"A fundação da Colônia do Sacramento na margem norte do Rio da Prata conjugava os interesses dos comerciantes do Rio de Janeiro, interessados na retomada do intenso comércio com Buenos Aires existente na época da União Ibérica, assim como os da Coroa Portuguesa, que desejava expandir seus domínios até o Rio da Prata. Os principais elementos responsáveis pelo desenvolvimento da rede contrabandista eram os lusos. A relativa proximidade do Prata com os portos brasileiros e a facilidade de obtenção de escravos em suas feitorias na África foram os principais fatores da preponderância comercial dos luso-brasileiros em Buenos Aires durante a União Ibérica.
Essas vantagens levaram os portugueses a investir num entreposto no Prata.
D. Manuel Lobo tomou posse do governo do Rio de Janeiro em 09 de maio de 1679, dando logo início à preparação da expedição que viria a fundar uma fortaleza às margens do Rio da Prata. Em janeiro de 1680 D. Manuel Lobo fundou a fortaleza do Santíssimo Sacramento em frente às ilhas de São Gabriel. Contudo, a expedição não pôde resistir ao ataque combinado das forças coloniais espanholas e dos exércitos indígenas das missões jesuíticas, grupos para os quais a presença portuguesa no Prata constituía uma grande ameaça. A destruição de Sacramento, oito meses após sua fundação, levou o príncipe regente forçar a Coroa espanhola a restituir-lhe a posse do território, o que lhe foi concedido através do Tratado Provisional de 1681.
Foram bastante difíceis os primeiros anos que se seguiram ao restabelecimento dos portugueses em 1682, quando as restrições do governo de Buenos Aires, que procurava impedir o contrabando e a exploração do gado selvagem que abundava na campanha, se somaram à corrupção generalizada que marcou o governo de Cristóvão Ornelas de Abreu (1683-1689). A situação melhorou consideravelmente sob as administrações de Francisco Naper de Lencastre (1689-1699) e de seu sucessor, Sebastião da Veiga Cabral (1699-1705), com o incremento da política de povoamento e da exploração das riquezas pecuárias da região.
A Guerra da Sucessão Espanhola colocaria Portugal e Espanha em campos opostos na Europa, resultando no rompimento das hostilidades na América e no abandono de Colônia aos castelhanos em 1705. A guerra terminou com a assinatura dos tratados de Utrecht, nos quais Felipe V teve de fazer várias concessões a fim de obter o reconhecimento das nações europeias à ascensão dos Bourbons ao trono espanhol. O tratado de paz com Portugal, assinado em 1715, assegurou aos portugueses a devolução do território da Colônia do Sacramento.
A partir de então, a Coroa Portuguesa iniciou uma verdadeira política de povoamento na região, enviando sessenta casais da província de Trás-os-Montes em 1718 para dar início à agricultura e desenvolver criação de gado, assim como garantir uma guarnição militar permanente. As constantes deserções dos soldados que serviam em Sacramento levaram o Conselho Ultramarino a defender o envio de casais, argumentando que 'à experiência de tantos desertores será melhor que vão casais porque não é tão fácil largarem suas mulheres e filhos e irem viver em reino estranho'. Logo os povoadores foram enquadrados no sistema militar, pois antes de chegar ao seu destino, a Coroa já enviara trezentas armas para a formação de 'algumas companhias de ordenança dos mesmos casais que ajudem a defesa da dita praça'.
Se os primeiro tempos ainda foram difíceis devido aos problemas de abastecimento que marcaram o governo de Manuel Gomes Barbosa (1716-1722), a situação mudaria com a chegada do seu sucessor. A junção do apoio decidido da Coroa à capacidade administrativa do governador Antônio Pedro de Vasconcelos (1722-1749) foram os fatores responsáveis por um período de grande desenvolvimento que pode ser considerado como o apogeu da presença portuguesa no Rio da Prata.
Porém, a prosperidade dos habitantes da Colônia do Sacramento preocupava a Coroa espanhola, lesada pelo intenso contrabando, enquanto os colonos e os índios das missões conviviam a contragosto com a concorrência portuguesa na exploração do gado selvagem. A tensão permanente, alimentada pelos frequentes conflitos com os espanhóis e indígenas na campanha, chegaria ao auge em outubro de 1735, quando as tropas castelhanas apareceram em frente aos muros da Colônia do Sacramento, iniciando um sítio que duraria cerca de dois anos.
Embora os lusos-brasileiros tenham conseguido impedir a conquista da fortaleza, o armistício de 1737 iniciou uma nova fase da história do Sacramento. Como observou Rego Monteiro, 'terminou o período áureo da Colônia do Sacramento, jamais voltaram a ter seus arredores aquela riqueza de produção, que fazia dela a cobiça espanhola'. Mas, se o campo de bloqueio espanhol, ao invés de impedir, contribuiu para o desenvolvimento do contrabando entre os súditos de Portugal e Espanha, a limitação do uso da campanha ao pequeno espaço permitido pelo campo de bloqueio impediu a retomada da produção agrícola e pecuária por parte dos habitantes da Colônia do Sacramento, que tiveram que buscar o abastecimento entre os espanhóis.
A busca por gêneros alimentícios em Buenos Aires justificava a presença constante de embarcações portuguesas na cidade, que na maioria das vezes transportavam mercadorias de contrabando. Também era frequente a passagem de suprimentos através da guarnição responsável pela manutenção do campo de bloqueio. Segundo Fabrício Prado: 'Tal momento marca uma inflexão da estratégia lusitana. A Colônia do Sacramento, a partir de então, assumia a constituição de um porto comercial sem um entorno agrícola e uma possível moeda de troca por territórios de Espanha'.
Embora o Tratado de Madri, em 1750, estipulasse a troca da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões, ela jamais foi efetivada, sendo que o Tratado de El Pardo, de 1761, anulou o anterior. A guerra voltaria ao Prata como consequência do conflito europeu que opôs os Bourbons à maior parte das demais nações europeias, entre as quais Portugal, resultando na capitulação de Colônia frente ao governador de Buenos Aires, em setembro de 1761. Pelo Tratado de Paris, assinado em fevereiro de 1763, a influência da Inglaterra, novamente líder vitoriosa de outra liga contra Espanha e França, obrigou a Coroa espanhola a devolver Colônia aos portugueses.
Entrementes, uma nova guerra entre Espanha e Portugal, desta vez sem a participação dos seus poderosos aliados europeus (respectivamente França e Grã-Bretanha), possibilitou a reconquista de Sacramento pelos castelhanos em 1777. Sem a ajuda dos britânicos, cujos esforços estavam direcionados para o combate à Revolução Americana, os portugueses não puderam assegurar seu retorno ao Rio da Prata, sendo que o Tratado de Santo Ildefonso, assinado em outubro do mesmo ano, manteve a Colônia do Sacramento em poder da Espanha, situação que seria ratificada pelo Tratado de El Pardo, assinado em março do ano seguinte.
Antes de tudo, a Colônia do Sacramento foi uma praça de guerra destinada a defender os interesses comerciais e territoriais da Coroa Portuguesa no Rio da Prata."
Fonte: POSSAMAI, Paulo César. A Guarnição da Colônia do Sacramento. In: ______________. Gente de guerra e fronteira: estudos da história militar do Rio Grande do Sul. Pelotas: Ed. da UFPel, 2010, pág. 13-16.
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