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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A Imigração Francesa no Rio Grande do Sul


"Sabe-se que muitos franceses vieram ao Rio Grande do Sul de forma espontânea, muitos antes de 1870, sem auxílio estatal ou de empresas privadas, como é o caso do casal Jacques Blum e Amélie Moise Blum, que partiram da França por conta própria, Jacques era joalheiro natural da Alsácia e D. Amélie de Lorena, consta que chegaram à Bagé após ter nascido seu filho Emílio em 1861. Há casos de franceses em Pelotas também, que sua vinda provocou um avanço no comércio e na indústria, tais como Edmundo Berchon Desessard, um francês de origem de Gédeon, que possuía um latifúndio na região, outra família que se instalou no local foi a Gastal, que possuía uma tradição artística e odontológica.

(...)

Nos relatórios de João Pedro Carvalho de Moraes, em 1873 se vê que a população de Conde D'Eu e D. Izabel, atual Bento Gonçalves, inicialmente foram povoadas por franceses, pois havia um projeto do Império para que aquela área se tornasse tipicamente 'francesa'. Sendo que em 1873, o governo provincial obriga os colonos a colonizar suas terras, com o intuito de ligar Conde d'Eu ao Maratá, uma colônia povoada por alemães, para criar meio de viação animal para facilitar a comunicação com São João de Montenegro e os campos de Vacaria, pois nas palavras do responsável pelas colônias: 'realizada essa ideia, mesmo em parte, posso garantir à V. Ex. um brilhante futuro para a colônia de Conde d'Eu e sua salvação do marasmo à que parece condemnada.' Logo, a colônia de Conde d'Eu fica aos encargos de José Antonio Rodrigues Rasteiro, sendo contratada a empresa Caetano Pinto e Irmãos Holtzweissig & C., para trazer e estabelecer esses futuros colonos, em suas devidas terras. O transporte desses colonos para Conde d'Eu, D. Izabel e Alfredo Chaves sempre se fez por São João de Montenegro e São Sebastião, no Cahy:

Chegado que seja esse inmigrante a esta capital, é logo transportado em vapor até Estrella, onde ficarão os que destinarem á colonia Conde d'Eu, cuja sede dista apenas sete léguas dessa villa; os que procuram D. izabel, seguirão em lanchas até a povoação Thereza, que também se acha a sete leguas da séde D. Izabel; e, finalmente os que forem para Alfredo Chaves continuarão nas mesmas lanchas até Santa Bárbara, no Carreiro em cuja margem esquerda demora essa colonia, sendo de seis horas a média da viagem aos pontos mais remotos de sua parte ocidental.

A produção alimentícia das colônias onde se estabeleceram franceses é massiva na questão dos grãos, principalmente o trigo, produto muito cultivado na França inclusive. As produções de grãos em 1885 chegam até mesmo a superar a de Caxias, portanto como no Relatório de Joaquim Jacintho de Mendonça, o governo deveria construir moinhos nessas cidades em vista da produção local.

(...)

Em 1873 dos 1.866 imigrantes, 174 eram franceses, e desde 1866, 1.607 imigrantes vieram por conta do contrato celebrado com Caetano Pinto e Irmão Holtzweissig & Cia., já por conta do governo imperial 259. Sendo que no total, 134 colonos franceses em 1873 entraram na província. Consta na repartição de terras públicas, entre os anos de 1859 a 1875 entraram na província 12.563 colonos, sendo 648 franceses. Em 1887 estabeleceram-se em Porto Alegre 5 franceses, 21 em Rio Grande, 3 em Pelotas, 4 em Silveira Martins, 1 m Caxias e 1 em Santo Ângelo.

Com a insatisfação dos colonos com a política migratória imperial, que não fornecia as promessas feitas aos mesmos, alguns países, em especial a França em 1876, passou a proibir a imigração ao Brasil, por isso o império decide deixar o caso confiado às empresas de imigração.

(...)

O governo imperial deliberou em 1871 a abertura das zonas de Conde d'Eu e D. Isabel para início do povoamento, sendo que no ano de 1874 que pode levar a cabo empresa tão corajosa e por conta do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a D. Isabel, 'vieram 48 franceses assistidos por todos os auxílios. Mas também se retiraram, logo que acabaram as antecipações, e sem que houvessem abatido uma árvore sequer'. Esse trecho relata a vinda dos primeiros imigrantes a essas terras, sabe-se que esses seriam responsáveis por 'limpar o local' para estabelecer as famílias, porém assim que chegam logo se vão sem deixar pistas para onde foram. Somente sabe-se que em 1875 houve uma seca na região que fez com que os colonos perdessem a maioria de seu plantio, isso fez com que muitos fossem embora, principalmente os franceses.

Então com a saída dos franceses da região, em 1876 o governo imperial toma posse do território e aloca 200 italianos no local, onde somente 3 eram franceses. Onde no ano subsequente em 1877 já havia no local 1.929, dos quais - 1.302 eram italianos, 505 tiroleses, 12 franceses e 10 brasileiros. E dentro do tempo de 5 anos, a população que era de 1.929 em 1877, vai para 4 mil habitantes em 1882. Sendo dividida em 15 linhas, onde foram gastos em torno de 3.600 contos de réis na formação da colônia.

A colônia de Conde d'Eu, atual Garibaldi, situa-se a norte e oeste pela colônia de D. Isabel, e ao sul pela colônia particular de Teutônia, com uma área calculada em 1877 de  46.754,40 hectares, dos quais 5.352 são por colonizar. A colônia era dividida em 13 distritos, onde havia 5 mil italianos, 100 franceses e 400 tiroleses espalhados entre elas. O principal produto cultivado, devido às altas altitudes era o milho e a uva. 

(...)

A cidade de Brouchier juntamente de Maratá fora emancipada em 1989 do município de Montenegro e Maratá em 1987. Em relação à Brochier, o núcleo de povoamento colonial vem a surgir devido após o ano de 1832, quando chegavam da Europa os irmãos João Honório e August Brochier, sendo um deles mecânico e o outro ourives, que no inicio pretendiam se estabelecer em Montenegro, mas as terras haviam sido vendidas, então adentraram 25 km adentro da mata. 'Logo em 1857, seguiu-lhe a fundação do núcleo Brochier pelos irmãos desse nome oriundos de Marselha, núcleo hoje conhecido por linha dos francezes ou França'.

Antônio Eduardo Brochier era filho legítimo de Paul Brouchier e D. Maria Brouchier, ambos falecidos. 46 anos de idade. Casado com D. Virgília Boudidon - Natural de laval de Waroca (?). Departamento de Retz, França - Veio para o Brasil em 1853, e como colono foi estabelecer-se no Maratá. Onde tem vivido de agricultura, sendo hoje proprietários de uma colônia e estabelecimento de agricultura. Declaração de 20 de abril de 186'1 (pág. 68) - Na página 68 e 68v registrou sua carta de naturalização assinada pelo Presidente da Província de São Pedro do RS, Conselheiro Jerônimo Antão Fernandes Leão, em 19 de julho de 1861.

A localidade hoje conhecida como Pinheiro Machado que liga Brochier a cidade de Poço das Antas - emancipada em 1888 de Montenegro era conhecida como linha dos franceses, ou como era dito pelos alemães da região frechreich ou terra francesa. E é justamente nessa linha onde se localiza os distritos de Paris Alto e Paris Baixo. Nessa localidade teve-se o convívio de vários povos de oriundos de locais diferentes.

Durante 20 anos viveram em harmonia com os bugres da região, passando a vender suas terras aos colonos alemães em 1856, sendo que a maioria era proveniente de colonias antigas aos arredores. Os irmãos foram responsáveis pela derrubada da mata virgem e a transformação da mesma em produtivas plantações."

Fonte: KLEIN, Caroline Rippe de Mello. A imigração francesa no Rio Grande do Sul (século XIX). In: Revista Historiador, v.7, n.7, jan. 2015, p. 22-28.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A origem social dos imigrantes alemães no Brasil


"Há uma polêmica em torno da origem social dos imigrantes. Teriam eles, em sua maioria, vindo das cidades alemãs, teriam eles, em sua maioria, uma origem camponesa, seriam eles, em sua maioria, colonos pobres e sem recursos?

Alguns autores afirmam que a maior parte dos emigrantes alemães que vieram para o Brasil eram habitantes das cidades (WILLENS, 1980, BREPHOL DE MAGALHÃES, 1993). No entanto, uma pesquisa feita em Santa Catarina (SEYFERTH, 1974) mostra que a maioria desses imigrantes eram camponeses que, tendo deixado o campo, se dirigiram para as cidades, onde foram engrossar o proletariado que a fome, o fracasso das revoluções e as guerras sucessivas acabaram forçando à emigração. Confirmando a tese de SEYFERTH, tem-se a pesquisa realizada para Curitiba que aponta pelo menos até a década de 1890, a origem camponesa de grande parte dos imigrantes alemães. (NADALIN, 1988). Isso significaria que grande parte dos alemães era de origem rural, com uma passagem pelas cidades alemãs. Penso que essa polêmica ainda não está resolvida.

Sabe-se que houve, oficialmente, um incentivo, principalmente para os trabalhadores agrícolas, mas, na realidade, a emigração para o Brasil contou com muitos artesãos dos mais diversos ofícios, técnicos industriais e comerciante com iniciativa própria, assim como com alguns profissionais liberais, como farmacêuticos, médicos, professores e pastores.

A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola não teve somente alcance demográfico, mas, principalmente, econômico, cultural, social e, em certo grau, político. Não teve objetivos meramente agrícolas, acompanhando a fundação de vilas e cidades em suas manifestações mais expressivas, principalmente nas três províncias sulinas e no Espírito Santo."

Fonte: RANZI, Serlei Maria Fischer. Alemães católicos: um estudo comparativo de famílias em Curitiba (1850-1919). Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1996, p. 55-56.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Lebre Branca e o Galo Preto

"Havia um homem muito selvagem que tinha uma devoção de rezar todos os dias um Pai Nosso a S. Francisco. Quando esse homem estava para morrer apareceu-lhe um anjo e disse-lhe: 'Se deres três esmolas avultadas, ainda te salvarás'. Passado algum tempo entrou um velhinho na quinta e os cães não lhe fizeram mal. O guarda quando viu o velhinho dirigiu-se até ele e disse-lhe:

- Como é que entrou aqui sem os cães lhe fazerem nada?

O velho respondeu:

- Eles são mansinhos, fiz-lhe umas festas e eles não me fizeram mal.

O velhinho foi visitar o homem que estava para morrer e pediu-lhe uma esmola, o homem vira-se para o criado e diz-lhe:

- Dá-lhe cinquenta alqueires de milho.

- Mas ele não trás saco - diz o criado para o patrão.

- Dá-lhe um saco dos melhores para levar o milho.

- Também não te como transportá-lo - diz o criado.

- Então põe o milho na carroça e vai levá-lo a casa.

O criado assim fez tudo e lá mais o velhinho. Quando já iam a caminho ouviram o sino da igreja tocar. O homem que tinha dado as esmolas ao velhinho já tinha falecido. Nisto passou-lhes por perto uma lebre branca a fugir de um galo preto. O velhinho vira-se para o criado e diz-lhe:

'O teu patrão já morreu, e a lebre branca, que passou, significa que ele se salvou, o galo preto era o inimigo que vinha a correr atrás dele, mas não o apanhou. Aquele que fizer o bem já neste mundo se salvará e tu meu amigo podes levar o milho que eu não preciso' - e dito isto desaparece.

O velhinho, a quem o homem deu a esmola e com quem o criado falou era o Santo a quem o homem rezava todos os dias um Pai Nosso.

Recolha efectuada em Caféde - Concelho de Castelo Branco."

Fonte: MOURA, José Carlos Duarte. Contos, mitos e lendas da Beira. Coimbra/Portugal: A Ar Arte/Associação Cultural Outrem, 1996, p. 10.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Imigração no Oeste Paulista


"A designação de Oeste, quando se trata dessa etapa histórica da cafeicultura, tem como referência notória o Vale do Paraíba. Observando o mapa da Província (depois Estado) verificamos que a lavoura que se expande a partir de Campinas se localiza na verdade na região Leste, orientando-se a seguir no sentido Norte. Ou seja, o Oeste histórico corresponde, grosso modo, ao Leste e Nordeste geográfico. Da mesma forma, o Vale do Paraíba, localizado no Sudeste, era chamado de Norte, também em função do direcionamento do café, em marcha progressiva no sentido Sul, a partir da Província do Rio de Janeiro, para depois contornar para o Oeste.

São extremamente abundantes as evidências de uma discrepância do Oeste com respeito a um modelo rigorosamente escravista, decorrente de fatores diversos que, inclusive, aliaram os fazendeiros dessa área a um incipiente processo de urbanização nas fímbrias da lavoura.

Isso, é claro, não interferia no processo de estruturação do quadro de trabalho da própria lavoura, essencialmente escravista. Sem dúvida, tendo iniciado sua expansão depois da extinção do tráfico - portanto numa etapa já adversa à especulação em escravos - a lavoura do Oeste passa a desenvolver uma tendência a reservar o braço escravo para as funções essenciais, empregando o trabalho nacional livre nas tarefas supletivas ou perigosas. Igualmente, multiplicam-se as tentativas para introduzir colonos europeus, o pagamento de cujas passagens era adiantado pelos fazendeiros. Colocados, porém, em fazendas já organizadas em base escravista, onde recebiam uma remuneração pautada pela rentabilidade do trabalho escravo, originavam-se freqüentes conflitos entre proprietários e colonos, que tornavam desvantajoso o sistema.

Em vista disso, a nova lavoura passa a insistir numa solução que lhe permitisse ao mesmo tempo poupar o investimento em escravos e garantir-se um braço barato: a entrada do trabalho semi-servil de cules (coolies, trabalhadores indianos e chineses) à custa dos cofres públicos.

Mas, enquanto fracassam essas tentativas, prossegue no Oeste, o sistemático suprimento de braço escravo, vindo de outras províncias. Por isso, durante a passagem da lei emancipadora de 1871, que encontra a oposição generalizada da lavoura de todo o país, é exponencial a resistência do Centro-Sul, em geral e especialmente do Oeste paulista.

Uma vez promulgada a Lei do Ventre Livre, porém, tendo sido o próprio investimento servil ferido pela depreciação, começam a se esboçar tentativas para dificultar a corrente de tráfico interprovincial, ao mesmo tempo que a administração passa a promover um programa de auxílio à introdução de imigrantes.

A abertura de uma terceira frente cafeeira provoca uma substancial mudança qualitativa na situação, conduzindo ao rompimento dos quadros restritos dessa política imigrantista. Com efeito, a lavoura mais nova do Oeste da Província de São Paulo, desenvolvida depois da lei de 1871 (quando decresce o interesse pelo investimento em escravos), tendia a se organizar na base do trabalho imigrante, e se voltava para as possibilidade propiciadas pelo surto imigratório italiano.

O colono, até então localizado supletivamente em lavouras já constituídas, passaria a ser empregado no cafezal em formação, vendo o seu salário acrescido com o usufruto das terras intercafeeiras. A introdução de imigrantes em famílias permitiria ao fazendeiro obter um suprimento de trabalho suplementar barato, fornecido pelos membros femininos e infantis, enquanto ao colono se tornava possível, através da cooperação da unidade familiar, um melhor aproveitamento das oportunidades de ganho.

Para o sistema funcionar a contento era, entretanto, necessário respeitar a mobilidade do colono, seja entre as fazendas, seja na direção dos núcleos urbanos. Esse fator, obrigando a uma contínua introdução de novos imigrantes, tornaria impraticável o esquema no caso do financiamento das passagens continuar cabendo aos fazendeiros. Além disso, a transferência dessa despesa para os cofres públicos devia influir favoravelmente sobre a oferta de braços, uma vez que o imigrante estaria liberto da necessidade de reembolsar o preço da passagem, vendo acrescida, portanto, a sua remuneração.

Com o sistema do imigrantismo em grande escala, subvencionado pelos cofres públicos, alterava-se radicalmente o enfoque corrente da matéria. Enquanto as administrações provincial e nacional encaravam o problema em termos de uma concessão de auxílios pecuniários aos fazendeiros para a introdução de colonos, a nova lavoura, ao invés, passava a interpretar a imigração subvencionada como alicerce de um abundante mercado de trabalho estrangeiro, que caberia aos poderes públicos proporcionar.

É à área responsável por essa proposta (área essa correspondente à Alta Mogiana), e cujo porta-voz era o líder imigrantista Martinho Prado Júnior, que chamamos de Oeste novo.

Em carta de outubro de 1877, registra Martinho Prado Júnior seu entusiasmo por São Simão e Ribeirão Preto. À vista da terra roxa, exclama: 'Campinas, Limeira, Rio Claro, Araras, Descalvado, Casa Branca, tudo é pequeno, raquítico, insignificante, diante desse incomparável colosso'.

E, de fato, a região constitui-se em novo centro de atração, a ela afluindo, além de fazendeiros de outros pontos da Província, grande número de proprietários provenientes de Minas Gerais. O distrito que Martinho Prado Júnior representa na Assembléia Legislativa Provincial, em 1882, inclui Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca, Ribeirão Preto, São Simão, Cajuru, Batatais, Franca. Casa Branca seria uma espécie de limite entre o Oeste antigo (Campinas, Limeira, Rio Claro, etc.) e o Oeste mais novo, o primeiro centrado em Campinas e o segundo em Ribeirão Preto.

Com os dois Oestes e mais o Vales, configura-se perfeitamente na Província uma constelação constituída de três áreas sócio-econômicas nitidamente distintas."

Fonte: BEIGUELMANN, Paula. A crise do escravismo e a grande imigração. São Paulo: Brasiliense, 3a.ed., 1982, p. 07-11. (Coleção Tudo é História)


sábado, 27 de janeiro de 2018

General José Antônio Mattos Netto - Zeca Netto


"Nasceu por volta de 1854, no atual 5o. subdistrito de Canguçu, no seio da família Mattos, a qual pertencia sua mãe Rafaela Mattos, mulher afeita às lides guerreiras, viúva de dois militares e no terceiro casamento com Florisbelo Neto, veterano farroupilha, irmão do general Antônio Neto. Era sobrinho do Ten. Cel. GN Theófilo de Souza Mattos que comandaria os canguçuenses na Guerra do Paraguai. Nasceu após a guerra contra Oribe e Rosas. Viveu em Canguçu até cinco ano de seu vilamento.

O Rio Grande já vivia o clima de guerra próxima que ocorreria em 1864-70, quando viveu a parte de sua juventude, dos 14 aos 20 anos.

Foi um autêntico campeiro e tapejara (conhecedor dos caminhos) do Rio Grande. 'Gabava-se de ser capaz de ir a cavalo de Camaquã até Montevidéu sem molhar as patas do seu cavalo'. Criou-se entre os Mattos e os Netos, destacados e tradicionais revolucionários do Decênio Heróico.

Sobre sua vida e obra, além do que já abordamos ao tratarmos da Revolução de 23, em Canguçu, dele escreveu nosso ilustre confrade Arthur Ferreira Filho e veterano dessa revolução do lado governista:

'José Antônio Neto, sobrinho do farroupilha general Antônio de Souza Neto, era abastado fazendeiro no município de Camaquã.'

Na Revolução de 93 comandou um corpo de patriotas castilhistas no posto de tenente coronel. Mais tarde rompeu com o chefe de seu Partido, sendo em 1923 dos primeiros a sair a campo contra o Governo de Borges de Medeiros. Sua coluna que se chamou '4a. Divisão do Exército Libertador', ficou famosa pela rapidez de movimentos com que, em parte, supria a deficiência de material bélico. E graças à grande mobilidade que imprimiu à sua tropa, logrou furtar-se a encontros decisivos com os coronéis Hipólito Ribeiro (filho) e Francelino Meireles que tenazmente o perseguiam.

Bateu-se vantajosamente no Passo do Mendonça, contra o coronel José Lucas Martins, conseguindo livrar-se do cerco que lhe preparava a Brigada Juvêncio de Lemos. Sempre perseguido de perto, o caudilho cruzou durante meses a região de suas proezas, Camaquã, S. Jerônimo, Canguçu, Encruzilhada, Pinheiro Machado, Pelotas, sem nunca de deixar surpreender.

Apenas uma vez, reprimido por Hipólito Ribeiro, viu-se obrigado a lutar em condições desfavoráveis, em Canguçu Velho, sujeitando-se a séria derrota.

Ali perdeu muitas praças e vários oficiais, escapando-se ele próprio a duras penas. Foi quase ao findar da Revolução que Zeca Neto realizou sua maior façanha. Surpreendeu e tomou a cidade de Pelotas, ocupando-a quase totalmente, por algumas horas, não obstante a valorosa resistência oposta pela pequena guarnição republicana. A ocupação de Pelotas não foi propriamente uma vitória militar, não apenas pela desproporção numérica, entre as forças atacadas, como porque fora incompleta e efêmera. A ocupação não alcançou toda a área da cidade, não conseguiu silenciar a totalidade dos pontos de resistência, e durou umas poucas horas, somente.

Mas fora, inegavelmente, um feito útil à Revolução, tanto pela repercussão política favorável, como porque, na rica cidade sulina, onde o caudilho contava com inúmeros simpatizantes, fácil lhe fora se abastecer dos víveres e munições de que carecia com premência.

Ademais, o fato de conseguir atacar a segunda cidade do Estado, sem que a Brigada Juvêncio de Lemos, o impedisse, deve ser levado a crédito de Zeca Neto, velho caudilho de setenta e dois anos, que assim dava provas de uma capacidade de agir e movimentar tropas que só deveria esperar de um fogoso guerreiro de trinta anos. Houve um momento, na Revolução de 1923, em que Zeca Neto, numa de suas meteóricas incursões, chegou a estar à vista da Capital do Estado, na atual cidade de Guaíba, naquele tempo chamada Pedras Brancas.

Registrou-se, então, considerável susto popular em Porto Alegre. As famílias recolheram-se ante a expectativa de um combate. Os estrategistas de cafés revisavam seus cálculos, enquanto os boatos de todas as cores fervilhavam nas ruas.

O velho Largo dos Medeiros manteve seu prestígio, fazendo-se o centro das informações alarmantes.

Já alguns governistas cumprimentavam com mal disfarçada subserviência, certos figurões da oposição, como quem aplaina o terreno para o futuro incerto.

Aníbal estava às portas de Roma.

Entretanto, a aproximação de Zeca Neto era de todo inofensivo, pois, mesmo que não houvesse o rio Guaíba pelo meio, restaria ainda a circunstância decisiva de não possuir o caudilho a menor condição material para atacar uma cidade bem guarnecida, como se achava Porto Alegre naquela ocasião.

Nem Zeca Neto pretenderia mais do que se mostrar à sede do Governo para efeito de prestígio e propaganda. Feita a paz de Pedras Altas, (14-12-1923), Neto voltou às atividades de fazendeiro, dedicando-se também ao aliciamento eleitoral para as fileiras da oposição. Mas, em face de novo surto de rebeldia no Estado, em 1926, não se conteve. Emigrou para o território uruguaio e lá reuniu apreciável grupo de companheiros à frente dos quais cruzou, de regresso, a fronteira rio-grandense, invadindo o Estado em tropel de guerra. Estava, então, com setenta e cinco anos de idade. Seu vigor físico era ainda perfeito, podendo, como demonstrou, montar a cavalo sem se utilizar dos estribos, mas já não encontrou ambiente para repetir as façanhas anteriores. Companheiros de valor, como Dario Crespo e outros da passada campanha, desta vez, não o quiseram acompanhar, e o caudilho se deixou cercar por indivíduos tais como João Castelhano, de tenebrosa memória. À sombra do nome caudilho foram praticados crimes repulsivos, como o degolamento do delegado de polícia de S. Sepé, Capitão da Brigada Militar, homem benquisto por gregos e troianos naquela cidade.

Zeca Neto já não podia conter os impulsos inferiores de seus comandados.

Essa campanha felizmente durou pouco. Depois de algumas escaramuças, o caudilho foi derrotado pelo coronel Hipólito Ribeiro e perseguido, sem quartel, pelo comandante de vanguarda do 'Destacamento Hipólito', tenente coronel Delfino Silveira, sendo obrigado a regressar à República vizinha, desanimado e sem condições para tentar novas aventuras.

Zeca Neto que era homem educado, de feitio aristocrático, gostando de trajar com elegância, deixara crescer a barba, prometendo não a raspar enquanto Borges de Medeiros estivesse no Governo.

Cumpriu a curiosa promessa, mas, para isso, teve que esperar até 1928, quando o estadista republicano venceu o último qüinqüênio.

Com a barba longa e grisalha, um tanto hirsuta, o caudilho apresentava não o aspecto de um bondoso avô, ou de um velho homem da ciência, mas o de um sanhudo veterano da Guerra do Paraguai.

Após a Revolução Constitucionalista, emergência em que o caudilho libertador ficou solidário com a ditadura de Getúlio Vargas, veio a exercer um lugar de direção no partido fundado e chefiado por Flôres da Cunha.

Como o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo, extinguindo os partidos políticos e proibindo qualquer atividade partidária, afastou-se para sempre da vida pública.

Viveu muito ainda. Conservou até o fim uma rara fortaleza de ânimo e acentuado espírito de luta.

Com mais de noventa anos, ainda exercitava, diariamente, no tiro ao alvo.

Aos que manifestavam estranheza, ante o treinamento bélico do general nonagenário, ele respondia com visível convicção:

'Ninguém sabe o que nos reserva o dia de amanhã."

Nota: Zeca Netto faleceu em 1947.

Fonte: BENTO, Cláudio Moreira. Canguçu reencontro com a História: um exemplo de reconstituição de memória comunitária. Barra Mansa/RJ: ACANDHIS/Gráfica e Editora Irmãos Drummond Ltda., 2007, 2a. ed., p. 267-271


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A invasão paraguaia no Rio Grande do Sul em 1865


"O plano original de Solano López foi mantido, sobretudo, no que se refere à invasão ao Rio Grande do Sul, mesmo com a destruição da marinha paraguaia no arroio Riachuelo. Em 10 de junho de 1865, aproximadamente 12 mil soldados paraguaios, comandados pelo tenente coronel Antonio de La Cruz Estigarribia, invadiram a província sulina.

No Rio Grande do Sul, o Império dispunha de 14.000 homens que, sob as ordens dos generais David Canabarro e João Frederico Caldwell, fizeram uma ineficiente resistência. Mesmo com essa relativa facilidade, boa parte dos soldados paraguaios não estariam plenamente alinhados com a operação. O historiador Wagner Jardim abordou sobre esse episódio:

Em 10 de junho de 1885, ao ingressarem em território brasileiro, é crível que morrer em combate era a última coisa que boa parte daquele Exército queria. São muitos os registros da falta de combatividade, de fuga ao confronto ou mesmo da rendição sem dar luta. Parte do Exército estava comprometida com as ordens de López, no entanto, os descontentes não seriam poucos.

Uma das forças, cerca de 3.000 homens comandados pelo major Pedro Duarte, ficou na outra margem do rio Uruguai para acompanhar o avanço da coluna maior do outro lado do rio; a outra, aproximadamente 7.500 combatentes sob a responsabilidade de Estigarribia, entrou no Rio Grande do Sul e partiria para o sul, costeando as águas do rio Uruguai.

O objetivo estratégico de Solano López ao invadir o Rio Grande do Sul era avançar até as proximidades de Porto Alegre, conquistar uma grande vitória e forçar um tratado de paz. Esperava igualmente conseguir mantimentos para abastecer seu Exército e, ao liberar o saque, pretendia consolidar o apoio às suas forças na guerra, já que a impopularidade do conflito era crescente.

A invasão do Rio Grande do Sul em São Borja iniciava o ataque ao Brasil em região de significativa povoação guarani e importantes manadas de gado vacum e cavalar, transportadas para o Paraguai. Ela teria como objetivo tático a destruição das forças de defesa da fronteira oeste, sob o comando geral do brigadeiro David Canabarro (1796-1867) e do comandante de armas da província sulina, o tenente-geral João Frederico Caldwell.

O cônego francês João Pedro Gay, testemunha ocular da invasão à vila de São Borja descreveu a reação da população da localidade com a investida paraguaia:

Seus habitantes, alguns em carretas, vários a cavalo, quase todos a pé se retiraram, quase unicamente com a roupa do corpo, abandonando suas casas, seus trastes e tudo que aí possuíam, julgando-se felizes de não caírem prisioneiros e de salvarem suas vidas. O desejo de cuidar do salvamento das principais alfaias da igreja, dos livros paroquiais e de alguns papéis manuscritos meus de importância, me fez, apesar do perigo, demorar minha retirada. Já choviam balas dentro da vila, já havia rebentado uma bomba ao lado da minha casa, quando já muito tempo depois do meio dia o Sr. Lacerda, juiz municipal, e o Sr. Marcos de Azambuja, encarregado do fornecimento das tropas de São Borja, penetraram no aposento em que me achava e, me conduzindo ambos por um braço, me obrigaram a montar a cavalo e a me retirar, sendo um dos últimos a fazê-lo.

A respeito dos saques na região, o conêgo Gay relatou:

No dia 16 [junho] de manhã e bem cedo chegou a expedição paraguaia à casa de D. Ana Joaquina Lopes de Almeida, viúva do Capitão Fabiano Pires de Almeida, a 7 léguas de São Borja. A casa, como todas aquelas que esta força encontrou na sua passagem, como a do Sr. Coronel Lago, do Tenente João Machado de Almeida e outros, foi completamente saqueada; e os trastes, quase todos quebrados, foram espalhados por baixo das laranjeiras, pela estrada e pelo campo.

As condições climáticas e geográficas da fronteira oeste do Brasil trouxeram inúmeras dificuldades para os soldados que combatiam. O rigoroso e chuvoso inverno de 1865, com temperaturas negativas inclusive, causou baixas nos soldados aliancistas e paraguaios. O militar Dionísio Cerqueira registrou o drama dos soldados sobretudo oriundos do norte do Brasil:

Os recrutas recém-chegados do norte do Brasil, não habituados aos rigores do inverno, excepcionalmente frio no ano de 1865, baixaram aos hospitais em grande número; e as fileiras rarefaziam-se rapidamente. Lembro-me de um luzido batalhão de voluntários paraenses que desapareceu vitimado pela brusca troca de clima cálido de sua terra pelo frio intenso de São Francisco e, provavelmente também, pela mudança de alimentação, quase exclusiva de carne muito gorda com a qual não estavam habituados. A disenteria, flagelo dos Exércitos em campanha, grassava intensamente e fazia inúmeras vítimas.

Na operação paraguaia, as tropas permaneceram alguns dias em São Borja, partindo para a vila de Itaque no final de junho daquele ano, sempre costeando as águas do rio. Entretanto, as instruções do Mariscal não foram seguidas:

O Exército comandado por Estigarribia e Duarte dirigiu-se para Itaqui, onde saquearam moradias e casas comerciais. As ordens de Solano López eram para que esperassem naquela localização suas instruções, já que possivelmente pretendia que marchassem para Alegrete. Descumprindo essas instruções, a coluna seguiu para Uruguaiana, onde entraram, em 5 de agosto, sempre acompanhada, na outra margem, por Pedro Duarte e seus homens, como observadores em maiores detalhes a seguir.

Em outro descumprimento das instruções de López, que havia ordenado, a seguir, apenas o abastecimento das tropas com víveres em Uruguaiana, os homens de Estibarribia, em virtude da parca defesa Imperial feita pelo comandante David Canabarro e o quase abandono da localidade pela população, acamparam no interior da vila:

As tropas paraguais, com fartura de alimento, 'esqueceram-se' das ordens de Solano López e novamente acamparam dentro da vila, uma decisão capital para o destino dos invasores. Após a ocupação da vila, a situação dos paraguaios sitiados começou a comprometer-se. Eram cerca de 7.000 homens para serem alimentados e, aos poucos, os provimentos escassearam, obrigando que matassem 'os bois de suas carretas, os cavalos de suas montarias' para alimentarem-se. Uma situação que tendia a agravar-se dia após dia, caso não chegasse o apoio esperado do Paraguai.

Os soldados aliancistas estavam reunidos na província argentina de Entre Rios, desde junho, na presença do comandante em chefe Bartolomeu Mitre que organizou a reação aos paraguaios. Poucos dias depois chegou o general Flores, com 6.000 homens, metade dos quais eram brasileiros. As forças argentinas também se iam reunindo ali, gradualmente. O general Osório, comandante dos brasileiros, já se encontrava lá, e as tropas brasileiras chegavam continuamente.

(...)

Logo após a vitória dos aliancistas em Yatay, começou as correspondências para negociair a rendição paraguaia em Uruguaiana. Porém, em um primeiro momento, o comandante Estigarribia preferiu morrer em combate que se render. Chegou a organizar uma falsa saída da vila, mas recuou e retornou a Uruguaiana.

Neste dia [19 de agosto], Estigarribia comandou saída de suas forças da cidade em direção à estrada de Itaqui. Foram, no entanto, interceptados pelas precárias forças de David Canabarro, que se encontrava às margens do arroio Imbaá, a cerca de dez quilômetros da cidade. Antonio Estigarribia, que na correspondência aos chefes aliancistas jurava vontade de combater ao invés de se render, voltou a Uruguaiana sem dar combate, jamais verdadeiramente perseguido por Canabarro.

Em Uruguaiana, os aliancistas contavam com aproximadamente 17.000 combatentes entre as três armas; já os paraguaios com cerca de seis mil homens, se encontravam em dificuldades, cercados, tanto por terra como pelo rio. Eles estavam divididos entre render-se ou resistir. As propostas dos aliancistas de rendição chegavam em correspondências seguidamente, sobretudo dos chefes superiores aliancistas e de grupo de legendários paraguaios que faziam oposição ao governo de Solano López de Buenos Aires.

Mais tarde, o comandante Francisco Isidoro Resquín registrou uma dessas correspondências negociando as condições de rendição:

Al siguiente dia [12 de setembro] volvió a intimársele la rendición proponiéndosele a la vez innumerables ventajas, antes de un derramamiento de sangre que seria estéril ante el poder de los aliados. Esta propuesta fue dirigida al comandante Estigarribia por conducto de Juan Francisco Decoud, uno de los jefes del comité revolucionario que como hems dicho funcionaba en la ciudad de Buenos Aires pos algunos paraguayos que se pronunciaron contra el gobierno de su pátria a favor de los intereses de la Tripli Alianza.

O comandante em chefe do Exército aliado Bartolomeu Mitre e Pedro II chegaram a Uruguaiana quando as negociações de rendição já estavam avançadas. A presença de Dom Pedro tem uma representação política e militar singular, pois ele se auto-intitulava o 'voluntário da Pátria número um'.

Em 18 de setembro de 1865, depos de negociar a rendição, as forças paraguaias, já abatidas e sem disposição para guerrear, se renderam. Foram feitos prisioneiros 5.545 militares paraguaios, sendo 59 oficiais, divididos entre os aliados."

Fonte: COUTO, Mateus de Oliveira. Tribunais de Guerra: castigos e punições nas forças imperiais durante a Campanha contra o Paraguai (1864-70). Tese de Doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, PUC/RS, 2016, p. 79-83


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Álvaro José Gonçalves Chaves


Por Fernando Osório

"Nasceu em Pelotas, a 13 de setembro de 1861. Ramo pujante de uma árvore genealógica de vigorosa seiva. De seu ilustrado avô, Antonio José Gonçalves Chaves, de quem, por vêzes, se falou neste ensaio, e de seu pai o Dr. Antônio José Gonçalves Chaves (a cuja memória ilustre foi dada à antiga Rua Jatahy, como homenagem, a denominação - Gonçalves Chaves) herdou nobilíssimas faculdades de trabalho, de espírito e de caráter. 

Formado em Direito pela Faculdade de S. Paulo, em 1883, e lançado na vida pública, o talento forte e singular do jovem pelotense procurou dar forma ao seu ideal de liberdade e humanidade. Nestas condições, foi o fundador do Clube Republicano 20 de Setembro e redator-chefe de 'A República', de S. Paulo; um dos organizadores do Partido Republicano Pelotense, e um dos mais generosos e extremados propagandistas da abolição da escravatura. 

Promotor e membro da comissão que, em 1888, erigiu a Coluna Domingos de Almeida, no Areal, em Pelotas (Costa), considerada o primeiro monumento publicamente, no Brasil, consagrado ao ideal republicano, no regime monárquico. Foi um dos fundadores e redatores de 'A Federação'. Ao lado de Saldanha Marinho foi o verdadeiro reorganizador do Partido Republicano do Rio de Janeiro. Aí, em 20 de agôsto de 1885 fundou, ao lado de seus irmãos, os ilustres Drs. Bruno e José Chaves e de Romaguêra Corrêa, o Clube Republicano Sul-Rio-Grandense, que ao depois foi um dos melhores esteios do abolicionismo, e logo a 'Revista Federal', órgão doutrinário, que sustentou-se cêrca de dois anos.

Excursionou pelo Paraná e pelo interior do Rio Grande levantando a orientação republicana. Achando-se doente, seguiu para a Europa, e em Paris, teve a notícia da proclamação da República no Brasil, e regressou, vindo pela Espanha. Realizou, então, em Madrid, sob auspícios do notável Py y Margall, uma conferência política, memorável.

Recolheu-se ao lar e quando sua capacidade ia ser chamada para a colaboração junto ao novo regime, aqui faleceu em 22 de fevereiro de 1890. Prestou serviços a Pelotas; ainda persiste na lembrança dos contemporâneos o brilho de suas conferências políticas. Morreu muito moço, como se vê, mas teve a felicidade de ver, pouco antes de cerrar os olhos para sempre, realizados os seus sonhos: a abolição da escravatura negra, pela Lei de 13 de maio de 1888 e a redenção dos escravos brancos pela proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Foi uma das mais risonhas esperanças que já floresceram em terras do Rio Grande."

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Feijão de Bolanta do Passo das Pedras


Bolanta é um tipo de habitação móvel encontrada no Rio Grande do Sul, que se assemelha a uma casa de madeira com rodas. Serve como abrigo a trabalhadores rurais (peões) que necessitam se deslocar de um lugar para outro em grandes distâncias. Essa receita recolhida oralmente foi encontrada junto a um "bolanteiro" da localidade de Passo das Pedras, município de Capão do Leão, Rio Grande do Sul. Preferencialmente, é um prato de inverno.

Ingredientes:

Feijão preto (o quanto baste, normalmente a quantidade normal para uma refeição)

Cebola (o quanto baste)

Alho (o quanto baste, mas não demais para não ficar marcado o sabor)

Pimentão (o quanto baste)

Caldo instantâneo de sua preferência

Um pedaço médio de bacon

Abóbora (o quanto baste)

Carne de ovelha assada (o quanto baste)

Sal a gosto

Preparo:

Após deixar o feijão de molho por umas duas horas, inicie o processo normal de cozimento na panela de pressão do feijão temperado somente com sal e alho picado, coberto com água.

Depois de 15 minutos após o início da fervura, retire o feijão do fogo e junte a cebola, o pimentão e o bacon picados ao feijão mais um cubo do caldo de sua preferência. Retorne ao fogo e acrescente um pouco mais de água.

Corte a abóbora em pequenos cubos. Pegue o pedaço de carne de ovelha assada e igualmente corte em pequenos pedaços de sua preferência. Junte a abóbora e o carne de ovelha em picadinho ao feijão. Espere ferver mais uns 15 minutos e está pronto.

O "Feijão de Bolanta" fica melhor acompanhado com uma boa pimenta e pão-d'água (pão francês).

Obs.: recomenda-se usar um pedaço de carne de ovelha relativamente "magro" para não tornar a receita muito gordurosa.




terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Conselheiro Francisco Carlos de Araújo Brusque


Por Fernando Osório

"Nasceu esse ilustre rio-grandense em Porto Alegre, a 24 de maio de 1822, filho do Cel. Francisco Vicente Brusque e Exma. D. Delfina de Araújo Brusque. Formou-se na Academia de Direito de S. Paulo, em 1845. Sendo estudante, tomou parte na revolução liberal da Província de Minas.Serviu, como auditor de guerra, com o posto de major, na campanha cisplatina de 1852, sendo condecorado. 

Foi Presidente da Província do Pará, de 1863 a 1864, opondo-se, à mão armada, contra a invasão nas águas do Amazonas de duas corvetas de guerra do Peru. O fato deu-se no referido ano de 1863. Os vapores de guerra peruanos chamavam-se Morona e Pastora. Era comandante dessa quadrilha o Comandante Ferreiros. O Morona veio preso e rebocado até Belém, pela esquadrilha ao mando do chefe da esquadra Parker e o Pastora ficou arrombado e encalhado em frente à velha fortaleza de Óbidos. Trocados os necessários entendimentos entre os ministros do Brasil e Peru, foi em 23 de abril considerado terminado o incidente entre os dois, e comunicado isso à Presidência do Pará. Em consequência, partiu o vapor Morona do porto de Belém para o Peru a 12 de junho do mesmo ano e, ao frontear a fortaleza de Óbidos, parou, e salvou-a com 21 tiros, salva que foi correspondida. Pouco depois, consertado o Pastora salvou a fortaleza e seguiu o mesmo destino de seu companheiro. As conferências com o representante do Peru no Rio foram a 15 e 22 de janeiro de 1863. Os navios peruanos desatenderam às intimações feitas em Gurupá e Óbidos para pararem e, por último, resistiram à bala em Óbidos, sendo então alvejados pela fortaleza de Óbidos, que conseguiu afundar um e estragar o outro. Por essa ocasião, o Dr. Brusque foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Leão de Ouro da Holanda. Era também o eminente conselheiro - oficial de Cristo e da Rosa (Brasil).

Exerceu a Presidência da Província de Santa Catarina de 1862 a 1863. Deixou a Presidência do Pará (dezembro, 1864) por ter sido eleito deputado geral pelo Amazonas. Foi, ainda, deputado pelo Rio Grande do Sul em quatro legislaturas e deputado provincial - militando, até 1874, na política liberal. Na tribuna, de uma e outra casa, pôs em acentuado relevo seu formoso talento, iluminado pelas irradiações de vasto saber... 'Quando orava' era um encanto ouvi-lo; o auditório ficava preso à sua palavra arrebatadora.

Pouco antes da Guerra do Paraguai, ocupou a pasta da Marinha (1864-1865), tomando o mais vivo interesse pelos deveres inerentes a esse cargo. Não transitou por ali sem deixar um traço luminoso da sua passagem rápida, mas proveitosa. Quando ele abandonou o ministério, a imprensa carioca teceu os mais rasgados elogios à sua administração, que só se inspirou no bem público. 

E foi uma figura obrigada, durante certo tempo nas assembleias do passado do Rio Grande, em cujo recinto se enfileiravam os homens mais ilustres de nossa terra pelo saber, pelas virtudes ou cheios de serviços à pátria. Aquela velha casa, onde se reuniam os nossos representantes, no seu modesto interior, apresentava o aspecto venerando de um cenáculo. Não parecia uma assembleia de homens, parecia antes uma assembleia de deuses. E o Dr. Araújo Brusque ocupou, sempre, aí, um lugar de destaque.

Em Pelotas, a 12 de dezembro de 1882, celebrando a formatura de seu filho Francisco, fê-lo entregar cartas de liberdade a seus escravos. Faleceu, nesta cidade, a 23 de setembro de 1886, com 64 anos. Honram-lhe o nome seus dignos descendentes."

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A Laguna dos Patos por Hermann von Ihering


"É conhecido que a Província do Rio Grande do Sul possui os maiores lagos brasileiros na Lagoa dos Patos e na Lagoa Mirim, que se comunicam. Há muito pretendia submeter estas lagoas a um estudo pormenorizado, principalmente, a respeito de sua fauna, pois, pelo que sei, isto ainda não foi feito e tive oportunidade de fazê-lo no ano de 1884, quando me alojei na cidade de Rio Grande, e tinha vivido durante época em Pedras Brancas, no Guaíba, em frente de Pôrto Alegre, e pude estudar o afluente principal da Lagoa dos Patos, o majestoso Rio Guaíba e que lá tem caráter de lago e, muitas vêzes, é chamado de Lagoa de Viamão. Apesar de, como já disse, minhas pesquisas visarem, principalmente, fins faunísticos, resultou também tão interessante em sentido geográfico e, até agora, desconhecido que os seguintes comentários me parecem justificados.

Os dados gerais a respeito da posição, extensão e afluentes dêstes lagos podem ser obtidos, fácilmente, em algum compêndio geográfico, como por exemplo, Wappaeus: Manual do Brasil. Por conseguinte abstenho-me de repetir êstes dados conhecidos e relatarei em traços gerais, sómente, os aspectos mais importantes. Em sentido hidrográfico, a Província do Rio Grande do Sul se divide em duas regiões: uma ocidental e a outra oriental, se não considerarmos alguns rios menores que deságuam diretamente no mar. A região ocidental é representada pelo Rio Uruguai; a oriental por ambas as lagoas e seus afluentes. A Lagoa Mirim é a menor, o que já indica seu nome (mirim=pequeno) e não recebe rios consideráveis. O mais importante dêstes é o Rio Jaguarão, navegável para embarcações de pequeno porte até a cidade do mesmo nome. Esta lagoa está em comunicação com a Lagoa dos Patos por meio de um canal semelhante a um rio, o São Gonçalo, cuja parte inicial é denominada de Sangradouro. A Lagoa dos Patos recebe em sua margem ocidental, as águas que descem da Serra dos Tapes e da Serra do Herval e, entre os rios o Camaquã é o mais forte; e continua, a partir da Ponta de Itapoã, no Rio Guaíba, o qual, por sua vez, é formado pela confluência dos rios Jacuí, Caí, dos Sinos e Gravataí. Tôda a quantidade de água se junta na Lagoa dos Patos, que está em comunicação com o Oceano, sómente, através de uma saída curta e estreita, o Canal do Norte.

Êste, inicialmente, era considerado rio e, por isso, a cidade recebeu o nome de Rio Grande. Os bancos de areia que se encontram na desembocadura dêste canal, formam a mal afamada Barra do Rio Grande. (...)

A Lagoa dos Patos não deve seu nome, como muitas vêzes parece, aos patos grandes (Cairina moschata L.) que são muito raros e não ocorrem absolutamente, perto de Rio Grande, mas, aos índios da Tribo dos Patos que, antigamente, moravam nesta região. (...)

(...)

O Canal do Norte constitui um raro fenômeno por ser a única saída para o despêjo de massa total de água duma área enorme, sem no entanto possuir correnteza constante. Isto se pode compreender sómente, lembrando-se que o nível da Lagoa não difere, ou difere muito pouco do nível do oceano e que as correntezas, por conseguinte, são únicamente, expressão de equilíbrio de diferenças de nível, causadas pelo vento. Esta influencia do vento não se constata sómente na Lagoa dos Patos, mas também no Guaíba onde observei êste fato na desembocadura do Rio Passo Fundo, perto de Pedras Brancas. Lá tirei muitas vêzes do solo lodoso as grandes conchas que permaneceram ao recuar rápido da água em lugares onde no dia anterior, a água tinha ainda profundidade de 20 até 30 cm. Na desembocadura do Rio São Lourenço, na Lagoa dos Patos, a influência do vento exercida sôbre a altura do nível da água também é tão grande que a possibilidade de passagem da barra é determinada essencialmente pela direção do vento. A Barra é rasa e o Rio São Lourenço é navegável sómente por 2 ou 3km. Quando passei a Barra recentemente, de veleiro, vindo de Rio Grande, a profundidade do canal de navegação estava apenas a 4 palmos. Esta podia ainda ser superada, arrastando-se o navio pela âncora através do banco de areia. No dia seguinte, com a profundidade de 3 ou 3 e meio palmos isto não mais seria possível. Pelo fato que, neste ponto, não ocorre sedimentação forte, correnteza, etc., seria fácil aprofundar um canal de navegação por dragagem e que, provávelmente, se conservaria durante muitos anos. Atualmente, o Govêrno pretende mandar fazer êste trabalho útil com draga.

(...)

Compreende-se que tais transformações não podem deixar de influir na vida faunística da lagoa. Não existe regra geral sôbre a relação dos animais aquáticos para com a composição química da água; geralmente os animais, habituados a determinada composição da água, toleram dificilmente alterações consideráveis da mesma. Nunca se pode manter, em sua maioria, vivas: mães-d'água, estrêlas-do-mar, etc.; na mesma água doce dos carangueijos, caracóis, conchas, etc perecem rápidamente, transportados à água do mar. Outros animais toleram alterações mais ou menos acentuadas de salinidade, tais como certos peixes do mar, que descem nos rios, ou seja os que vivem nos estuários. Segundo Moebius, chamam-se 'eurialinos' os animais que toleram consideráveis oscilações da salinidade, e 'estenoalinos', aquêles que pouco toleram estas oscilações. Mas, deve ficar constatato que as variações constante dentro de tôda a escala da água doce até à água marinha de quase 4%, são toleradas por poucos animais, com exceção de alguns peixes. Por conseguinte, não é milagre, que a fauna do estuário de Rio Grande seja tão extraordináriamente pobre. Crustáceos maiores ocorrem únicamente: Helice granulata, uma espécie de Lupe e Palaemon brasiliensis, regularmente, em maior número; no verão, ocorre ademais Penaeus brasiliensis Latr., o saboroso camarão. Tôda a fauna de moluscos é reduzida a duas conchas - Solecurtus platensis e Corbula (Azara) labiata - e um caracol ínfimo, Hidrobia australis.

Os últimos se encontram em milhões. As margens das baías mais rasas em volta de Rio Grande são revestidas por espessas massas de Confervales, Ulva e uma espécie de Zostera marítima. Nesta massa de plantas ocorre, freqüentemente, a Hydrobia; ademais, se encontram alguns crustáceos menores, uma Bryozoa e algumas Infusoria e grandes colônias de Epistylis. Não ocorrem vermes, lesmas, nem se fala de Echinoderma, naturalmente.

O número de peixes é limitado apesar de certas espécies ocorrerem em tais quantidades que a pesca é fonte de renda considerável da população. Jenynsia lineata e Girardinus decemmaculatus se encontram em tôda a parte e em grandes quantidades; mais raro, Cyprinodontae. De peixes maiores e comestíveis se encontram os seguintes, durante todo o ano e não dependem diretamente, ou pelo menos em menor grau, de salinidade: Lobotes auctorum Gthr., chamadao Breixereive; Pogonias chromis L., chamado Miraguaia; Pogonias fasciatus Lac., chamado de Burriquete; Umbrina sp. (martinicensis C.V.), chamado Papa Terra; Sciaena aduata Ag., chamada Corvina e Cascudo; Ancylodon jaculidens C.V., chamada Pescadinha; Atherinichthys C.V., chamada Peixe-rei; Mugil lizza C.V., chamada Tainha; Pseudorhombus vorax (?), chamado Linguado; Arius Commersonii Lac., chamado Bagre; Clupea aurea Ag., chamado Javelha.

São êstes os peixes mais freqüentemente representados no mercado de Rio Grande e que aparecem quase diáriamente em enormes quantidades, principalmente os maiores (Cascudo ou Corvina). Outros, como Bagres, escasseiam no verão, pois nessa estação permanecem na Lagoa dos Patos ou no Guaíba. Corvina, Tainha, Peixe-rei e Linguado são, provávelmente, os peixes melhor adaptados à vida no Canal. Outros, por exemplo a gigantesca Miraguaia, vivem sómente nas proximidades da Barra e apenas entram mais quando a água do mar se introduz e penetra duradoura e profundamente. Esta Miraguaia é idêntica ao Trommler da costa oriental da América do Norte, peixe comercialmente muito apreciado por lá e cuja propagação até a América do Sul, talvez com exceção da própriamente tropical é tão pouco conhecida como a dos Lobotes, tão apreciados. Peixes menos freqüentes são os que entram sómente no auge do verão com a água marinha, parcialmente são espécies mais conhecidas, provenientes do Rio de Janeiro ou outros lugares da costa brasileira, parcialmente também vivem na desembocadura do Rio de La Plata.

Ao todo encontram-se, entre as 40 espécies de peixes do Rio Grande, 10, isto é, cêrca de 25%, que também ocorrem no estuário La Plata. Com conhecimentos mais pormenorizados dos peixes, esta cifra certamente ainda se elevará, pois, a fauna do estuário La Plata ainda não foi estudada, tão pormenorizadamente, como a fauna de Rio Grande. Para a última, as minhas verificações, que relatarei mais detalhadamente noutro lugar, podem ser consideradas completas, pois as demais espécies não por mim observadas, são peixes marinhos que sómente entram ocasionalmente, no verão, enquanto os habitantes permanentes do estuário em traços gerais, é mais conhecida que a fauna de peixes dos rios que desembocam na Lagoa.

A Tartaruga aparece, às vêzes, a Thalassochelys caretta (Linn.) no mercado, onde é vendida muito cara como iguaria (cêrca de 25-30 marcos). Na água salobre vive, ademais Platemys Hilarii L.B., que recebi também procedente do Rio Jaguarão, enquanto nos afluentes ocidentais da Lagoa dos Patos se encontra Hydromedusa Maximilianii Fitz. Os mamíferos do estuário do Rio Grande são sómente dois tipos de golfinhos, Stenodelphia Blainvillei e que parece precisar de água do mar, e um golfinho muito grande provávelmente Delphinus cymodoce Gray, que não pude captar; sómente seu crânio me serviu de indicação.


Enquanto a fauna própria do estuário de Rio Grande pode ser denominada escassa, devido às condições desfavoráveis a qualquer vida animal, a riqueza e variação das aves que alegram o aspecto da paisagem formam um contraste agradável. O número de espécies de patos, galinholas, andorinhas-do-mar, gaivotas, etc. observadas é, de fato, muito grande. Não podemos tratas mais extensamente dêste assunto, mas também devemos ressaltar que entre estas aves constam as duas espécies sul-americanas de cisnes, Cygnus nigricollis, chamado Pato harminho e Cygnus coscoroba, chamado Capororoca. Mais estranhas nesta fauna variada são algumas aves das quais não se sabia, até então, que se encontram na costa brasileira, porque seu 'habitat' é a região ártica; é o pingüim do grupo Spheniscus. Depois de grande tormenta encontrei um exemplar na costa, já morto, mas sei de vários casos, em que êstes foram capturados com vida. Da mesma maneira obtive dos pescadores o Podiceps dominicus Lath., pêgo na rêde, enquanto o mergulhão (Pediceps bicornis Licht.), se pode obter sómente por tiro certeiro, porque, quase sempre, desaparece a cabeça no momento em que se movimenta o gatilho. Chamou-me a atenção que o Phalacroccorax brasilianus (chamado Biguá) não recusa a água salobre como campo de caça.

Em comparação com a escassês do resto da fauna do estuário de Rio Grande a classe de peixes é relativamente bem representada, pois, durante um ano de coleta captei cêrca de 50 espécies. Desta cifra devem ser subtraídos sómente os peixes de água doce, que durante as enchentes, são freqüentemente carregados pela água até Rio Grande, respectivamente, ao mar. Que, de fato, as enchentes são as responsáveis, se conclui das quantidades de plantas, únicamente ocorrentes na água doce, principalmente, Pontederiaceas, o água-pé dos brasileiros, e que flutuam várias vêzes, através do Canal. Um dia fiquei especialmente admirado pela ocorrência de um Pimelodus sapo entre os peixes do mercado. As pesquisa levaram ao resultado que imediatamente antes o Rio São Gonçalo aumentou considerávelmente seu volume por causa das fortes chuvas. No que êstes peixes, durante a vazante, se encontram em água predominantemente doce, são encontrados em estado normal; chegando à água salgada, ficam tontos rápidamente e podem ser capturados fácilmente; mais tarde, pérecem e flutuam mar adentro, ou são lançados à praia. Encontrei, uma vez na praia do Canal, perto de São José do Norte, um Macrodon trahira e soube depois que, freqüentemente, peixes de água doce são lançados à praia.

O que ocorre aqui isoladamente, ocorre em grande escala na Lagoa dos Patos, quando no auge do verão, a água marinha se introduz na Lagoa. Então os peixes da água doce ficam tontos e são coletados em massa pelos barcos. Mas, inúmeros perecem e infestam o mar. Aparentemente os peixes não compreendem de que direção vem a água marinha para poder fugir desta. Assim a natureza aniquila cruelmente, com um golpe, tôda a fauna existente, periódicamente, no que esta não consiste de formas eurialinas. É esta a razão, por que a fauna da Lagoa dos Patos é tão pobre na região média como no Rio Grande. No farol Cristóvão Pereira, na baía de Mostardas, encontram-se únicamente as duas espécies mencionadas de moluscos Corbula e Hydrobia, escassez que contrasta estranhamente com a rica fauna de moluscos do Guaíba, na qual existem numerosas espécies de Anodonta, Unio, Leila, Cyrena, Ampullaria, Chilina, Hydrobia e outras. De carangueijos decápodos encontram-se ainda algumas espécies no Guaíba, também observadas no Rio Grande. Fiquei muito surprêso em encontrar algumas carapaças de Corbula, ornadas de Balanus vivos. Êstes se encontram só excepcionalmente na água doce. Por conseguinte, também em sentido zoológico se observa um contraste nítido entre o Guaíba, que revela em sua fauna, o caráter de seus afluentes e da Lagoa dos Patos. Relação semelhante ocorre entre a Lagoa Mirim e o Rio Jaguarão. Corbula labiata, falta no último, assinala também o caráter peculiar do lago, enquanto se encontram no Rio Jaguarão espécies de Planorbis, Physa e outras, que não ocorrem na Lagoa Mirim pelo menos, em sua metade norte, pois desconheço a outra. Assim, como a água marinha ocasiona o perecimento dos peixes do rio, inversamente, a repentina predominância da água doce pode ser fatal para os peixes marinhos. As miraguaias são especialmente sensíveis neste sentido. Quando estas, na Barra ou na terminação do Canal, se encontram repentinamente na água doce, devido á forte vazante, o efeito é o mesmo anteriormente relatado, com relação aos peixes de água doce.

(...)

A costa da Província é rasa e arenosa; não oferece lugares protegidos aos navegantes, principalmente perto de Rio Grande, razão pela qual não existe pesca regular na costa e os pescadores raras vêzes se aventuram a sair ao mar com suas embarcações frágeis e nunca vão a longa distância da barra. Pratica-se a pesca, especialmente no Canal do Norte até a Barra do Rio Grande, assim como nas baías vizinhas da Lagoa, como por exemplo no Saco da Mangueira, sendo que sempre trabalham vários pescadores em conjunto. Para as espécies mais freqüentes de peixe têm diferentes tipos de rêdes. Recentemente a Câmara Municipal decretou que, na região principal de reprodução, sómente se permite a pesca com rêde de malhas largas. Uma exceção disso é a rêde do camarão, a mais fina de tôdas, mas geralmente só usada na praia, em lugares arenosos e arrastam na terra. As rêdes são fabricadas pelos próprios pescadores, em parte de cânhamo russo (foi da Rússia), outras de fibras nacionais, especialmente tucum - de uma palmeira baixa e espinhosa (Astrocarium vulgaris). Esta ocorre também no Rio Grande, onde antigamente forneceu aos índios a fibra para as cordas de seus arcos, mas atualmente não é mais aproveitada e o tucum, empregado pelos pescadores, vem de Pernambuco. Ademais se empregam na fabricação das rêdes as fibras das fôlhas da Pita,
uma Bromeliácea grande que é freqüente na região norte da costa de Rio Grande. Os pescadores nas povoações pequenas da costa norte da Província, como Tramandaí, Cidreira e outras, como também os pescadores de Santa Catarina, usam para a confecção de rêdes a Pita. As rêdes têm seu nome pela espécie de peixe para a qual são destinadas, por exemplo, rêde de tainha, rêde de cascudo. É interessante que os pescadores já podem julgar de antemão o que quererão e poderão pegar. Em certos casos, por exemplo, nas tainhas, que ocorrem em grandes quantidades em maio, isto se orienta pela estação do ano. A época de pesca de Bagre e Miraguaia é o inverno.

(...)

Rio Grande, 20 de janeiro de 1885."

Fonte: Relatório originalmente publicado no periódico Deutsche Geographische Blätter, vol. VIII, fascículo 2, Bremen, Alemanha, 1885, pp. 164-203 sob o título "Die Lagoa dos Patos".

A tradução para o português foi feita por Luise H.G. Körner e reproduzida na revista "Organon"