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sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Histórias do Pavão: a Ilha do Pavão


Trecho extraído de: PAZ, Martim. Gado de Corte (contos e artigos). Pelotas: Armazém Literário, 1995.

“O arroio Pavão nessa época do ano não tem mais de quarenta metros de largo e o vento, se soprava, era quase nada. Logo deram no outro lado, na Ilha”. (p. 10-11)

“Na Ilha as invernadas não têm lotação certa. Carrega-se de hábito, em fins de outubro princípios de novembro, ao descerem as águas, para já em fevereiro ou março fazer, no cedo, um aparte. Daí por diante, com folga de campo, deixam-se os bois até começarem os frios e as chuvaradas.
(...)
O caminho era tão conhecido que os cavalos seguiam quase por si sós, acompanhando a trilha apenas desviada aqui e ali pela presença de santa fé ou de alguma moita rala de espinilho. De espaço em espaço paravam e o capataz se apeava para abrir as porteiras de cambão do armado a cinco fios que separava os potreiros. Ao cruzarem a divisa com o Coronel, ouviram relinchar por perto, assustado, um bagual crioulo, a cola no fundo de gordo. Não fora sem motivo que Bento Manuel, de uma feita, mandou conservar na Ilha a cavalhada legalista...
(...)
A riqueza desses campos se acumulava à custa das alagações anuais, quando o São Gonçalo e o Piratini, represados, não davam vazão às águas. Havia anos, bem raros de certo, nos quais não sobrevinha a cheia e se aproveitava a Ilha os doze meses. Tudo dependia da chuva, assim como dos ventos. Mas o contrário também podia acontecer.
- Lembras do tal ano quer diz que as águas não chegaram a baixar o tempo todo?
- Foi em 41. A ilha passou o verão inteiro alagada.
(...)
Andaram um pouco e alcançaram a Sanga das Traíras, que foram costeando até o rancho do posteiro, de tábua, tendo ao lado um galpãozinho tapado de quincha que servia de abrigo ao caíque calafetado nas vagas pelo Pedro Lopes, a fim de estar sempre pronto em caso de precisão.
(...)
A novilhada estava no parador, contra a linha de arame, próxima a porteira, pastoreada pelo filho do posteiro mais o Godinho, paisano antigo na zona, a tez curtida do rigor. O sol ia alto quando se apearam do lado de dentro da invernada para compor os arreios.
Quando tudo estava pronto, já de volta o pessoal da recorrida, entraram, então, no rodeio. Devagar, como para não espantar o gado, deram por mais de uma vez volta aos cavalos, olhando detidamente a boiada. Combinaram refugar primeiro os estropiados da aftosa, que assim lhes parecia melhor. Depois os ajenos.
(...)
Começou, então, propriamente a faina. Manobrando habilmente, principiaram a apartar os novilhos gordos, de jeito a ir afastando-os com cuidado do resto do gado, devagar no início, até o momento em que, sem perigo agora de tirar o boi errado, cerram-se as esporas e se atropela o bicho, obrigando-o a trotear longe, para além a porteira”. (p. 11-14)

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