domingo, 28 de janeiro de 2018

Imigração no Oeste Paulista


"A designação de Oeste, quando se trata dessa etapa histórica da cafeicultura, tem como referência notória o Vale do Paraíba. Observando o mapa da Província (depois Estado) verificamos que a lavoura que se expande a partir de Campinas se localiza na verdade na região Leste, orientando-se a seguir no sentido Norte. Ou seja, o Oeste histórico corresponde, grosso modo, ao Leste e Nordeste geográfico. Da mesma forma, o Vale do Paraíba, localizado no Sudeste, era chamado de Norte, também em função do direcionamento do café, em marcha progressiva no sentido Sul, a partir da Província do Rio de Janeiro, para depois contornar para o Oeste.

São extremamente abundantes as evidências de uma discrepância do Oeste com respeito a um modelo rigorosamente escravista, decorrente de fatores diversos que, inclusive, aliaram os fazendeiros dessa área a um incipiente processo de urbanização nas fímbrias da lavoura.

Isso, é claro, não interferia no processo de estruturação do quadro de trabalho da própria lavoura, essencialmente escravista. Sem dúvida, tendo iniciado sua expansão depois da extinção do tráfico - portanto numa etapa já adversa à especulação em escravos - a lavoura do Oeste passa a desenvolver uma tendência a reservar o braço escravo para as funções essenciais, empregando o trabalho nacional livre nas tarefas supletivas ou perigosas. Igualmente, multiplicam-se as tentativas para introduzir colonos europeus, o pagamento de cujas passagens era adiantado pelos fazendeiros. Colocados, porém, em fazendas já organizadas em base escravista, onde recebiam uma remuneração pautada pela rentabilidade do trabalho escravo, originavam-se freqüentes conflitos entre proprietários e colonos, que tornavam desvantajoso o sistema.

Em vista disso, a nova lavoura passa a insistir numa solução que lhe permitisse ao mesmo tempo poupar o investimento em escravos e garantir-se um braço barato: a entrada do trabalho semi-servil de cules (coolies, trabalhadores indianos e chineses) à custa dos cofres públicos.

Mas, enquanto fracassam essas tentativas, prossegue no Oeste, o sistemático suprimento de braço escravo, vindo de outras províncias. Por isso, durante a passagem da lei emancipadora de 1871, que encontra a oposição generalizada da lavoura de todo o país, é exponencial a resistência do Centro-Sul, em geral e especialmente do Oeste paulista.

Uma vez promulgada a Lei do Ventre Livre, porém, tendo sido o próprio investimento servil ferido pela depreciação, começam a se esboçar tentativas para dificultar a corrente de tráfico interprovincial, ao mesmo tempo que a administração passa a promover um programa de auxílio à introdução de imigrantes.

A abertura de uma terceira frente cafeeira provoca uma substancial mudança qualitativa na situação, conduzindo ao rompimento dos quadros restritos dessa política imigrantista. Com efeito, a lavoura mais nova do Oeste da Província de São Paulo, desenvolvida depois da lei de 1871 (quando decresce o interesse pelo investimento em escravos), tendia a se organizar na base do trabalho imigrante, e se voltava para as possibilidade propiciadas pelo surto imigratório italiano.

O colono, até então localizado supletivamente em lavouras já constituídas, passaria a ser empregado no cafezal em formação, vendo o seu salário acrescido com o usufruto das terras intercafeeiras. A introdução de imigrantes em famílias permitiria ao fazendeiro obter um suprimento de trabalho suplementar barato, fornecido pelos membros femininos e infantis, enquanto ao colono se tornava possível, através da cooperação da unidade familiar, um melhor aproveitamento das oportunidades de ganho.

Para o sistema funcionar a contento era, entretanto, necessário respeitar a mobilidade do colono, seja entre as fazendas, seja na direção dos núcleos urbanos. Esse fator, obrigando a uma contínua introdução de novos imigrantes, tornaria impraticável o esquema no caso do financiamento das passagens continuar cabendo aos fazendeiros. Além disso, a transferência dessa despesa para os cofres públicos devia influir favoravelmente sobre a oferta de braços, uma vez que o imigrante estaria liberto da necessidade de reembolsar o preço da passagem, vendo acrescida, portanto, a sua remuneração.

Com o sistema do imigrantismo em grande escala, subvencionado pelos cofres públicos, alterava-se radicalmente o enfoque corrente da matéria. Enquanto as administrações provincial e nacional encaravam o problema em termos de uma concessão de auxílios pecuniários aos fazendeiros para a introdução de colonos, a nova lavoura, ao invés, passava a interpretar a imigração subvencionada como alicerce de um abundante mercado de trabalho estrangeiro, que caberia aos poderes públicos proporcionar.

É à área responsável por essa proposta (área essa correspondente à Alta Mogiana), e cujo porta-voz era o líder imigrantista Martinho Prado Júnior, que chamamos de Oeste novo.

Em carta de outubro de 1877, registra Martinho Prado Júnior seu entusiasmo por São Simão e Ribeirão Preto. À vista da terra roxa, exclama: 'Campinas, Limeira, Rio Claro, Araras, Descalvado, Casa Branca, tudo é pequeno, raquítico, insignificante, diante desse incomparável colosso'.

E, de fato, a região constitui-se em novo centro de atração, a ela afluindo, além de fazendeiros de outros pontos da Província, grande número de proprietários provenientes de Minas Gerais. O distrito que Martinho Prado Júnior representa na Assembléia Legislativa Provincial, em 1882, inclui Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca, Ribeirão Preto, São Simão, Cajuru, Batatais, Franca. Casa Branca seria uma espécie de limite entre o Oeste antigo (Campinas, Limeira, Rio Claro, etc.) e o Oeste mais novo, o primeiro centrado em Campinas e o segundo em Ribeirão Preto.

Com os dois Oestes e mais o Vales, configura-se perfeitamente na Província uma constelação constituída de três áreas sócio-econômicas nitidamente distintas."

Fonte: BEIGUELMANN, Paula. A crise do escravismo e a grande imigração. São Paulo: Brasiliense, 3a.ed., 1982, p. 07-11. (Coleção Tudo é História)


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