"Uma horda de assassinos percorre o districto do Herval, termo de Jaguarão, comettendo toda a sorte de attentados, e não poucas vezes se tornam temidos pelos actos de barbaridade que praticam."
(O BRADO DO SUL, 07 de Dezembro de 1858, p.02)
Formado por, em sua maioria, soldados desertores e ex-peões de fazendas, o bando ou "horda" de Porfírio Gonçalves de Sousa, vulgo "Concilliador", apavorou a região da fronteira de Jaguarão com o Uruguay e a zona sul do estado do Rio Grande do Sul durante os anos da década de 1850. Consta que tinham seu ponto de acampamento nas terras de Herval, na época, ainda um distrito da cidade de Jaguarão. Todavia, agiam também nas terras da República Oriental e perambulavam até os municípios de Pelotas, Jaguarão, Piratini, Rio Grande, e até mesmo Caçapava do Sul.
Não se sabe de onde era procedente Porfírio, mas ao que consta, no ato de sua captura, contava com 34 anos de idade. O bando agrupava cerca de 20 meliantes, tanto brasileiros quanto uruguaios. Concilliador - segundo os cronistas da época - seria um epíteto dado a Porfírio por ser um salteador que sabia dividir o bottim dos saques com justesa.
Os primeiros registros daquilo que viria a ser o bando do Concilliador surgiram por volta de 1854, ainda no território uruguaio, onde atormentava a região fronteiriça um tal de "Paraguay" - famoso líder de uma malta daquele país que roubava fazendas. O Concilliador seria um assecla do famigerado bandido oriental que, por razão não suficientemente esclarecida, passou a agir com independência a partir dessa época. Na verdade, é difícil dizer que fossem dois bandos totalmente distintos, pois os jornais da época apontam certa solidariedade entre os grupos. Como era a tônica da época, os criminosos também sabiam se unir por ocasião.
A primeira ocasião em que o bando do Concilliador tomou de assalto a opinião pública aconteceu em maio de 1855, quando ocorreu um massacre de uma família de oito pessoas numa estância na localidade de San Servando, no Uruguai. Em setembro de 1855, outro ataque a uma propriedade rural, agora no interior de Jaguarão, o que resultou na morte de João Veríssimo de Santa Anna. No mesmo ano, muitas ocorrências são registradas na região de Jaguarão e Herval, bem como alguns crimes são percebidos em Cacimbinhas. Contudo, no ano de 1856, o bando passa a atacar viajantes que se dirigirem de uma direção à outra da fronteira, seja quem tomava o caminho até Jaguarão para atingir o Uruguay, seja para quem viesse da República Oriental com rumo a Pelotas ou Rio Grande. Em abril, um assassinato de grande repercussão: o do negociante inglês Solomon Opper, além do roubo de toda a carga de mercadorias que transportava. Relatório são remetidos à Assembleia da Província para que urgentes providências sejam tomadas. O bando passa a ser caçado pelas forças policiais de Jaguarão, o que talvez explique os desdobramentos posteriores dos criminosos. O fato é que passam a agir mais ao norte, sendo encontrados atacando propriedades próximas ao Cerro Pelado, em Piratini. Não tarda para que também se atribua ao bando roubos, assaltos e assassinatos em Cerrito e Canguçu.
Em janeiro de 1857, parte do bando será presa no Mingote, em Herval. São capturados três brasileiros e oito uruguaios, todos aparentemente associados ao bando do Concilliador. Há uma espécie de recuo ou recrudescimento da quadrilha e apenas boatos são registrados na região até pelo menos o ano seguinte.
Em 1858, entretanto, a fama do Concilliador retorna e com força. Assassinatos frios, roubos em fazendas e estâncias, ataques a viajantes e tropeiros, intimidações a autoridades e testemunhas. De fato, o bando é célebre por sua crueldade. Há relatos de tortura e o uso do famigerado método do "enforcamento lento" - sistema em que o supliciado é enforcado de tal modo, que sua morte não acontece de imediato, pois a força da corda embora pressione o pescoço de modo violento, não é suficiente para fazê-lo sem que o corpo humano ainda passe vários minutos se debatendo, como um reflexo fisiológico natural. Isto é, o enforcamento acontece de modo devagar, causando dor extrema na vítima, devido a um processo angustiante de asfixia. O bando teria usado este método diversas vezes, porém a ocasião de maior repercussão se deu quando atacaram o criador Manoel Lisboa, no interior de Herval. Além do infeliz, tiveram a mesma execução três escravos da propriedade.
Outro crime de grande ressonância acontecerá no ano seguinte: a morte do uruguaio Maximiano. No trágico evento, Maximiano estava em viagem com sua noiva, a órfã Maria da Conceição Tavares, brasileira de 15 anos. Após o assassinato, em que os bandidos fizeram questão de mostrar o punhal ainda tinto de sangue à jovem, o bando ocupou-se de estuprar coletivamente a desafortunada. Mais um ataque de grande repercussão no mesmo período: o assalto, sequestro e morte do sexagenário José Ignacio da Silva Porciuncula. O relato da época é terrificante: ... o infeliz velho, é bárbara, atroz e horrivelmente apunhalado, e completamente roubado. A' tal ponto chegou o canibalismo dessas fêras, que arrastando o corpo da victima para baixo d'uma árvore e ahi mesmo se banqueteam n'um chão coalhado de sangue e coberto com os instestinos do desgraçado velho.
Curiosamente, o bando é visto novamente em direção ao Uruguay, associando-se ao afamado "Paraguay" na República Oriental. Talvez algo que se perdeu no tempo, explique o fato dos dois bandos passarem a agir juntos próximos a Pelotas. Supostamente, a riqueza das charqueadas e da cidade. Porém daí, começa o início da derrocada do bando.
Em maio de 1859, uma parte do temível grupo vai ser impiedosamente desbaratada e morta nas proximidades da área urbana de Canguçu, numa patrulha conjunta formada de forças policiais e fazendeiros da região. Um dos presos na emboscada será Rodrigo Mattoso - uma espécie de lugar-tenente do Concilliador. Em junho, no Monte Bonito, em Pelotas, uma força de 25 homens comandados pelo arguto Tenente Julião José Tavares, promove um grande revés a outra parte do bando, com muitas morte dos bandidos. O Tenente Julião, oficial da Guarda Nacional em Pelotas, será um personagem de destaque no combate ao Concilliador. Em setembro, adentrando as matas do Povo Novo, já no município de Rio Grande, a diligência comandada pelo intrépido tenente captura finalmente o Concilliador. Porfírio Gonçalves de Sousa estava finalmente preso e é conduzido em triunfo até a cadeia de Pelotas, sendo exibido pelas ruas da urbe. Mais tarde, o destacamento de Caçapava do Sul aprisiona o restante dos bandoleiros.
Vale dizer que, esses grupos de bandoleiros no Rio Grande do Sul durante o século XIX, principalmente na região da Fronteira e Campanha (mas bem da verdade, em todo o território provincial) foram muito comuns. Era um ambiente marcado por muita violência no campo. Isso seria um dos fatores que explicariam a cultura belicista presente no meio rural gaúcho, em que, até pouco tempo atrás era costumeiro o uso das armas de fogo com o propósito de defesa. A parte isso, o que queremos dizer, dentre esses vários bandos de salteadores, alguns acabaram ganhando notoriedade, justamente pela duração e área de atuação que conseguiram obter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário