(...) dia a dia se aumentam os roubos, incêndios, assassinatos perpetrados pelos quilombolas, que ousada e astuciosamente têm aterrado os pacíficos moradores da serra dos Tapes e feito abandonar casas e lavouras, tendo-se já perdido muitas colheitas de milho e feijão, que infalivelmente farão falta considerável no consumo da população desse município; e apesar das diligências de dois inspetores de quarteirão da dita Serra, mediante as ordens do respectivo juiz de paz, que tem mandado algumas partidas de gente armada a concluir com semelhantes salteadores, apenas se pode conseguir a tomadia de uma rapariga liberta, que os quilombolas haviam roubado de casa de seu pai, matando a este, nos Potreiros de São Lourenço; e de três escravas que haviam roubado de outras casas, ficando um dos ditos quilombolas morto nesse ataque, e os mais conseguiram escapar-se, entranhando-se pelos matos, talvez por não ser esta empresa determinada como devia: poucos dias depois, apareceram os mesmos quilombolas em alguns lugares, cometendo atentados, chegando a sua ousadia a virem, uma noite, perto desta vila, onde roubaram uma taberna e atacaram uma olaria, cujo capataz ficou gravemente ferido; e há cinco dias mataram um homem casado e com família; e feriram outro, que o acompanhava, isto a pouco mais de duas léguas de distância desta vila, ficando o morto na estrada com a cabeça separada do corpo. Por todos estes motivos, a Câmara, para animar as pessoas que em diferentes partidas andam na diligência de prenderem ou extinguir, na forma da lei, tais malévolos, tem prometido gratificar, com a quantia de quatrocentos mil-réis, a prisão ou extinção do chefe dos ditos quilombolas, Manoel Padeiro, e com duzentos mil-réis por cada um dos nove companheiros daquele facinoroso (...)
No mês seguinte, em 17 de agosto, a Câmara decidia, em poder dos fundos fornecidos pela presidência, e após haverem alcançado algumas vitórias sobre os quilombolas:
(...) aberta a sessão, às dez horas da manhã, depois de se haver conferenciado com o juiz de paz do terceiro distrito, Boaventura Inácio Barcellos, sobre as providências que se precisam dar para a extinção dos quilombos da serra dos Tapes, foi deliberado, por unanimidade de votos, que o dito juiz de paz determinaria haver efetivamente uma partida de sete homens e um comandante, na diligência de prenderem ou extinguirem, na forma da Lei, os ditos criminosos quilombolas, vencendo diariamente o comandante 1280 réis, e os camaradas 640 réis cada um, além da gratificação que terá a partida para prender ou extinguir os quilombolas, a saber, pela cabeça dos ditos malfeitores, Manoel Padeiro 400$000 réis, e de cada um dos seis companheiros do dito cabeça, 100$000 réis; que finalmente, se ordenasse ao procurador desta câmara a entrega de quantia de 300$00 réis ao referido juiz de paz, para as despesas da dita partida, dando ele conta final para se fazerem os competentes assentos.
Em meados de setembro de 1835, na serra dos Tapes, o quilombola Mariano, após se ter dispersado de seus seis companheiros devido à perseguição de tropas policiais, dirigiu-se a um ponto de reencontro, determinado por Manoel Padeiro, general do quilombo. Desarmado e faminto, Mariano pediu ajuda a Luiz, trabalhador escravizado da chácara do comendador Bernardino Rodrigues Barcellos. O companheiro de infortúnio deu-lhe de comer e convidou-o, devido ao frio e à chuva, a se refugiar em uma casa do engenho.
Sobre a cabeça de Mariano pesavam 100 mil-réis de prêmio. O crioulo, natural de Santa Catarina, com uns 25 anos, foi preso em um quarto do engenho, pelo seu suposto protetor. Enviado imediatamente para Pelotas, Mariano foi julgado no início de dezembro, junto com Simão Vergara, africano forro, vendeiro, acusado de vender pólvora aos calhambolas. No processo de Mariano e de Simão, encontram-se anexados os interrogatórios de quatro cativas e uma adolescente livre sequestradas pelos quilombolas. Essa documentação fornece uma rica informação sobre o quilombo que agoniou os senhores pelotenses.
O quilombo de Manoel Padeiro teria sido formado no segundo semestre de 1834. Como vimos, em 10 de outubro a Câmara registrava que os 'quilombolas' estariam cometendo 'atentados na serra'. Segundo o processo, Manoel Padeiro vivera fugido anteriormente na região em companhia da preta Marcelina, que morrera de morte natural e fora enterrada em um dos diversos ranchos em que se refugiavam os quilombolas.
É crível que Manoel Padeiro, recapturado, tivesse escapado novamente, sozinho ou acompanhado. Dos doze fujões que formaram o núcleo central do quilombo, quatro eram cativos do senhor de Manoel Padeiro - o rico comendador Boaventura Rodrigues Barcellos. A documentação revela também que eram íntimos e constantes os contatos dos quilombolas com a escravaria daquele senhor. Foi precisamente a um cativo do comendador que o malogrado Mariano recorreu, quando se encontrou em dificuldades.
Não sabemos exatamente quando e como os quilombolas se reuniram. O certo é que, nos primeiros dias de abril de 1835, sob a indiscutível autoridade do Padeiro, o bando passou a assaltar chácaras da serra dos Tapes. Os ataques só teriam terminado, meses mais tarde, em fins de 1835, com o debilitamento dos quilombolas devido a mortes e capturas. A documentação registra o primeiro ataque, à casa de Jerônimo Lopes Garcia, por doze quilombolas, provavelmente em inícios de abril de 1835. Do grupo participavam Manoel Padeiro, general do quilombo, João, juiz de paz; Alexandre Moçambique, capitão; pai Mateus; Mariano Crioulo; Antônio Mulato; Antônio Cabinda ou Cabunda; pai Francisco, congo; Francisco Moçambique; João, cozinheiro e africano; e a mulata Rosa. O cativo Manoel, africano, também do comendador Barcellos, foi preso em uma estrada e teve sua morte pedida por Mariano e negada por Manoel Padeiro. A seguir, incorporou-se aos quilombolas. Não foi possível elucidar o sentido dos títulos juiz de paz e capitão."
Fonte: MAESTRI, Mário. Pampa negro: quilombos no Rio Grande do Sul. In: REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 349-352.
No mês seguinte, em 17 de agosto, a Câmara decidia, em poder dos fundos fornecidos pela presidência, e após haverem alcançado algumas vitórias sobre os quilombolas:
(...) aberta a sessão, às dez horas da manhã, depois de se haver conferenciado com o juiz de paz do terceiro distrito, Boaventura Inácio Barcellos, sobre as providências que se precisam dar para a extinção dos quilombos da serra dos Tapes, foi deliberado, por unanimidade de votos, que o dito juiz de paz determinaria haver efetivamente uma partida de sete homens e um comandante, na diligência de prenderem ou extinguirem, na forma da Lei, os ditos criminosos quilombolas, vencendo diariamente o comandante 1280 réis, e os camaradas 640 réis cada um, além da gratificação que terá a partida para prender ou extinguir os quilombolas, a saber, pela cabeça dos ditos malfeitores, Manoel Padeiro 400$000 réis, e de cada um dos seis companheiros do dito cabeça, 100$000 réis; que finalmente, se ordenasse ao procurador desta câmara a entrega de quantia de 300$00 réis ao referido juiz de paz, para as despesas da dita partida, dando ele conta final para se fazerem os competentes assentos.
Em meados de setembro de 1835, na serra dos Tapes, o quilombola Mariano, após se ter dispersado de seus seis companheiros devido à perseguição de tropas policiais, dirigiu-se a um ponto de reencontro, determinado por Manoel Padeiro, general do quilombo. Desarmado e faminto, Mariano pediu ajuda a Luiz, trabalhador escravizado da chácara do comendador Bernardino Rodrigues Barcellos. O companheiro de infortúnio deu-lhe de comer e convidou-o, devido ao frio e à chuva, a se refugiar em uma casa do engenho.
Sobre a cabeça de Mariano pesavam 100 mil-réis de prêmio. O crioulo, natural de Santa Catarina, com uns 25 anos, foi preso em um quarto do engenho, pelo seu suposto protetor. Enviado imediatamente para Pelotas, Mariano foi julgado no início de dezembro, junto com Simão Vergara, africano forro, vendeiro, acusado de vender pólvora aos calhambolas. No processo de Mariano e de Simão, encontram-se anexados os interrogatórios de quatro cativas e uma adolescente livre sequestradas pelos quilombolas. Essa documentação fornece uma rica informação sobre o quilombo que agoniou os senhores pelotenses.
O quilombo de Manoel Padeiro teria sido formado no segundo semestre de 1834. Como vimos, em 10 de outubro a Câmara registrava que os 'quilombolas' estariam cometendo 'atentados na serra'. Segundo o processo, Manoel Padeiro vivera fugido anteriormente na região em companhia da preta Marcelina, que morrera de morte natural e fora enterrada em um dos diversos ranchos em que se refugiavam os quilombolas.
É crível que Manoel Padeiro, recapturado, tivesse escapado novamente, sozinho ou acompanhado. Dos doze fujões que formaram o núcleo central do quilombo, quatro eram cativos do senhor de Manoel Padeiro - o rico comendador Boaventura Rodrigues Barcellos. A documentação revela também que eram íntimos e constantes os contatos dos quilombolas com a escravaria daquele senhor. Foi precisamente a um cativo do comendador que o malogrado Mariano recorreu, quando se encontrou em dificuldades.
Não sabemos exatamente quando e como os quilombolas se reuniram. O certo é que, nos primeiros dias de abril de 1835, sob a indiscutível autoridade do Padeiro, o bando passou a assaltar chácaras da serra dos Tapes. Os ataques só teriam terminado, meses mais tarde, em fins de 1835, com o debilitamento dos quilombolas devido a mortes e capturas. A documentação registra o primeiro ataque, à casa de Jerônimo Lopes Garcia, por doze quilombolas, provavelmente em inícios de abril de 1835. Do grupo participavam Manoel Padeiro, general do quilombo, João, juiz de paz; Alexandre Moçambique, capitão; pai Mateus; Mariano Crioulo; Antônio Mulato; Antônio Cabinda ou Cabunda; pai Francisco, congo; Francisco Moçambique; João, cozinheiro e africano; e a mulata Rosa. O cativo Manoel, africano, também do comendador Barcellos, foi preso em uma estrada e teve sua morte pedida por Mariano e negada por Manoel Padeiro. A seguir, incorporou-se aos quilombolas. Não foi possível elucidar o sentido dos títulos juiz de paz e capitão."
Fonte: MAESTRI, Mário. Pampa negro: quilombos no Rio Grande do Sul. In: REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 349-352.
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