tipo de relação familiar íntima e quase ritualísticas, os filmes americanos nos quais os membros de uma família, após anos de relação distante, confessam finalmente seus verdadeiros sentimentos uns pelos outros, não fazem o menor sentido.
No que se refere aos papéis masculino e feminino, os homens italianos, como em quase todo o mundo, têm enfrentado dificuldades para se adaptar aos novos tempos e aos novos conceitos de paternidade. Os pais autoritários de outrora, contudo, praticamente desapareceram. Já o papel das mulheres na família italiana continua bastante próximo do padrão tradicional, ao menos campo teórico.
Um dos elementos culturais chave da família italiana é de fato a figura da mamma, superprotetora, e até mesmo controladora, especialmente no que se refere aos filhos homens. Apesar de o homem ser considerado o chefe da família, é a mulher, e a mãe, o seu centro, em redor de quem giram o marido, as filhas e, em particular, os filhos. Na verdade, a maior parte das culturas identifica a família como um ambiente matriarcal, mas a cultura italiana tradicional tende, por princípio, a levar esse traço ao limite.
Confirmações dessa característica da cultura italiana podem vir de várias fontes. Que outro povo apela para a mãe em momentos de aflição? Será que os alemães gritam Mutter diante de uma emergência, uma aflição ou um perigo? Já os italianos apelam sempre à mamma mia, enquanto uma das expressões mais comuns da língua italian é Madonna! (Nossa Senhora!), símbolo universal da mãe que sofre e se sacrifica pelo filho.
É realmente interessante observar como esse aspecto da cultura italiana é tão forte que tem resistido até mesmo às imensas transformações da vida na Itália nas últimas décadas. Mesmo quando a mulher tem apenas um filho e o deixa com os avós para poder trabalhar, ela ainda é a mamma, figura sempre presente, a vigiar os filhos, protegendo-os e sufocando-os com atenção e carinho. Não espanta, assim, que a língua italiana tenha um termo específico para identificar esse tipo de relação com os filhos - o mammismo - que causa admiração e espanto entre os 46 observadores estrangeiros.
Pesquisadores tentando compreender esse traço cultural levaram suas reflexões ao estudo da figura da Virgem Maria, da 'Grande Mãe mediterrânica' e do mito de Édipo, o que talvez seja um exagero. Do mesmo modo, levar uma possível tendência cultural ao terreno dos estereótipos e da uniformidade seria absurdo, pois, com certeza, nem todas as mães italianas são mammas, especialmente na Itália de hoje, pós-movimento de liberação da mulher. No entanto, os dados indicam que os contatos entre mães e filhos, e familiares em geral, continuam a ser mais fortes na Itália do que em outros países europeus.
Em 1994, por exemplo, algumas estatísticas revelavam que um terço dos homens italianos casados viam suas mães todos os dias e outro terço ao menos uma vez por semana. Ao mesmo tempo, a maioria dos homens solteiros acima de 35 anos e boa parte dos divorciados vivia com as mães.
Para um norte-americano típico ou mesmo um francês, a ideia de viver com a mãe após o divórcio ou continuar na casa dos pais após completar 30 ou 40 anos de idade é intolerável e mesmo impensável, em nome da privacidade e da busca de espaço próprio. Já para os italianos e para boa parte dos seus descendentes espalhados pelo mundo, é perfeitamente natural e até mesmo lógico, o que indica como essa valorização dos laços familiares é realmente um traço da cultura italiana.
Tal valorização gera, inclusive, efeitos no mundo político e social mais amplo, nem sempre positivos. Já que a família é a fonte prioritária de lealdade e identidade, tudo é permitido, a princípio, em seu nome. Colocar primos e sobrinhos em cargos de prestígio ou privilegiar empresas de cunhados em uma concorrência pública não é, assim, considerado algo errado, mas apenas uma forma de garantir a prosperidade da família, o que explica a tolerância com essa prática na Itália desde os papas do Renascimento até os políticos da Democracia Cristã no século XX. Também associações criminosas, como a Máfia Italiana, só podem existir tendo base ideológica um solidariedade primária como a família.
Aquela velha família italiana, com o pai autoritário, a mãe aparentemente submissa, mas dona de imenso poder paralelo, e um monte de filhos, todos vivendo em harmonia e de forma solidária, com certeza nunca existiu, a não ser na teoria. Também os laços familiares 'longos' e duradouros, entre sobrinhos, tios, primos e avós, certamente não são tão fortes como chegaram a ser no passado. Mas a instituição familiar, na Itália, é ainda bastante sólida. A família ainda representa algo muito importante na vida dos italianos, o que traz alguns problemas (como a convivência nem sempre agradável, os inevitáveis conflitos entre os parentes), mas, no geral, acaba por torná-la bem mais agradável e suportável do que em outros países, onde impera o individualismo.
A valorização das crianças e dos filhos também é um traço da cultura italiana. Para os latinos, em geral, e para os italianos, em particular, a própria ideia do casamento é indissociável da geração de crianças e a imagem tradicional da família italiana sempre foi a do pai rodeado por uma multidão de filhos, enquanto a mãe está na cozinha, se preparando para alimentar a todos. Os filhos seriam a razão de ser da família e da própria vida e valeriam todos os sacrifícios."
Fonte: BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2008, pág. 254-257.
Nenhum comentário:
Postar um comentário