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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Imigração Árabe no Brasil - Parte 02


"O sucesso mais ostensivo, porém, estava localizado na indústria, principalmente nas duas primeiras décadas do Século XX, quando deslanchou o processo de substituição das importações através da industrialização do País. Um caso significativo é o da família Jafet. Nami Jafet imigrou em 1893 já com a idade de 33 anos. Era formado pela Universidade Americana de Beirute, tendo trabalhado por dez anos como professor. Publicou em 1886 um livro sobre matemática. A saída do Líbano deveu-se a uma discussão filosófica e religiosa sobre a tese darwinista da evolução das espécies. Com todos esses predicados, percebe-se que Nami Jafet não era um imigrante comum, embora Truzzi afirme que os irmãos não tinham o mesmo nível intelectual, e por isso foram trabalhar na mascateação. Em 1897, abriu uma firma comercial que estava sediada, em 1903, na rua Florêncio de Abreu, tradicional rua atacadista da área central de São Paulo. A fábrica de tecidos, a Fiação, Tecelagem e Estamparia Jafet S.A., foi instalada em 1907. Ao contrário dos industriais italianos como Matarazzo, Crespi ou Sicialino, Jafet construiu sua mansão nas proximidades da fábrica, no bairro do Ipiranga, sendo seguido pelos irmãos, desviando-se do padrão de nobilitação que tinha erigido a avenida Paulista como signo do poder. Os tecidos fabricados, o morim 'Beirute', a chita 'Sultão', e o xadrezinho 'Jafet' faziam sucesso nas mãos dos mascates sírios e libaneses pelo interior. Com a Primeira Guerra Mundial a fortuna da família Jafet multiplicou-se pois, como tinha estocado uma boa quantidade de anilinas importadas da Alemanha, a eclosão do conflito permitiu-lhe trabalhar com boa folga de custos enquanto a concorrência era obrigada a procurar novos fornecedores ou vender seus produtos por preço mais caro. Foi fundador da Igreja Cristã Ortodoxa, chefe do Senado Religioso, presidente da Associação dos Ex-Alunos da Universidade Americana residentes no Brasil, e um dos grandes propugnadores da Grande Síria, isto é, a união do Líbano com a Síria.

A origem religiosa e regional dos imigrantes teve grande influência na estruturação da rede de associações comerciais, religiosas, culturais e beneficentes. Mesmo com o crescente poderio econômico dos seus membros, as divisões religiosas e regionais impediram a constituição de uma Câmara de Comércio, como era praxe entre as demais  colônias. Nami Jafet, em 1913, tinha liderado uma Câmara Síria de Comércio, mas aparentemente fracassou no seu intento. Até a década de 50 não apareceu nenhuma agremiação e logo que se estabeleceu uma Câmara de Comércio Árabe no Brasil, Jorge Safady (1972) assinalou que ela passou a se chamar Câmara de Comércio Sírio-Libanesa Brasileira, para se subdividir em uma Câmara Síria e outra LIbanesa.

Em São Paulo, desde 1890, a comunidade maronita vem realizando suas celebrações litúrgicas. A primeira igreja foi erguida no Parque D. Pedro, nas proximidades da rua 25 de Março, tendo sido destruída nas obras de reurbanização do local. Em 1897, já se haviam instalado no País as Igrejas Ortodoxa e Melquita. A corrente muçulmana sempre foi minoritária. O Censo Populacional de 1940 indicou 3053 muçulmanos, sendo que desses, 1393 estavam em São Paulo e 767 no Rio de Janeiro. Uma Sociedade Beneficente Muçulmana lançou na década de 30 as bases para a construção de uma mesquita na avenida do Estado, sendo que em 1942 foi lançada a pedra fundamental.

O movimento associativo expandiu-se depois de 1903. Nesse ano foram identificadas quatro associações em São Paulo e três no Rio. São citadas a Sociedade São Nicolau, Irmandade Maronita e Sociedade Patriótica Homciense, ligada à aldeia de Homs. Esses números foram se multiplicando até atingirem a cifra de 121 entidades, apenas na capital de São Paulo, e outras 60 no interior do estado. A fonte de identidade era religiosa e de região natal e não nacional. Tal fato levou Knowlton a escrever que, na década de 50, a 'colônia sírio-libanesa, em geral, está de tal forma dividida por diferenças religiosas e econômicas, rivalidades de famílias e de região e ciúmes pessoais, que não foi possível organizar uma sociedade que representasse a colônia toda'. As diferenças afloraram também nas associações esportivas ou beneficentes. Quando da fundação do Esporte Clube Sírio, em 1907, os libaneses tentaram colocar o nome do país. Na impossibilidade, fundaram o Clube Atlético Monte Líbano. O Hospital Sírio-Libanês começou como Hospital Sírio. Contudo as diferenças entre os grupos étnicos fez com que os sírios se retirassem da Sociedade Beneficente de Damas Pró-Hospital Sírio-Libanês, partindo para a fundação do Hospital do Tórax, atual Hospital do Coração.

Em outros campos as diferenças também se fizeram presentes. Entre 1895 e 1971, foram publicados cerca de 160 periódicos dirigidos à colônia. Em 1941, ano em que o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP proibiu a circulação de qualquer publicação em língua estrangeira, foram suspensos dois diários, quatro jornais que eram publicados duas vezes por semana, um semanário, quatro quinzenários e quatro mensários. Não se sabe o número dos que voltaram a ser publicados em português. Em 1971, havia em São Paulo um jornal publicado duas vezes por semana, três semanários e três mensários. Dentro destes números, Truzzi destacou a perda de importância cultural e informativa dos periódicos, muitos deles dedicados a retratar periódicos, muitos deles dedicados a retratar acontecimentos sociais e mundanos. Uma livraria especializada estava aberta em 1902, Jorge Safady destacou a existência de 14 tipografias especializadas em 1971.

A escolaridade sempre foi incentivada entre os sírios e libaneses, sendo que em 1897 já havia uma Escola Sírio-Francesa (Maronita) em São Paulo. Nos anos seguintes foram fundados na capital paulista o Ginásio Oriental (1912), o Colégio Sírio-Brasileiro (1917), o Colégio Moderno Sírio (1919) e o Liceu São Miguel (1922). No Rio de Janeiro, a Escola Cedro do Líbano (1935); e em Campos, a Escola Árabe. Quanto aos níveis de escolaridade superior, Truzzi diz que embora numericamente inferiores, os árabes conseguiram atingir percentuais próximos aos das colônias mais numerosas nos campos das profissões liberais como advocacia, medicina e engenharia (entre 1884 e 1943 os turco-árabes representavam 2,5% do total dos imigrantes no Brasil contra 33,7% dos italianos, 29,2% dos portugueses e 13,9% dos espanhóis). O investimento familiar na escolaridade agia tanto sobre os homens quanto sobre as mulheres. A diferenciação surgia no ensino superior. Enquanto os homens eram privilegiados, relatando-se casos de família em que o sacrifício para a formação de 'doutores' foi muito grande, as mulheres eram instadas a não se profissionalizarem, limitando-se na maioria dos casos à obtenção do diploma.

A imigração árabe vem decaindo desde os anos 20. Embora não tenha havido censo demográfico em 1930, os dados para as décadas seguintes mostram como o Brasil perdeu atração para outros países como o Canadá e os Estados Unidos, tradicional destinatário da corrente migratória árabe.

Nas últimas décadas, a contribuição cultural dos árabes tem sido mais lembrada pela culinária, embora haja outros campos em que sua presença tem sido marcante. O aumento das cadeias de fast-food nos grandes centros urbanos aproximou a população do quibe, da esfinha, do tabule e da coalhada seca, antes circunscritos aos restaurantes típicos. A popularização, sobretudo do quibe e da esfiha, fez com que fossem incorporados a outros locais de alimentação, como as tradicionais pastelarias chinesas, e mesmo bares e padarias de portugueses e brasileiros.

A inserção dos imigrantes árabes na política guarda algumas características particulares. Segundo Oswaldo Truzzi, estudando o caso de São Paulo, ela é recente, tendo começado depois do Estado Novo (1937-45), centrada em membros da colônia pertencentes às camadas médias ou à elite econômica, com expressiva participação de candidatos com carreiras iniciadas em cidades do interior e uma representação parlamentar ou em cargos dirigentes numericamente superior ao conjunto dos imigrantes e descendentes, fenômeno que se repetiu em outros estados da federação, levando a um sobre-representação da colônia. Com essas características não é de se estranhar que nos vários níveis legislativos os árabes e seus descendentes tenham localizado a sua base parlamentar em partidos conservadores ou ligados ao populismo. Tendo começado pelas mãos de políticos como Adhemar de Barros, Getúlio Vargas ou Jânio Quadros, e em períodos mais recentes através da Arena ou do PDS, os representantes de origem síria e libanesa contaram com nomes como Emílio Carlos, Ibrahim Abi-Ackel ou Paulo Maluf. O último, inclusive, chegou a se candidatar a um cargo presidencial. Dentro das regras e das formas políticas praticadas no País trata-se de um fato excepcional, mas que ganha um certo sentido dentro da América Latina quando se observa os casos do ex-presidente Menen, na Argentina, ou de Fujimori, no Peru. Há poucos exemplos de atividade política em partidos de esquerda. No passado, pode-se lembrar de um Wilson Rahal, atuando pelo Partido Socialista Brasileiro, em São Paulo.

É preciso lembrar ainda que na literatura as contribuições dadas por Jamil Almansur Haddad (São Paulo, 1914), Mário Chamie (Cajobi, 1933), Raduan Nassar (Pindorama, 1935) e Milton Hatoum (Manaus, 1952), fazem parte do panorama cultural do País. No cinema brasileiro ficou famosa a filmagem do libanês Abrão Benjamin. Após dificultosas e delicadas gestões, conseguiu filmar o bando do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião. Encaminhado para censura no Departamento de Propaganda, no Rio de Janeiro, a iniciativa pioneira foi vista com desagrado, proibindo-se o filme, cujos fragmentos foram resgatados somente na década de 60. O fotógrafo Benjamin virou tema central de uma película recente sobre o cangaço, Baile perfumado. Outros nomes de destaque aparecidos nas décadas de 50 e 60 são o de Walter Hugo Khouri e Arnaldo Jabor. A Universidade é o local onde os nomes de origem sírio-libanesa têm se mostrado mais evidentes à educação citado acima. Profissionais nas áreas da Medicina, como Adib Jatene (Xapuri, Acre); no Direito, Alfredo Buzaid (Jaboticabal, 1914); na Filosofia, Marilena Chauí (São Paulo, 1941); na Sociologia, Aziz Simão (São Paulo); na Filologia, Antonio Houaiss (Rio de Janeiro, 1915-1999), entre tantos outros, indicam a notável contribuição das gerações crescidas com o País que os recebeu."

Fonte: MOTT, Maria Lúcia. Imigração Árabe: um certo oriente no Brasil. IN: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro/RJ: IBGE, 2007, pág. 187-193

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