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domingo, 28 de maio de 2023

A eleição do Presidente Médici

 



A confusão era geral, com sucessivas reuniões do Alto Comando das Forças Armadas, do Exército, Marinha e Aeronáutica. Ficara evidente que Costa e Silva não poderia reassumir. Assim, começava-se a tentar ordenar o caos. Era preciso escolher outro presidente da República, claro que um general, e com uma peculiaridade: deveria iniciar novo mandato, não apenas completar o de Costa e Silva. Onde buscaram essa singular fórmula jurídica não se sabe até hoje, mas, como já tinham impedido Pedro Aleixo de assumir, tudo o mais seria permitido.

Então, os Altos Comandos decidiram fazer uma "eleição direta" para presidente - cujo nome deveria vir do Exército. Só que com um detalha: não seria o povo, completamente alheado de tudo, a escolher. Poderiam votar apenas os generais, almirantes e brigadeiros do serviço ativo. Organizaram as Forças Armadas em seções eleitorais. De início, os três integrantes da Junta comprometeram-se a não se candidatar. Existiam, porém, diversos candidatos que negavam ser candidatos.

Custariam a ser conhecidas as regras "eleitorais" para a escolha do sucessor de Costa e Silva. Era campo minado por todo lado. Afinal, qual general de quatro estrelas deixaria, lá no fundo, de se imaginar com possibilidade de ser o presidente?

Decidiram os Altos Comandos das três forças - com o respaldo do Alto Comando das Forças Armadas - que Exército, Marinha e Aeronáutica selecionariam três preferidos para o posterior encontro de decisões. Marinheiros e aviadores sabiam que o escolhido teria de ser do Exército, maior e mais forte, detentor do poder desde 1964. Ainda assim, os 69 almirantes da ativa deram catorze votos ao almirante Augusto Rademaker, que ficaria em segundo entre os mais sufragados pela Marinha, atrás do general Afonso Albuquerque Lima, que recebera 37 votos. Também foram lembrados o general Orlando Geisel, com doze votos, e o general Antônio Carlos Muricy, com seis.

Na Aeronáutica, três nomes com igualdade de votos: Garrastazu Médici, Orlando Geisel e Afonso Albuquerque Lima.

Estava armado o barraco, porque se, no Exército, Albuquerque Lima fosse um dos três mais votados, seria difícil impedi-lo, pois selecionado nas três forças. A Junta Militar planejou garfá-lo, tanto por ser general de divisão, com três estrelas, disputando com generais de Exército, de quatro estrelas, quanto porque seu nome se apresentara como de contestação, nacionalista e disposto a imprimir nova linha ideológica e econômica no país. Talvez mais ditatorial, se tal fosse possível. Atribuíam-lhe a intenção de, se eleito, mandar prender os ministros Delfim Netto e Mario Andreazza, além de abrir inquérito contra D. Yolanda. Não era verdade, mas a boataria apavorara ainda mais a Junta Militar.

Sabedores de que o general Afonso detinha forte apoio no Exército, armaram-lhe uma arapuca. Ele seria, sem dúvida, um dos três mais votados nos quatro Exércitos, e talvez até liderasse a votação. Era preciso, entretanto, que não chegasse entre os três primeiros, de modo que logo se criaram novas "sessões eleitorais", mesmo que com poucos generais: os diversos departamentos do Ministério do Exército, o gabinete do ministro, a Escola Superior de Guerra, o Estado-Maior do Exército e o Estado-Maior das Forças Armadas - para cada um, uma "sessão". Mesmo com muito menos generais do que os quatro Exércitos, fizeram valer a regra de que todas as "sessões eleitorais" teriam peso igual. Resultado: obtiveram que os três primeiros colocados no Exército fossem Garrastazu Médici, Orlando Geisel e Antônio Carlos Murici, excluindo Afonso Albuquerque Lima.

Como Médici fora o mais votado entre seus colegas de farda, virou o futuro presidente da República. Comandava o III Exército, no Rio Grande do Sul, e chefiara o SNI, onde se destacou por defender o AI-5 seis meses antes de sua decretação.

Escaramuças ainda aconteceriam para que aceitasse. Indagou aos colegas se seria obedecido, e todos disseram que sim, mesmo os mais antigos. O Alto Comando do Exército, contudo, não concordaria com sua sugestão para que o almirante Augusto Rademaker fosse vice-presidente, lembrando o compromisso de os três integrantes da Junta não aceitarem nada. Nessa hora, Médici levantou-se e disse que, se era para não ser obedecido, não aceitaria a indicação e voltaria para o seu comando, em Porto Alegre. Foi um "deus nos acuda", que obrigaria o chefe do SNI, general Carlos Alberto da Fontoura, a voar à capital gaúcha para convencer o "candidato" de que seria obedecido e informá-lo de que Rademaker seria o seu vice, além de alertá-lo para o fato de que, se a sucessão melasse, poderia haver guerra civil, já que os partidários do general Afonso Albuquerque Lima ameaçavam insurgir-se por conta da rasteira que levara.

No fim, tudo se ajeitou. O brigadeiro Márcio Mello permaneceria no Ministério da Aeronáutica e o general Lyra Tavares, como "missão", seria designado embaixador do Brasil em Paris.

Fonte: CHAGAS, Carlos. A ditatura militar e os golpes dentro do golpe: 1964-1969. Rio de Janeiro: Record, 2014, pág. 427-429 [recurso eletrônico].

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