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quarta-feira, 26 de abril de 2023

Bandos de cangaceiros do século XIX

 



A grande seca de 1877-1879 é o ponto de partida para o desencadeamento de ações dos grupos de cangaceiros mais famosos do século XIX: os Brilhantes, os Viriatos e os Calangros. Alguns lutam entre si, como estes últimos e os Mateus, que se fazem fortes em Pajeú de Flores, Pernambuco, e aparecem no Ceará "à frente de cento e tantos homens". Os Calangros tinham uns 60. Em 1878, os jornais "reclamavam enérgicas providências contra salteadores, que continuavam a infestar o interior. Formavam-se todos os dias novos grupos. Em Milagres (Ceará) havia aparecido o dos Quirinos, sob a proteção de João Calangro. Compunha-se de trinta homens, acompanhados por três chefes e irmãos, o mais velho dos quais chamava-se Quirino.

Acrescente Teófilo que "João Calangro fazia guerra de extermínio aos grupos que se formavam sem seu consentimento... O seu grupo era perfeitamente disciplinado, montado, bem armado e uniformizado".

Era naturalíssimo que assim acontecesse. Em fins de 1879, a população indigente, no Ceará, ultrapassava a casa dos 300 000 homens, mulheres e crianças. Outras 300 mil pessoas haviam morrido ou emigrado. (pág. 103)

(...)

Destes 100 000 deslocados, a maior parte ficava perambulando sem rumo certo, vivendo de esmolas, de roubos, de assaltos a mão armada. Estão na história do Nordeste os grupos aguerridos de salteadores, cujas ações se multiplicam nos anos de seca: os Brilhantes, os Serenos, os Viriatos, os Simplícios, os Meireles, os Calangros, os Quirinos, que em geral tomavam o nome ou apelido de seu chefe. Se o latifúndio os gerava, as grandes estiagens, matando as lavouras, dizimando os gados, exterminando a gente, exacerbava lhes o desespero, não lhes deixando outra alternativa a não ser o banditismo sem quartel. Na grande seca de 1877-1879, quando começaram a se intensificar-se as ações dos grupos de bandoleiros, uma correspondência da cidade caririense de Barbalha para Fortaleza comentava este fato, que devia traduzir mais ou menos, que devia traduzir mais ou menos uma realidade: "Hoje, é perigoso ser rico, pois o povo pobre [os bandidos] lhes hão declarado guerra de extermínio".

Trecho de um relatório do Governo da Província referente ao ano de 1878 indica a gravidade do problema. Diz o presidente: "Chegando ao meu conhecimento que hordas de salteadores conhecidos pelos nomes e antonomásia dos chefes, Viriato, Quirino e Calangro, que há alguns anos cometem toda sorte de violência nos confins desta província com as de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, recomeçavam suas excursões no Cariri, dirigi-me aos presidentes daquelas províncias requisitando a sua cooperação para perseguirmos eficazmente os malfeitores, que com facilidade escapam fugindo de uma para outra jurisdição". "Forças combinadas desta Província e da Paraíba conseguiram sitiar o grupo da povoação de Boa Esperança, do termo de Milagres, da qual se tinha assenhoreado; e aí travou-se o combate, em que morreram doze salteadores e um soldado, tendo-se dado de parte a parte muitos ferimentos. Vigorosamente atacado e batido, o grosso da quadrilha pôde todavia evadir-se; mas ficaram treze prisioneiros, mais de cem cavalgaduras, e valores de subida importância, fruto de suas depredações". Prossegue o relatório oficial: "Assim creio poder afirmar que o Cariri está libertado desses facínoras que, originados em grande parte das províncias vizinhas, haviam demandado em razão da seca à mais fértil região do Ceará, e inspiravam tal horror que, depois dos morticínios e roubos praticados de julho do ano passado a abril deste ano, entravam de público nas vilas e povoados, soltavam os presos, tributavam a população e declaravam-se seus protetores contra os outros bandos". (pág. 136-137)

Fonte: FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos: gênese e lutas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8a. edição, s/d, pág. 103.

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