"Sérvio Túlio tinha duas filhas que, de acordo com o costume usavam o nome de Túlia. Uma era quieta e recatada e a outra, arrebatada e ambiciosa. O rei as casara com os netos sobreviventes de Tarquínio e Tanaquil, que também tinham caracteres opostos. E quiseram os maus fados que a meiga Túlia desposasse o apaixonado e resoluto Arrunte, ao passo que sua fogosa irmã se consorciou com o benévolo e estudioso Lúcio. Foi a Túlia dominadora quem pôs em execução o projeto de conquistar os favores do cunhado, selar o destino do próprio pai e obter para si o título de rainha de Roma.
O exemplo de sua avó, que ainda morava com eles no palácio sobre o Esquilino, espicaçou-a. Sozinha, Tanaquil conquistara o trono, primeiro para o marido e, depois, para o genro. Os netos de Tarquínio tinham mais direitos do que qualquer um daqueles usurpadores, mas o instrumento dos seus sinistros desígnios teria de ser evidentemente, o cunhado e não o traste do marido. Uma aventura às escâncaras com Arrunte foi oportunamente seguida pelas mortes da irmã e de Lúcio, o esposo, abrindo-lhe o caminho para o casamento com o ex-cunhado. E, pouco depois, em consequência dos escárnios e incitações incessantes da esposa, Arrunte deixou-se persuadir a participar de uma intentona contra o rei.
Seguido de um bando de jovens fidalgos armados, Arrunte entrou ousadamente no Fórum e instalou-se no assento reservado ao rei. Em seguida, convocou os senadores e acusou o soberano de haver usurpado o trono e praticado atos tirânicos, sobretudo ao favorecer as classes inferiores às expensas dos patrícios. A comoção trouxe o idoso Sérvio à porta do Senado. Escandalizado pela cena que presenciava, ordenou ao genro que saísse do Fórum. Quando os sequazes das duas facções avançaram, ameaçadores uns contra os outros, Arrunte precipitou-se sobre o rei, agarrou-o pela cintura e atirou-o pela escadaria abaixo. E no momento em que o velho procurava erguer-se de pé, os adeptos de Arrunte apunhalaram-no com suas adagas.
Nisso, chegou Túlia para render homenagem ao homem que se arvorara em novo rei. A evidente alegria da esposa repugnou ao marido, e este lhe ordenou que voltasse para casa. Quando ela se virava para partir, o cocheiro deteve o carro diante do cadáver de seu pai. Sem hesitar, ela lhe ordenou que passasse por cima do corpo ainda quente, cujo sangue salpicou as rodas do carro e os vestidos da filha."
Fonte: GILBERT, John. Mitos e lendas da Roma Antiga. São Paulo: Melhoramentos, 1978, 2a. ed., pág. 82-83.
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