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domingo, 14 de agosto de 2016

A matriz urbana inicial da cidade de Pelotas

Mercado Público de Pelotas
link original desta imagem: http://olhares.sapo.pt/torreao-do-mercado-publico-de-pelotas-foto1884044.html

Trecho extraído de: SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. A cidade meridional do Rio Grande do Sul: cidade pampeana ou brasileira. Doutorando em Geografia Humana na Universidade de Barcelona/Espanha. (Artigo)

"O tabuleiro de xadrez na Campanha

Em  seu  traçado  inicial,  cidade  de  Pelotas  estava  delimitada  pelos  acidentes geográficos do terreno. Discorrendo sobre a formação da cidade brasileira, o arquiteto Murilo Marx ,  aponta  que “as baixadas  e pântanos  também  se constituiram  impedimentos  para o avanço do tecido urbano, que os evitou até que pudesse conquistá-los através de grandes obras de engenharia. Ou melhor, até que tal conquista se fizesse necessária e desejável”.

Em  Pelotas,  o  limite  norte  da  cidade  era  uma  larga  rua  projetada  todavia  não ocupada  -  chamada  Rua  do  Passeio,  onde  logo  sconstruiu  o primeiro  cemitério  dcidade, transladado desde o terreno da Igreja matriz. Os termos leste e oeste estavam nas baixadas em direção às margens dos cursos d' água: à oeste, a rua Boa Vista, seguindo a margem do arroio Santa  Bárbara  e  à  leste,  a  rua  das  Fontes,  cujo  nome  indica  de  onde  provinha  parte  do abastecimento de água da população. O limite meridional era a rua da Palma, um caminho quase desocupado e que a partir da ampliação da cidade rumo ao sul se converteria no centro do núcleo urbano. As ruas foram ordenadas exatamente de acordo com a direção dos pontos cardeais, seguindo uma tradição do urbanismo romano que também foi aplicada em outras regiões da América espanhola.

No centro se interrompiam  três ruas no sentido longitudinal  e uma rua no sentido leste-oeste, em função da abertura da praça da Igreja. Eram justamente estas as ruas que concentravam o maior número de construções e onde os moradores mais ricos (os estancieiros e charqueadores)  construíram  suas casas.  O mero de edifícioconstruídos,  de acordo com a planta de 1815, foi de 107 e as ruas próximas ao templo eram as mais edificadas. De acordo com as descrições de época do núcleo urbano, as outras ruas eram ocupadas por pequenos ranchos onde se realizava o cultivo de alimentos. A própria toponímia indicava esta situação (como por exemplo pela existência da rua da Horta), além de outros usos (rua das Lavadeiras, por exemplo). Pela mesma planta de 1815 se pode verificar que a cidade pouco se desenvolveu na direção leste, com suas ruas pouco ocupadas na etapa inicial.

Um dos relatos mais famosos sobre Pelotas no século passado foi o realizado pelviajante francês Auguste de Saint-Hilaire, que com a assistência de um dos principais proprietários da cidade, Antonio Gonçalves Chaves, conheceu a cidade em detalhe em 1820 e descreveu-a desta maneira:

Situada em uma vasta planície, foi eregida a sede da paróquia e conta com mais de cem casas. Se adotou um plano regular na construção da aldeia. As ruas são bem largas e alineadas; a pra pública onde esconstruída a Igleja é pequena, porém mui bonita. A frente da maior parte das casas é asseada. o se vê em o Francisco de Paula um único casebre, tudo aqui denuncia bem-estar. Na verdade as casas somente têm um pavimentoporém estão muito bem construídas,  cobertas de telhas e guarnecidas de vidros (Saint-Hilaire,1974:82).


Em 1825 mediante doação do governo provincial para a Freguesia de São Francisco de Paula se criou o Logradouro  Público da Tablada.  Tratava-se de um vasto terreno (1.428,8 hectares) situado ao norte da cidade no qual o gado da Campanha era agrupado para ser comercializado. A feira da Tablada, que foi situada na porção mais ao sul do terreno, ou seja, mais próxima do núcleo da cidade, era uma ampla praça que concentrava as relações de compra e venta  do  gado,  que  envolviam  estancieros  (criadores)  e  charqueadores  (produtores  de  carne salgada).


A estrutura da Tablada correspondia ao que Randle chama de remate-feira”, o local de compra e venda do gado pampeano. Sua implantação teve diversas repercussões no desenvolvimento da cidade, fomentando o crescimento das atividades comerciais e de serviços, uma  vez  que  proprietarios  e  peões,  depois  de  realizarem  seus  negócios  e  seus  trabalhos, buscavam a cidade para a compra de bens e mercadorias, assim como para diversão. Nas cadas posteriores, a Tablada exerceria a função de atração do crescimento da cidade na direção norte, atuando simultaneamente como estruturante do espaço urbano, pois as estradas que ligavam a área ao núcleo central e às áreas produtoras de charque se transformaram em vias urbanas importantes.

Os  negócios  efetuados  na  Tablada  impulsionaram  as  atividades  produtivas,  tanto rurais, como urbanas. O já citado estudo de Gutiérrez aborda a combinação, no espaço produtivo das charqueadas, através da utilização da força de trabalho escrava, da atividade de produção de charque (que era exercida nos meses estivais) com a produção de ladrilhos e telhas (nos meses sem tarefas com o gado). Esta relação complementaria repercutia no espaço urbano, pois produzia uma ampla disponibilidade de materiais para a construção civil à baixo custo, que servia como alternativa de investimento urbano dos grandes proprietários.

Desta maneira não é difícil considerar como bastante fis à realidade os relatos dos viajantes sobre o bom aspecto e a pujança das casas na cidade de Pelotas.

Os posteriores loteamentos que ampliaram a cidade mantiveram o mesmo estilo de traçado em tabuleiro de xadrez, racional, reticulado, heterogêneo (pois as quadras não eram todas a mesma dimensão), com predomínio da quadrícula sobre os retângulos. Tal traçado manifestava uma  nítida  diferenciação  com  a  típica  cidade  colonial  brasileira,  de  origem  portuguesa,  que apresentava sobretudo um traçado irregular, de ruas estreitas e tortuosas. Sem embargo, como aponta a citada tese de Yunes, o modelo quadriculado foi predominante no estado do Rio Grande do Sul, con exceção da cidade de Rio Grande, primeiro cleo urbano gaúcho, implantado em 1737, ou seja, em data anterior à provisão real de povoações.

As  novas  ruas  traçadas  eram  mais  largas  que as  do cleo  primitivo  e a cidade experimentou um cambio na direção de sua expansão se tornando mais extensa no sentido norte- sul.  Houve  a hierarquização  das  ruas:  as longitudinais  - alargadas  em direção  ao sul,  até as margens do São Gonçalo - passaram a ser as ruas principais; as de sentido leste-oeste foram consideradas  como transversais e não se produziu a ampliação de seu traçado, mas a cidade ganhou mais 16 ruas nesta direção. A cidade se organizou então em 23 ruas transversais e 12 ruas longitudinais  (principais),  com um total de 35 ruas e 142 quadras, das quais 40 somentestavam somente delimitadas, sem ocupação.


O lugar designado à nova praça central, para qual se trasladaria a Igreja Matriz era novamente o ponto mais proeminente do sitio urbano e a rua de São Miguel assumia o papel de rua principal, pois além de ser a de maior extensão, cruzando a cidade de norte à sul, estava situada na cúspide do sitio urbano, seguindo todo o divisor de águas das bacias do Santa Bárbara e do Arroio Pelotas. Não é por acaso que a igreja projetada tería sua porta principal para esta rua.

Foram  planejados  e demarcados  os espaços  para as futuras  praças  (um total de cinco) e  se produziu uma nova centralidade urbana na cidade. Ao redor da nova praça da matriz sconstruiram  a Câmara  Municipal  - o principal  órgão  político-administrativo  do município-,  o Teatro 7 de Abril e se demarcou o terreno para a nova igreja matriz, que, contudo, nunca seria construída nesse local. As ruas de conexão entre o centro antigo e o novo centro foram as que mais se desenvolveram, entre elas as ruas das Flores, São Miguel, da Igreja e do Comércio, como se pode observar na planta da cidade de 1835.

Nesta planta estão delineados os seguintes equipamentos: a nova praça da Matriz e demais praças projetadas, o cemitério, o quartel, o presídio, o terreno destinado ao hospital e uma nova ponte que seria construída sobre o arroio Santa Bárbara. A planta indica também as ruas já ocupadas e aquelas que estavam apenas em projeto. Assinala, ademais, os pontos já edificados do núcleo urbano, o que, realizando uma comparação com a planta anterior, nos permite deduzir que a cidade consolidava seu cleo com maior densidade de construções entre as duas praças principais e se extendia com mais velocidade em direção ao sul, para as margens do São Gonçalo. Provavelmente, o plano de construção de um hospital (que foi inaugurado em 1857), a presença do cais e o projeto de construção do porto nesta área valorizavam-a e atraíram novos habitantes.

Nicolau  Dreys,  viajante  que esteve em Pelotas  em 1839,  considerou-a  como umcidade nova e populosa, além de “exemplo espantoso da rapidez que cresce a população” e “desenvolvimento da prosperidade no Novo Mundo”. Deixou, incluso, uma das mais significativas descrições da vida social da cidade neste período:

A cidade de Pelotas está levantadnum terreno alto que principia na margem esquerda do rio São Gonçalo, e se extende entre os rios Pelotas e Santa Bárbara; seu rápido adiantamento resulta de sua proximidade das charqueadas e, por conseguinte d concurs do charqueadores homen próspero e   que geralmente  adotam  posições  liberaissua vontadera, de fato, suficiente  para operar a transformação que se faz notar: eles quiseram que o lugar prosperasse e o  lugar  prosperou;  cada  um  deles  tem  ali  sua  casa  urbana;  quando  nos domingos ou dias santos, a população das charqueadas se junta na cidade para assistir o serviço divino e depois se dispersa em visitas recíprocas ou em busca dos tecidos que as lojas ostentam com igual asseio e abundância, é difícil fazer-se idéia do ambiente de vida e opulência que respira a cidade de Pelotas (Dreys1961:116)


Não obstante, também lançou sua mirada aos aspectos formais do centro urbano e de seu crescimento em direção às povoações periféricas:

As  ruas  principais  da  cidade  de  Pelotas  seguem  quase  todas  uma  dirãperpendicular  ao  rio  São  Goalo;  o  largas  direitas,  com  seus  corretos ladrilhos nas paredes das casas: vantagens que compartilha com todas as vilas recentes do Brasil (...) A cidade parece tender a aproximar-se do rio São Gonçalo e quando chegue a extender seu caes pela margem daquele rio majestoso, com o qual está em comunicação pelo porto onde fazem a descarga as embarcações que lhe o destinadas, e pelo Passo Rico ou Passo dos Negros, que se pode considerar como um surbio, a cidade de Pelotas, que já tomou acento entre as mais asseadamente edificadas do Brasil, pode ser contada como uma das mais importantes praças de comércio (Dreys, 1961:117)."

(páginas 04 a 07)


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