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segunda-feira, 8 de maio de 2017

Negro Miguel e os Bandoleiros do Cerro das Almas

Fonte: Diário de Notícias, 09 de julho de 1958, pág. 10
Negro Miguel foi um salteador que marcou época no Capão do Leão na década de 1950, por seus roubos e fugas espetaculares na zona rural do município, líder da trupe criminosa que ficou outrora conhecida como Os Bandoleiros do Cerro das Almas. Sua fama se tornou lendária na memória dos moradores mais antigos da região e sua saga de delinquências repercutiu na imprensa da época, chegando mesmo a estampar as páginas de importantes jornais da capital.
                Negro Miguel, cujo nome de batismo era Miguel Garcia, filho de uma lavadeira e de um trabalhador rural (que não eram casados), nasceu em 1927 na fazenda São Carlos no distrito do Pavão. Teve outros irmãos, mas aparentemente nem todos eram do mesmo pai. Na juventude, chegou a trabalhar em lavouras de arroz com um senhor chamado Donga Caldeira. Nestas empreitadas, em que se prestava serviço de uma fazenda à outra na mesma temporada, Miguel começou a praticar pequenos roubos, quase sempre para comer, furtando galinhas e gêneros alimentícios. Com o tempo, a fama de ladrãozinho se espalhou nas circunvizinhanças e muitos donos de sítios e chácaras evitavam contratar Miguel para qualquer serviço. A partir daí, Miguel passou a realizar crimes mais ousados como abigeatos e roubo a residências rurais.
                Em 1949, foi preso pela primeira vez pela polícia local e levado à Vila do Capão do Leão, onde segundo suas próprias memórias foi espancado e torturado, o que lhe arraigou um profundo ódio a qualquer policial a partir de então. Contudo, ainda esteve solto por alguns anos e se amancebou com uma moça de nome Delmira, filha de um senhor chamado José que possuía um rancho no Cerro das Almas. Deste relacionamento, provavelmente teve uma filha.
Todavia, a vida familiar não impediu que Miguel seguisse com seus crimes que, segundo relatos da época, passaram a acontecer também na Vila do Capão do Leão. Várias vezes foi apanhado, mas solto por falta de provas ou após receber um corretivo (surra). Por volta de 1954, incidiu a agir com alguns comparsas vivendo de forma nômade, onde começou a se criar o primeiro boato sobre os famigerados Bandoleiros do Cerro das Almas ou Bandoleiros do Cerro do Gerivá (alusão a um dos cerros da região em que os criminosos se abrigavam). Em 1955, foi capturado por um peão de uma estância no Passo das Pedras quando tentava roubar objetos de um galpão e entregue às autoridades. Julgado logo em seguida por uma série de crimes (alguns dos quais não havia cometido, mas curiosamente não fazia questão de negá-los), Miguel foi condenado a permanecer recluso durante quatro anos na Colônia Penal Agrícola em São Jerônimo. Porém, fugiu de lá cerca de um ano depois e seu retorno marcou a época de maior atividade de Miguel e de seu bando. Destacava-se no grupo de bandidos um cúmplice de apelido Castelhano (Mário Torres González, uruguaio), ao que parece mais esperto e engenhoso que o próprio Miguel e mais outros quatro comparsas, dentre eles Lalinho (Eulálio Celestino Nunes), Camilinho (Camilo Bento Cardoso) e Juvenal (Juvenal da Silva Pereira) e mais um jovem ruivo conhecido como Melenudo (cujo nome real não foi conhecido). Não é possível afirmar até que ponto constituíam realmente uma quadrilha organizada ou agiam em conjunto somente por ocasião. Consta nos inquéritos policiais que havia muita rivalidade entre eles e que muitas vezes boicotavam um ao outro, além de agirem por conta própria em alguns crimes. Aliás, um deles, um tal de Marques (provavelmente um comparsa da época do início do bando), teria sido morto numa contenda entre eles.
                Em 1958, a prioridade da polícia leonense era prender Miguel e seu bando custe o que custasse. A fama dos criminosos se estendeu nos dois últimos anos e aterrorizava a população. Em março, houve violento tiroteio entre os bandidos e uma patrulha policial conjunta da Brigada Militar e Polícia Civil formada por cerca de 20 homens no chamado Cerro do Lombilho, cujas furnas de pedra eram usadas como esconderijos pelos bandidos. Na ocasião, o capitão da BM Armando Brião esteve na mira fatal do revólver de Miguel Garcia, que de modo surpreendente, poupou-lhe a vida, embrenhando-se no meio da vegetação. O delegado Athos Luiz Guedes da Polícia Civil também escapou de ser morto por Melenudo, que somente não conseguira efetuar o disparo por ter escorregado numa pedra úmida.
                Logo em seguida, no fim daquele mês, dois bandoleiros (Lalinho e Camilinho) foram presos na Vila Freire (atual município de Cerrito) pelo subdelegado da localidade Pedro da Vara, após assaltarem três casas comerciais e se esconderam num depósito de trigo. Juvenal que conseguira fugir com metade do roubo, morreu tragicamente (exaustão e hipotermia) ao tentar cruzar o canal São Gonçalo a nado, no inverno daquele ano, após ser expulso a tiros por peões de uma estância em Santa Isabel, no município de Arroio Grande.
                Já o dito Castelhano foi capturado pela polícia numa tentativa malograda de roubo a uma casa na colônia Santa Áurea, no interior de Pelotas, cerca de poucos dias depois.
Em maio, Miguel cometeria seu mais bárbaro crime: o frio assassinato de Felício Rodrigues da Silva, de 62 anos, que tinha o apelido de Feliz. Nos inquéritos, Miguel declarou que sangrara Felício porque ele era pecador. A opinião de Miguel sobre o desafeto tinha motivo sustentado pelo comportamento dúbio do próprio Felício. Felício teria participado de algumas atividades criminosas do bando de Miguel, inclusive frequentado várias vezes o acampamento dos salteadores. Apesar disso, Felício tinha um rancho próprio na região e agia como homem de bem perante os vizinhos – acusação sustentada pelo próprio Miguel. Para uns, Miguel vingara-se de Felício por este ter indicado às patrulhas que estavam em seu encalço o esconderijo do bandoleiro. No entanto, em seu depoimento Miguel citou motivações particulares para matar Felício, dentre elas o fato de alegar que o infeliz chegou até a inventar que eu tinha cortado umas crianças lá para as bandas de Herval... Mas como eu cortar inocentes? Em criança e em paisano eu não atiro nem corto. A crueldade do assassinato de Felício reside no fato que o mesmo foi atado a uma corda (na outra ponta atada à égua rosilha de Miguel) e arrastado por cerca de uma hora rumo a um cerro da região, onde foi morto a facadas. Felício morreu agonizando com muita perda de sangue, enquanto Miguel ao lado do corpo assistia o suplício do infeliz, que durou cerca de vinte minutos. Depois, o cadáver foi coberto com ramagens pelo algoz.
                Miguel Garcia foi finalmente capturado na tarde do dia 07 de Julho de 1958, quando foi avistado caminhando pela Estrada do Cerro das Almas por dois homens a cavalo que imediatamente se puseram em sua perseguição. Ao fugir, Miguel tentou cruzar uma sanga, molhando sua arma e munição, tornando-o assim indefeso à investida dos dois homens, que logo foram auxiliados por outros moradores da região que o renderam completamente. Conduzido pelo capitão Armando Brião ao subdestacamento da polícia na Vila de Capão do Leão, foi interrogado e revelou o paradeiro do cadáver de Felício e o esconderijo onde guardava os frutos de seus roubos. Entre os objetos furtados, foram encontrados desde objetos de uso comum da vida campeira, como facas e apetrechos de selaria, até alguns mais sofisticados como três acordeons, um porta-joias de ouro e um gramofone. Mais tarde Miguel seria levado para Pelotas e conduzido à cadeia municipal. Quando capturado, Miguel Garcia apresentava um profundo ferimento no pescoço que fora causado por ele próprio com uma faca durante uma noite em que teve um pesadelo. A ferida era horrível e exala um mau cheiro característico pela presença de bernes de moscas.
                No início de 1959, um pouco antes de sua sentença ser pronunciada pela Justiça local, Miguel conseguiu novamente escapar da prisão. Em 01 de março daquele ano, Miguel Garcia foi morto em um tiroteio com a polícia em Tupanciretã, na região central do estado. De seu bando, o único que sobrou foi Melenudo – jamais identificado com segurança, por isso sem saber-se de seu destino posterior.

Desde então, a história de Miguel Garcia passou à categoria de lenda no local e muitas de suas façanhas (reais e fictícias) são contadas ainda hoje em dia pelos mais velhos em Capão do Leão. 

Atualização em 25 de maio de 2007: De acordo com a colaboradora Carolina Blaz, temos a seguinte contribuição: 
. A minha avó conta que um dos homens que laçou ele e entregou pra Polícia foi o Miguel pé queimado(miguel Antunes) ele viu o Miguel quando saiu do cerro pra pegar comida na venda da granja e rondou quando ele ia se atirar da taipa de um açude pra fugir deles ele (Miguel Antunes) conseguiu laçar ele e entregar só Brião.

Muito obrigado!