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quinta-feira, 20 de maio de 2010

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte V

A Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A.
Em 15 de Fevereiro de 1926, o Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, celebrou contrato de arrendamento das pedreiras de Capão do Leão e Monte Bonito, à Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A., com o fim de exploração de rochas para a Barra e o Porto de Rio Grande, porém também a produção de artigos de granito para calçamento e obras públicas.
A Compañia Americana de Construcciones y Pavimentos, S.A., era uma empresa com matriz em Buenos Aires, Argentina. Possuía pedreiras também neste país e no Uruguay. A companhia de origem norte-americana fazia parte de um conglomerado econômico com empreendimentos em vários países das Américas: a Pan-American Industrial Corporation, com sede em Nova York, E.U.A.
A Companhia Americana começou a se estabelecer na Pedreira do Capão do Leão a partir de abril de 1926, tendo permanecido até junho de 1939. Entretanto, já em 1937 as atividades são quase nulas, pois ocorrera um gradual sucateamento das instalações, benfeitorias e maquinário – aliás, o que motivou o Governo do Estado a novamente realizar a encampação da Pedreira. Antes disso, em 20 de Junho de 1935, já havia ocorrido a renovação do contrato do Estado com a companhia, contudo, como se percebe, sem lograr muito êxito.
As inovações trazidas pela companhia foram a construção do britador e uma máquina de cortar paralelepípedos, que demoraram certo tempo para começarem a funcionar[1]. Parte do maquinário foi substituída ou acrescentada. Houve reformas nas instalações, igualmente. A Usina, por exemplo, fora completamente destruída por um ciclone em 1934, sendo restaurada pela companhia, logo em seguida.[2]
A diversificação da produção foi outra marca deixada pela companhia. Se na época dos franceses, toda a produção se destinava às Obras dos Molhes da Barra e da construção do Porto Novo de Rio Grande, agora a Pedreira também tinha clientes externos, sobretudo repartições públicas e governos municipais, além de exportar material para os países do Prata.
A pedra britada de vários tipos e tamanhos passou a ser produzida em larga escala, bem como houve a exploração de argila pura e de argila misturada com cascalho, além de paralelepípedos e moirões.
O Porto e a Barra de Rio Grande permaneceram ainda como destino de cerca de 80% das remessas, sobretudo de moellons (grandes blocos de encaixe) e blocos diversos.  Passam a ser produzidas pedras especiais, que são lavradas com ferramentas próprias. Uma delas é a cobertina – que serviu para o revestimento do piso do Porto de Rio Grande. Constam como destinatários da produção da Pedreira: Buenos Aires, Montevidéu, Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, firmas construtoras, particulares, indústrias, igrejas, Marinha, Exército e serviços gerais de calçamento. Além de pedras e argila, pela linha férrea da Pedreira também é expedida madeira e carvão. Num registro de 01 de Junho de 1927, são citados “100 toras de guajuvira branca para Rio Grande”.
Entre 1926 e 1928, cerca de 16 famílias gregas chegam à Pedreira para serem empregadas em serviços de cantaria.
Ainda na época da Companhia Americana, a linha férrea original da Companhia Francesa sofre alterações, sendo que ele não irá mais diretamente a Rio Grande, mas se juntará à linha férrea Rio Grande – Cacequi. A junção das linhas será estabelecida na região do Parque Fragata. Somente em 1941, uma nova modificação situará a junção na zona do Teodósio.



[1] O projeto da Companhia Americana para a Pedreira era ousado, pois queria-se quadruplicar a produção. O que na verdade não logrou êxito devido a uma série de detalhes estruturais, técnicos e, inapelavelmente, financeiros.
[2] Podemos concluir que houve tantas reformas e modificações ao longo de um século na área da Pedreira, que as benfeitorias, instalações e moradias não são originais, porém algumas conservaram as mesmas características da época da Companhia Francesa.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte IV

Os Trabalhadores da Pedreira
Inicialmente, foi absorvida mão-de-obra local, visto que já naquela época o Capão do Leão possuía pedreiras em funcionamento, mesmo que de modo ainda artesanal.
Junto com a Companhia Francesa, vieram engenheiros e técnicos franceses. Porém, a Companhia trouxe consigo também trabalhadores europeus de várias nacionalidades, sobretudo italianos[1]. Para a seção ferroviária, entretanto, boa parte era belga – empregados da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Logo, a oferta de trabalho chamou a atenção de gente da região e de todo estado. Junto vieram estrangeiros que chegavam ao Brasil pelos portos de Pelotas e Rio Grande. A demanda de mão-de-obra foi tamanha que pessoas oriundas da agricultura e da pecuária, sem intimidade nenhuma com a pedra, se aventuraram no ofício[2].
Conforme foi aventado, foram encontradas as seguintes procedências dos trabalhadores da Pedreira: Brasil, França, Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, Itália, Rússia, Romênia, Hungria, Uruguay e Argentina. Os dois últimos países foram bastante fornecedores de mão-de-obra, especialmente porque possuíam uma tradição reconhecida em serviços de cantaria. A Companhia Francesa chegava a recrutar em seus lugares de origem canteiros para as pedreiras de Monte Bonito e Capão do Leão.
Embora a presença da Companhia Francesa tenha gerado um número expressivo de empregos no Capão do Leão, o quotidiano dos primeiros trabalhadores não era nada fácil...
Ocorreram inúmeros acidentes nos primeiros anos, sobretudo devido à segurança precária da época e à imperícia de alguns (lembre-se que muitos jamais tinham trabalhado em pedreiras). Houve também vários acidentes fatais como soterramentos, esmagamentos, desastres com dinamite, atropelamentos pelo trem e uso incorreto do maquinário, entre outros. Não por acaso, a criação do Cemitério Municipal Santa Tecla (parte velha) ocorrera em 1911.[3]
A jornada de trabalho era rigorosa, com dez a doze horas diárias de lide. No caso da seção ferroviária, trabalhava-se também até quase dez horas da noite. No auge da expedição de pedras para as Obras dos Molhes da Barra, a única folga semanal acontecia nos domingos à tarde.
Tanto no Monte Bonito, quanto no Capão do Leão, jovens eram empregados principalmente como auxiliares e carregadores de ferramentas[4]. Alguns tinham tenra idade como 11, 12 e 13 anos – algo que não era incomum naquele tempo.
Embora existissem médicos[5] e enfermeiros contratados pela Companhia, os trabalhadores acidentados não tinham nenhum tipo de assistência caso ficassem temporária ou definitivamente inválidos.

O Sindicato dos Canteiros
Devido ao trabalho exaustivo, às condições precárias de segurança e ao baixo ordenado, os trabalhadores da Pedreira não tardaram em protestar. Em 1911, ocorreu a 1ª. greve dos canteiros, que foi repelida pela autoridades locais (5º. Posto da Polícia Administrativa de Capão do Leão).
Com o apoio e influência da Liga Operária Pelotense e devido a presença de trabalhadores italianos, espanhóis e portugueses na Pedreira, foi criado, em 15 de Novembro de 1913, o Sindicato dos Canteiros e Trabalhadores em Pedreiras do Capão do Leão. A 1ª. reunião para criação do sindicato sucedeu-se no Largo da Estação Férrea do Capão do Leão (atual Praça João Gomes) e estiveram presentes cerca de 220 trabalhadores, dos quais cerca de 180 prontamente aderiram. Um mês e meio depois, o sindicato já contava com cerca de 250 filiados.
O Sindicato dos Canteiros seguia explicitamente a ideologia anarco-sindicalista, tendo sido filiado à Federação Operária do Rio Grande do Sul, à Federación Sudamericana de Picapedreros e à Associação Internacional dos Trabalhadores. Os líderes do sindicato participaram ativamente de congressos operários no Estado e fora. O Sindicato dos Canteiros mantinha articulações constantes com outras entidades congêneres.  Aliás, certa solidariedade de classe sempre marcou os canteiros em seu ofício. Em 1915, ao chegarem trabalhadores contratados em Tandil, Argentina, estes souberam que ocupariam as vagas de recentes demitidos por ocasião de uma greve, "e partiram no mesmo vapor que os trouxera".
Em 1918, após a eclosão da revolução bolchevique na Rússia, doze trabalhadores da Pedreira embarcaram no Porto de Pelotas em direção aquele país, muito possivelmente para lutarem pelo ideal operário[6]
Embora perseguido e reprimido, o Sindicato dos Canteiros subsistiu até o fim da presença da Companhia Francesa em Capão do Leão (1919). Isso porque não reuniu somente trabalhadores da Pedreira do Cerro do Estado, porém agregou com o tempo outros canteiros de diversas pedreiras no Capão do Leão. Também travou batalhas importantes na época da Companhia Americana (décadas de 1920 e 1930). Declarado ilegal como o Golpe do Estado Novo, em 1937, assim como todas as organizações sindicais brasileiras, o Sindicato veio a ser substituído por uma unidade da Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores nas Indústrias de Rio Grande[7] que funcionou até o início da década de 1950 e tinha como sede a Casa no 34 da Área da Pedreira.

A Saída da Companhia Francesa
A Pedreira de Monte Bonito teve sua exploração de maio de 1911 a janeiro de 1915, enquanto a Pedreira de Capão do Leão continuou seus trabalhos até 1919. O fechamento da Pedreira de Monte Bonito foi ocasionado pela eclosão da 1ª. Guerra Mundial, o que obrigou a Companhia Francesa a reduzir despesas. Ainda em 1915, foram inaugurados os Molhes e o Novo Porto em Rio Grande, o que não cessou a necessidade da exploração de rochas, dado a questão da manutenção permanente do complexo portuário. Curioso é que, aquela pedreira que deveria ter sido “auxiliar” aos trabalhos da Pedreira de Monte Bonito, suplantou a matriz e tornou-se a principal.
                Em 29 de Setembro de 1919, o Estado do Rio Grande do Sul realizava a encampação da Companhia Francesa, incorporando todo o seu ativo ao patrimônio público estadual. A Pedreira do Capão do Leão foi, pois, incorporada à Direção Geral do Porto e Barra de Rio Grande.
A grande maioria dos funcionários da Pedreira foi exonerada e recebera uma indenização pela demissão, além de uma boa parte que simplesmente partira sem deixar rastro. Durante os anos de 1920 a 1925, a produção da Pedreira foi expressiva de igual maneira, porém sem os índices extraordinários da época da Companhia Francesa.



[1] Os italianos possuíam tradição em serviços de cantaria e, segundo dados da pesquisa, é possível intuir que já haviam trabalhado em outros empreendimentos na Europa.
[2] Alguns chegavam, eram contratados, porém não conseguiam ficar mais do que um mês nas obras.
[3] Embora o Cemitério Municipal Santa Tecla tenha sido criado inicialmente para a elite, logo operários mortos na Pedreira passaram a serem enterrados ali, pois o custo do translado de cadáver para Pelotas era muito caro para o trabalhador comum via trem – que era o transporte mais usado na época.
[4] Eram os chamados “bochas”. Esta ocupação existiu na Pedreira do Cerro do Estado até a década de 1960, aproximadamente.
[5] Um destes médicos aqui prestador de serviços à Companhia Francesa era o napolitano Eduardo Olindo Sicca – nome de um logradouro municipal importante.
[6] Esta foi uma das informações mais sensacionais que encontrei sobre o Sindicato. Entretanto, não foi possível identificar se foram estrangeiros ou brasileiros que daqui partiram.
[7] Criada em 1942, a Cooperativa funcionava principalmente como fornecedora de gêneros alimentícios e de primeira necessidade aos trabalhadores da Pedreira, com a vantagem do menor custo. Havia uma caderneta individual onde o trabalhador acompanhava seus gastos, sabendo assim o quanto iria ser descontado de seu ordenado no final do mês.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte III

A Companhia Francesa na Pedreira
Em dezembro de 1909, a Companhia Francesa iniciou a ocupação do local, com vistas à instalação de maquinário e benfeitorias, para início da exploração de pedras. Inicialmente foram construídas apenas duas pequenas casas de madeira que serviam como abrigo aos vigilantes e como apoio logístico às primeiras máquinas que começaram a chegar. Logo em seguida foram abertas duas estradas de acesso à Pedreira – as atuais ruas João Batista Gomes e Manoel dos Santos Victória.
Durante todo o ano de 1910, houve a chegada de equipamentos e a construção de mais benfeitorias. Paralelamente, foi iniciada a construção da linha férrea que ligaria a Pedreira até Rio Grande. Em novembro, iniciam-se as contratações de trabalhadores em massa e surgem as primeiras casas comerciais e de moradia no local. Embora, ao que conste, muitos dos primeiros trabalhadores da Pedreira passaram os primeiros tempos abrigados em barracões de lona, erguidos bem próximo aos pontos de exploração. As casas de moradia da Companhia Francesa vieram mais tarde, entre 1911 e 1914. Eram mais precisamente alojamentos, onde dormiam cerca de oito a doze homens em cada.
Em novembro de 1911, após todos os trabalhos de instalação, iniciaram-se as obras de exploração de rocha propriamente ditas.[1] A Pedreira era avançada para época, pois contava com Usina Elétrica, Carpintaria, Ferraria, Enfermaria, Balança, Guindastes, Repartições Administrativas, Almoxarifado, Galpões para os Trens, além de contar com um maquinário importado (francês, inglês, italiano, alemão) inovador no Brasil, tal como acontecia na Pedreira do Monte Bonito. Decididamente, eram as duas pedreiras mais modernas do Brasil naquele momento, numa época em que os serviços de cantaria eram ainda realizados de modo artesanal.
A produção entre novembro de 1911 e abril de 1916 foi de 2.183.052 toneladas de blocos de rocha, o que dá a impressionante média de 363.842 toneladas por ano, algo que jamais voltaria a se repetir até os dias de hoje. Em 1915, ocorrera a maior produção anual da história da Pedreira com 829.630 toneladas. Também neste ano, em outubro, ocorrera o maior recorde mensal: 3.581 toneladas. A Pedreira fora inicialmente pensada para atender somente o Molhe Oeste da Barra, porém com a interrupção dos trabalhos em Monte Bonito em 1915, devido à eclosão da 1ª. Guerra Mundial[2], Capão do Leão tornou-se responsável pelo provimento das Obras também do Molhe Leste.
Além do impacto produzido pela presença da Companhia Francesa na Pedreira, a própria Vila do Capão do Leão será profundamente afetada econômica e socialmente. O carvão, que era um produto utilizado largamente em função dos trens e da caldeira, era adquirido de fornecedores locais. Madeira também[3]. Afora outros serviços[4].
Em fevereiro de 1910, a Vila do Capão do Leão contava com cerca de 710 habitantes permanentes, podendo este número ultrapassar a marca de 800 no período de veraneio[5]. Em julho de 1914, o número de habitantes ultrapassa a baliza dos 1400 habitantes, sobretudo em função dos trabalhadores da Pedreira. Para se ter uma idéia de como a Pedreira movimentou a questão demográfica no Capão do Leão, dados de 1921 apontam uma população permanente de apenas 915 habitantes, já numa época em que a Companhia Francesa tinha ido embora[6].
A Linha Férrea
Projetada pelo engenheiro brasileiro Edmundo Castro Lopes, a ferrovia que dá acesso à Pedreira e cuja função era permitir o transporte de rochas à Rio Grande, possuía um traçado que ia diretamente ao Molhe Oeste da Barra. Seu traçado foi pensado de modo a diminuir o atrito da descida dos trens pela encosta do cerro[7], assumindo assim um desenho curvo até a região do Teodósio. A linha, a partir deste ponto, seguia quase que paralelamente à ferrovia Rio Grande – Cacequi. No Saco da Mangueira (Rio Grande), ela tomava um novo curso até chegar finalmente ao Molhe Oeste.
Sobre o Arroio Teodósio foi construída uma ponte ferroviária que servia para esta linha. É possível ainda observar as pilastras da antiga ponte naquela região. Ao longo da linha férrea que saía da Pedreira até Rio Grande havia um bom número de instalações auxiliares para dar suporte e manutenção ao trabalho dos trens. Curiosamente, na região do Teodósio também foram criados armazéns, casas de moradia, uma estação de apoio e até um “moinho de vento” – cujo propósito não foi ainda identificado. Contavam-se, ao menos, onze terrenos da Companhia Francesa no Teodósio. Também foram erguidas estações de apoio na região do Parque Fragata e Estância Ribas (proximidades do atual Complexo da Cosulati). Conclui-se que a presença da Companhia Francesa transcendeu, no Capão do Leão, a própria área do Cerro do Estado.[8]

Outras Instalações
Curral para animais, depósito de lenhas, olaria, garagem para automóveis, escola (obs.: aparece em 1935 com o nome de Escola Alberto Rosa), campo de futebol (time “Ipiranga”), estação de radiocomunicação, centro telefônico. Havia pelo menos três casas comerciais no Cerro do Estado àquela época, sendo a principal a do Sr. Garibaldi Albo (italiano procedente de Santa Vitória do Palmar), onde aconteciam, por vezes, bailes noturnos. A empresa pelotense “Guarani Filmes” exibia num salão da Pedreira filmes aos domingos para os operários[9]. Um texto de 1913 informa a existência de uma capela dedicada a Saint-Rémy (São Remígio), provavelmente usada pelos engenheiros da companhia.



[1] O atraso no início das atividades de exploração de rocha deve-se a custosa operação de conclusão da linha férrea que descia da Pedreira até o Teodósio.
[2] Além da escassez de capital, a Companhia Francesa teve retido em portos europeus material e maquinário que deveriam ter vindo para incremento da produção.
[3] A Vila de Capão do Leão e arredores foram grandes produtores de lenha e carvão no início do século XX. Antes da Pedreira, poderíamos dizer que Capão do Leão vivia em função destes produtos e da fruticultura.
[4] O pequeno comércio de gêneros e a prestação de serviços serão estimulados neste período em razão da presença de trabalhadores na Pedreira. Surgiram, além de armazéns, sapatarias, barbearias, etc.
[5] A “alta estação” de veraneio costumava começar em novembro e se estender até março.
[6] Segundo a lembrança de um dos entrevistados na pesquisa, cujo pai fora empregado da Companhia Francesa, a saída da companhia ocasionou uma espécie de fuga em massa de trabalhadores e  de pessoas que dependiam dela.
[7] Houve retirada maciça de material do solo da encosta da Pedreira para possibilitar a construção da ferrovia que foi, sobretudo, mais demorada do que se esperava.
[8] As evidências documentais nos levam a crer que, do Cerro do Estado até o Arroio Fragata, existia um verdadeiro “corredor” de terrenos da Companhia Francesa, que, hoje, devem pertencer à União Federal.
[9] Não era necessariamente um cinema. Na época, eram comuns as exibições cinematográficas ambulantes.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte II

Os Molhes da Barra de Rio Grande, como vimos, nada mais são do que grandes rochas lançadas ao mar, com o objetivo de constituir uma espécie de “muro” à ação das ondas do mar. Contudo, de onde viriam as rochas para as Obras dos Molhes da Barra de Rio Grande, se esta cidade não possui pedreiras?
Seguramente, viriam de fora, de preferência, de um local o mais próximo possível. Apesar disso, as primeiras remessas de rochas para as Obras da Barra vieram da Pedreira do Itapoã, em Viamão. Isso porque o Governo do Estado ofereceu esta reserva mineral gratuitamente ao contratado. Os custos se mostraram logo muito caros e dispendiosos, pois as rochas deveriam seguir via transporte lacustre, o que incluía uma distância de 180 km.
A proximidade da Pedreira de Monte Bonito, em Pelotas, tornou-se em seguida uma alternativa para o fornecimento de rochas para as Obras dos Molhes. Além disso, se poderia transportar a pedra por linha férrea. Contudo, somente o Monte Bonito, não iria conseguir suprir a demanda. Por isso, foi ponderado a possibilidade de usar-se uma “pedreira auxiliar”. Por estranho, que possa parecer, a primeira opção dos engenheiros franceses não foi o Capão do Leão e sua rica reserva granítica, porém uma pedreira distante, localizada em Bagé.[1]
Embora, averiguada a existência de pedreiras em Capão do Leão e tendo ocorrido a desistência de buscar-se pedras da Campanha, a Companhia Francesa não optou por adquirir todo um complexo mineral-granítico inteiro, como aconteceu em Monte Bonito. Como se tratava de ter uma “pedreira auxiliar”, foi adquirida uma área de 71.137,43 m2 dos irmãos Eduardo e Gabriel Gastal, num local conhecido como “Cerro das Pombas” (atual Cerro do Estado). A primeira negociação aconteceu em março de 1909 e a compra em novembro de 1910. O local não era explorado com o fim de extração de pedras e o próprio Capão do Leão já apresentava nesta época outras pedreiras importantes como a da Família Traverssi (atual Pedreira da Empem), a de Leon Bastide (nas proximidades da Rua Manoel dos Santos Victória) e a Pedreira Mendes (na encosta do Cerro do Estado)[2].
O Cerro das Pombas
A área atual da Pedreira do Cerro do Estado fazia parte da grande sesmaria do Pavão do Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, no início da colonização portuguesa na região, lá pelos idos de 1780. No século XIX, heranças, vendas e repartições fizeram com que essa grande extensão fosse tomada por inúmeras propriedades menores. O termo “Cerro das Pombas” aparece já em 1881, num documento da Câmara Municipal de Pelotas, que identifica o local como refúgio de índios remanescentes. Isto é, embora pertencesse a alguém, era, sem dúvida, um ponto inóspito da Serra dos Tapes. Muito provavelmente antes de 1900, a Família Gastal (que era proveniente da Colônia Santo Antônio em Pelotas) adquiriu a área que, contudo, era bem maior e ia quase até o vale que forma hoje o centro urbano da cidade de Capão do Leão. A entrada da “Fazenda Gastal” corresponde à Rua Professor Agostinho, no domínio hodierno do CTG Tropeiros do Sul. A edificação que era sede da propriedade existe até hoje e data de 1906.



[1] Os franceses não conheciam muito bem a região a qual foram contratados para executar a obra. Ao que parece, foi numa visita ocorrida em janeiro de 1909 a Pelotas, para tratar das obras em Monte Bonito, que os engenheiros tomaram conhecimento das reservas graníticas de Capão do Leão, por sugestão de brasileiros.
[2] Já eram empreendimentos importantes na época da Companhia Francesa e produziam, além da pedra bruta, pedras de cantaria.

História da Pedreira do Cerro do Estado - Parte I

A Pedreira do Cerro do Estado pertence à União, concedida ao Estado do Rio Grande do Sul, sob administração da Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG) – autarquia que veio a suceder o antigo Departamento de Portos, Rios e Canais (DEPRC). Localiza-se no município de Capão do Leão, numa elevação (cerro) que faz parte da chamada “Serra do Granito” – esta, por sua vez, integrante da Serra dos Tapes. A “Serra do Granito” comporta o 2º. maior bloco de granito basáltico do mundo e possui cerca de 4 km de extensão.O mesmo bloco se estende desde a antiga Pedreira do Sapem, nas proximidades do Cemitério Municipal Santa Tecla, e vai até o Cerro das Almas. Segundo especialistas, é um “bloco único”, como um iceberg. Isto significa que as rochas que se vem no solo são apenas parte deste monumental prodígio da Natureza. Atualmente está sendo explorada por um consórcio formado pelas empresas CBPO-Engenharia/Odebrecht, Ivaí, Carioca e Pedrasul. O objetivo da exploração é fornecer pedras para as Obras de Ampliação dos Molhes da Barra de Rio Grande.
Não por acaso, neste ano de 2010, rochas da Pedreira do Cerro do Estado estão sendo extraídas para Obras de Ampliação dos Molhes da Barra de Rio Grande. Na verdade, a exploração de agora nada mais é do que a continuidade de uma atividade de cerca de 100 anos e que está intrinsecamente ligada à história desta pedreira, do povoado que se formou ao redor dela e do próprio município de Capão do Leão. A Pedreira do Cerro do Estado (ou Pedreira do Capão do Leão, como foi muito tempo chamada)[1] surgiu em função das obras de construção dos Molhes da Barra e do Porto Novo de Rio Grande, iniciadas em 1909. Durante um século suas rochas serviram quase que exclusivamente para atender à demanda destas obras, sobretudo às ampliações e manutenções do Molhes da Barra de Rio Grande, que sempre foram necessárias e constantes através das décadas.
Rio Grande: o Porto e a Barra
O nome do Estado do Rio Grande do Sul deriva diretamente de Rio Grande – primeiro município gaúcho e que também foi o primeiro povoado português em solo rio-grandense, fundado em 1737[2]. O fato de tal primazia deve-se sobretudo ao fato de Rio Grande estar localizado no litoral e ser o único porto marítimo do estado[3]. Entretanto, seu porto não está situado diretamente junto ao Oceano Atlântico, porém naquilo denominado “Barra”. Isto é, o canal que une o Oceano à Laguna dos Patos. Esta é uma característica fundamental para entendermos o porquê da construção dos Molhes da Barra em Rio Grande.
“Molhes” (também conhecido com quebra-mar) é um tipo de construção que se assemelha a um grande “muro” de pedras que avança sobre o Oceano. Sua função é impedir que a profundidade média das águas em determinado ponto da costa seja muito pequena, o que dificultaria a navegação de embarcações de grande porte. Isso acontece porque o material arenoso derivado da Laguna dos Patos tende a depositar-se junto à foz da Barra de Rio Grande, devido à força contrária das ondas do Mar. Em consequência, formam-se bancos de areia no fundo, impedindo o acesso das embarcações ao Porto de Rio Grande, ocorrendo o risco de encalhes. Isto foi um problema histórico enfrentado por Rio Grande, desde a época da colonização.
De um texto do Engo. Paulo Medeiros Guimarães sobre a questão da Abertura da Barra de Rio Grande:
“Infelizmente, porém, o largo e profundo Canal do Norte, ao lançar-se ao mar, tinha a sua foz obstruída por uma barra (bancos de areia), através da qual situavam-se passos navegáveis, de posição variável com os ventos, com as correntes e com as vagas, e onde as profundidades oscilavam em torno de 15 (quinze) palmos. Segundo dados antigos, citados pelo engº Honório Bicalho, em seu relatório de 1883, a profundidade da barra seria provavelmente de cerca de 20 palmos (4,40m), no começo do século 19, em 1849, achava-se ela reduzida a 3,60m e, em 1883, segundo sondagens da Comissão de Melhoramento da Barra, a profundidade era apenas 2,75m. Ante a pequena profundidade e o perigo, que a travessia da barra opunha à navegação, que demandava o porto do Rio Grande e que era então, a vela...”
Desde a época do Segundo Império Brasileiro (1840-1889), não tardaram projetos de melhoria na Barra para possibilitar a navegação de embarcações de grande porte. Estudos foram feitos e alternativas foram pensadas. Entretanto, nenhuma delas se mostrou eficaz.
Foi somente no início do século XX que surgiria um grande empreendimento capaz de resolver a questão da trafegabilidade na Barra. O que possibilitaria também a construção de um novo porto em Rio Grande, dado o antigo, construído ainda no século XVIII pelos portugueses, ser dedicado somente a embarcações de pequeno porte.
Em 1905, o engenheiro norte-americano Lawrence Elmer Corthell foi incumbido pelo presidente Rodrigues Alves a dar início às obras de melhoramento da Barra do Rio Grande, o que incluía a construção dos molhes e serviços de dragagem da foz. Logo em seguida, Corthell organizou a companhia “Port of Rio Grande do Sul”, com sede em Portland, Estados Unidos. Todavia, devido à falta de capital (dinheiro), a companhia criada por Corthell não saiu do papel. Somente em 1908, em Paris, França, reunindo-se investidores norte-americanos, franceses, ingleses e belgas, foi possível obter o capital necessário à constituição de uma companhia capaz de empreender com sucesso o início das obras da Barra e do novo porto de Rio Grande[4]. Ela se chamou “Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul”, isto é, COMPANHIA FRANCESA DO PORTO DO RIO GRANDE DO SUL.
Mesmo assim, o Engenheiro Corthell ainda ficou como responsável contratante das obras de melhoria na Barra[5]. O presidente da companhia também era norte-americano: Percival Farquhar[6].
A Companhia Francesa contratou a execução das obras da barra e do porto com a “Société Générale de Construction”, sociedade anônima com sede em Paris, com o capital de 5.000.000 (cinco milhões) de francos, tendo como presidente o engenheiro francês Jules Quellenec, especialista em obras marítimas. Esta sociedade, por sua vez, contratou, em 21 de setembro de 1908 a execução das mesmas obras com um consórcio constituído pelas três grandes firmas construtoras - Daydê & Pillé, Fougerole Frères e Groselier[7] - também com sede em Paris.
Estabeleceu-se uma Comissão Fiscalizadora pelo Ministério de Obras e Viação Pública, à época, para acompanhar as obras.



[1] O termo exato é Pedreira do Capão do Leão (PCL), pois assim consta nos antigos documentos e é como a Superintendência do Porto de Rio Grande reconhece esta reserva mineral. Como a população leonense convencionou chamá-la “Pedreira do Cerro do Estado”, para distingui-la de outras existentes no município, utilizaremos esta denominação.
[2] Embora já houvesse estâncias de gado na região da foz do Rio Mampituba por volta da década de 1720, o 1º. povoado de facto foi Rio Grande.
[3] Poderíamos citar os portos de São José do Norte e Santa Vitória do Palmar, entretanto não desempenham funções tais como o Porto de Rio Grande.
[4] O principal acionário, todavia, foi o Banque de Paris et des Pays Bas, até hoje existente e conhecido hodiernamente como Banque Paribas.
[5] Posteriormente, por não se entender com os planos técnicos dos franceses, Corthell será dispensado da função em 1910.
[6] Foi o maior investidor estrangeiro do Brasil no início do século XX. Dentre seus empreendimentos, destaca-se a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, no norte do País. Farqhuar esteve em visita a Monte Bonito e Capão do Leão em 1912.
[7] Formavam a Enterprise des Travaux Genérale des Oeuvres du Port e de La Barre de Rio Grande – nome oficial do consórcio empresarial. A mais notável destas empresas era a Daydê et Pillé – firma com obras no mundo todo e responsável, entre tantas, pela construção da Torre Eiffel.