São raros, já, hoje, entre nós, esses bandos errantes de ciganos que faziam pousada na Varzea e que espalhavam o panico entre a população. De vez em vez ainda apparecem alguns, mas desgarrados, sem que se saiba ao certo onde vivem, onde comem e onde dormem.
Apparecem por ahi, na febre do movimento urbano, como um grito a estrugir entre a mesmice rueira de todos os dias, com as suas vestes incoherentes e sua resignada immudicie.
Os homens carregam tachos ás costas. As mulheres tiram a buena dicha.
Aquelles teem uma expressão selvagem na physionomia queimada, estas teem sempre um encanto qualquer nas pupillas claras por onde passaram todas as paizagens da terra.
Envolve-os o mysterio e a lenda. Veem não se sabe de onde e vivem da pilhagem... Ouro, crianças, tudo roubam...
Por isso, á sua aproximação, fecham-se, medrosas, as portas, e nos interiores, as familias tremem de terror, imaginando as crueldades a que seria submettido o caçula da familia se as mãos rapaces e perversas desses homens tostados o arrebatassem...
E os ciganos - sem se preoccupar com a ideia atroz que delles fazem - seguem a sua vida errante, para novas paizagens, sob nóvos céos, ao impulso da sua alma bohemia e insatisfeita...
São raros, já, hoje, esses bandos excessivamente pittorescos que foram o terror das nossas familias e o encanto dos que por curiosidade iam vêl-os de perto...
Com elles e os carreteiros, vão-se dois clichés de Porto Alegre d'antanho...
E a Varzea, logar escolhido para estação de todos esses bandos nômades, será em breve, rasgada pela furia civilisadora...
Resta-nos, por emquanto, alguns ultimos carreteiros e os cavallinhos.
Mas, quer-nos parecer, não por muito tempo..."
Fonte: MÁSCARA (RS), 26 de Junho de 1920, ed. 04, pág. 09-10.
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